Elza Soares apresenta ‘A Mulher do Fim do Mundo’ nesta sexta
Cantora do milênio, Elza Soares apresenta show nesta sexta-feira, no Centro Cultural Oscar Niemeyer, em Goiânia
Elisama Ximenes
Ela quer cantar até o fim. Mais do que quer, ela vai. A força é sua característica desde sempre. Aprendeu, desde cedo, a ser forte. Ela própria já disse: sabe de uma coisa? Eu sou forte mesmo. A voz rasgada e mais que afinada reforça isso. Elza Soares não só é a mulher do fim do mundo como é a cantora do milênio. É com uma bagagem de 60 anos de carreira que Elza sobe, nesta sexta-feira (23), ao palco goiano para apresentar o show que, no repertório, tem como protagonista o último álbum, A Mulher do Fim do Mundo.
De que planeta ela veio? – um dia perguntaram. E ela respondeu: “do planeta fome”. Hoje, suspeita-se, a resposta poderia ser “do fim do mundo”. Não o fim comum que se vê em filmes, como 2012 e outros apocalípticos, mas, como é por ela explicado, o fim das coisas feias e da pouca vergonha. No último álbum – primeiro, exclusivamente, de inéditas – Elza transborda sua luta pelo fim dos preconceito de classe, do racismo, do machismo, do sexismo e da homofobia. Desde o início de sua vida e durante a carreira, ela não esconde esse desejo, mas, em A Mulher do Fim do Mundo, ela grita por ele.
O grito é escancarado logo na canção que dá nome ao álbum. “Na avenida deixei lá a pele preta e a minha voz”, canta. Em Coração do Mar, ela é a própria imensidão, que contém o mundo em si. A Maria da Vila Matilde é a própria mulher que grita, que denuncia, que liga no 180, que dispõe de instrumentos legais para se defender da violência misógina. Precisou que a outra Maria, a da Penha, quase morresse para que isso fosse possível. A Luz Vermelha deixa a previsão: “Bem que o anão me contou que o mundo vai terminar num poço cheio de merda”. Elza é fogo que se derrete tonta.
Foi ela quem teve coragem de falar de Benedita, mais uma travesti marginalizada que, nos versos, enfrenta as violências que lhes são impostas. E é com firmeza que Elza canta na linguagem da periferia. “Beleza, mano, fica com Deus”, não tem vergonha de desejar. Assim como é fogo, em dança ela pede que deixem que a chuva que derruba o céu a lave. E, mais uma vez, em Solto, Elza mostra sua independência, porque seu corpo caminha sozinho sem você. Por fim, ela é gratidão à mulher de sua vida. “Levo minha mãe comigo embora já se tenha ido”, repete. Depois de ouvir o álbum de Elza várias vezes, porque é impossível escutar apenas uma vez, entende-se quando ela diz que o show de amanhã é forte.
Nascida em 1937, Elza chega a 2016 com a voz que encantou desde as primeiras apresentações em shows de calouros, fosse cantando samba, bossa nova, MPB, sambalanço, samba rock ou samba jazz. Em 1999, a Rádio BBC de Londres elegeu-a a cantora do milênio. Filha de Rosária Maria Gomes e de Gomes Soares, nasceu na favela da Moça Bonita, Rio de Janeiro, mas foi criada no bairro da Água Santa. Aos 32, quando conheceu o jogador de futebol Garrincha e casou-se com ele, foi julgada, mas, hoje, cantora do milênio, é exaltada e venerada. Com uma carreira longa e consolidada, Elza não poderia deixar de cantar alguns dos seus sucessos na noite de amanhã. “Vou cantar A Carne, Malandro e Opinião”, ela adianta. O critério para essa escolha é simples: “são músicas que eu gosto muito”.
SERVIÇO:
Show com Elza Soraes
Quando: Sexta-feira (24 de setembro)
Onde: Centro Cultural Oscar (CCON)
Quanto: A partir de R$ 46
Venda: https://meubilhete.com/elzasoaresgoiania
Entrevista – Elza Soares
“Me deixem cantar até o fim” marca os trechos finais da música A Mulher do Fim do Mundo. Depois, o verso passa a ser afirmativo: “Eu vou cantar até o fim”. O que isso significa para a luta da mulher por emancipação?
Significa que a mulher está tomando o rumo da própria vida. Está no rumo certo, no caminho certo, buscando esse espaço, mostrando que é capaz.
E o seu coração é como o Coração do Mar, que é terra ninguém conhece?
Lógico, é terra que ninguém conhece, que contém o próprio mundo, como um hospedeiro.
Então você é mar?
Eu sou o mar.
Maria da Vila Matilde é música forte que fala da realidade da mulher brasileira e, principalmente, da mulher negra que representam mais de 50% das mulheres que denunciam violência doméstica. Como mulher negra, como é cantar essa música, que tornou-se símbolo feminista?
Essa música veio para mostrar a realidade da mulher que não grita, que não vai à luta porque tem medo. Agora, com a lei, ela pode denunciar, mas de que adianta se ela volta pra casa e é ameaçada? Tem que ter um amparo. Ver que isso é uma realidade principalmente da mulher negra e pobre é duro, é muito difícil. A violência é uma realidade da mulher brasileira, mas é mais difícil ainda para a mulher negra e pobre que tem menos amparo e tem medo e vergonha de denunciar.
Como você começou a cantar essas temáticas de luta?
Essas lutas me marcam, eu pertenço a essa realidade, faz parte do meu pertencimento social.
Como foi, para você, cantar na abertura da Olimpíada no Brasil?
Foi lindo, a emoção foi grande, foi tudo muito bonito.
A música Benedita fala de uma travesti e da sua realidade dura. O que você acha que tem que ser feito para que a realidade delas melhore?
Elas têm que ser mais respeitadas, como qualquer ser humano. Elas pagam impostos como todo mundo, tem que ter respeito.
Qual o conselho você daria para a juventude que está começando na carreira musical?
Tem que ter muita simplicidade, humildade e respeito.
A carne é uma das músicas que marcaram sua carreira, é impossível ler a letra sem imaginar sua voz cantando e é uma música que fala da realidade dos negros. Como é, para você, falar sobre isso?
Uma vez disseram que tinha que haver o preconceito. E essa é uma realidade horrível. Precisava que alguém falasse ou cantasse sobre isso.
Qual a expectativa para o show em Goiânia?
A expectativa é grande. Gostaria de convidar a todas e todos a comparecer.
Para terminar, quem é a mulher do fim do mundo?
É a mulher que tem fé, que acredita, que sabe que quer o fim do mundo, mas não esse que todo mundo conhece, quer o fim da pouca vergonha, das coisas feias da vida que acontecem no mundo. É a mulher que luta por isso.