Corpo é movimento, tradição e ancestralidade
Laboratório ‘Raízes do Movimento’ promove vivência de dança negra, na Casa Corpo, hoje e amanhã
Elisama Ximenes
Batucar. Dançar. Tocar. Para a atriz e dançarina carioca Fernanda Dias, não dá para falar em cultura negra sem citar essas três palavras. O resgate à ancestralidade está na essência do movimento negro em todas as suas vertentes. Ela lembra que os negros utilizavam a dança para celebrar a vida. Dessa maneira, Fernanda realiza, hoje e amanhã, vivências de dança com o tema Raízes do Movimento – Uma Vivência nas Danças Negras Afro-Brasileiras e Tradicionais do Senegal na Casa Corpo.
“Pelo período, pela cultura e pelo tipo de dança eu escolhi o Senegal”, justifica Fernanda. Apesar de ser considerado um dos países mais caros do continente africano, a dançarina o escolheu pelo interesse cultural e tradicional no país. O curso que fez, lá, tinha a duração de três meses. “Eu achei que era um tempo relativamente bom para eu conseguir internalizar, no meu corpo, as danças de lá”, explica. E é essa experiência que Fernanda traz para as oficinas em Goiânia.
“Serão dois dias de suor, movimento, energia, potencialização e transformação”. É assim que Fernanda descreve como vai ser a dinâmica das vivências na Casa Corpo. Ela adianta que a musicalidade dos momentos será protagonizada por percussão ao vivo. “Além de sentir a potência do corpo, do movimento, você sente também a potência do som, do batuque, e isso eu tenho certeza: não passa de maneira ilesa por nosso corpo”, afirma.
Ela, porém, admite que o fato de ocorrer em apenas dois dias faz com que não consiga passar nem um terço do que aprendeu. A dançarina conta que selecionou alguns movimentos para multiplicar e experimentar durante a vivência corporal. A proposta, segundo ela, é montar uma performance por meio dos movimentos trabalhados. “A gente escolhe um tema, e esse tema se transforma em uma história que será contada com som e movimento”, adianta.
A dança negra
Além da vida, a morte e a colheita eram motivos (dentre outros) de celebração com dança e música para a ancestralidade negra. “Não se trata da dança pela dança, não era o canto pelo canto, estava tudo junto”, destaca Fernanda. Ela afirma ainda que a sociedade racista e colonizada em que se vive fez com que essas performances fossem marginalizadas. O que se entende como dança negra, hoje, é conceituada por Fernanda como a junção das danças afro-brasileiras com as contemporâneas e tradicionais do Senegal.
Os movimentos corporais característicos da tradição afro-brasileira, segundo Fernanda, têm a possibilidade de potencializar o corpo artístico na sua totalidade. “O corpo não é do pescoço para baixo, o corpo vai do cabelo até os pés, e o cérebro está nesse movimento”, explica. Para ela, a mente não está isenta do movimento proporcionado pela dança, ela está junto e, inclusive, comanda e coordena a intenção. Fernanda destaca que uma das grandes características da dança negra é conseguir não fragmentar corpo e mente e tornar tudo fluido.
A dança negra, inclusive proposta pela artista, não tem relação com a hipersexualixação do corpo negro, ao contrário do que foi estabelecido pela cultura racista da sociedade hegemônica. “Desde tempos remotos, criou-se uma informação de que o corpo negro, principalmente o feminino, serve apenas para a cozinha ou para a cama a fim de satisfazer os donos da casa grande”, contextualiza. Essa informação perpetuou-se na sociedade atual; a hipersexualização do corpo da mulher negra no Carnaval é um exemplo disso. “Mas o corpo negro não é só isso”, reafirma. Ela explica ainda que os movimentos realizados nas vivências têm uma relação com os Orixás e têm forte ligação com a tradição religiosa africana.
Fernanda começou a relação com a dança profissional, por volta de 2010 ou 2011, quando conheceu o Centro de Teatro do Oprimido. Foi lá que conheceu Charles Nelson, que é uma referência da dança afro-brasileira no Rio de Janeiro. Foi aluno da Mercedes Batista, que foi a primeira bailarina negra do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Foi então, com ele, que Fernanda começou a fazer a dança afro. Assim, ela começou a pensar numa possível relação da dança afro com as artes cênicas. A partir daí, a dançarina direcionou suas pesquisas e vivências.
Quando retornou do Senegal, em 2015, Fernanda consolidou o laboratório Raízes do Movimento, que ainda dava seus primeiros passos. Ela lembra ainda quando conheceu Charles Nelson e teve seus primeiros contatos com a dança negra, e nem pensava no laboratório ainda. “Eu assisti a uma aula de dança afro-brasileira, fiquei encantada com aqueles movimentos, com a sua potência, ritmo, e quis experimentar para ver no que dava, e nunca mais larguei”, explica.
“O meu objetivo final é atuar com esse laboratório dentro de uma universidade, que trabalhe com artes cênicas”, conta. Para realizar esse objetivo, já existe um processo, mas, antes, ela precisa realizar um mestrado para conseguir dar aulas no espaço acadêmico. “Enquanto isso não acontece, eu tenho ministrado alguns encontros, algumas vivências em alguns lugares”, explica. Fernanda destaca ainda que o laboratório Raízes do Movimento tem uma ideologia horizontal e, por isso, o que seria chamado de workshop, para ela, trata-se de uma vivência, porque inclui um processo de trocas.
SERVIÇO:
‘Raízes do Movimento – Uma Vivência nas Danças Negras Afro-Brasileiras e Tradicionais do Senegal’
Quando: 28 de outubro (das 19h às 22h) e 29 de outubro (das 10h às 13h)
Onde: Casa Corpo (Setor Leste
Universitário – Goiânia)
Quanto: R$ 100
Inscrições: cursocasacorpo@gmail.com