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segunda-feira, 25 de novembro de 2024
Cinema

Crítica: Doutor Estranho

Quando as imagens valem mais do que mil palavras

Postado em 5 de novembro de 2016 por Redação
Crítica: Doutor Estranho
Quando as imagens valem mais do que mil palavras


Toni Nascimento

A sequência inicial de Doutor Estranho, nova aposta do Estúdio Marvel, imediatamente coloca o público ‘cara a cara’ com o vilão  Kaecilius, vivido pelo ator dinamarquês Mads Mikkelsen (série Hannibal), e seus ajudantes, enquanto roubam uma escritura sagrada que guarda um feitiço proibido. Em seguida, eles são encontrados pela personagem Anciã, interpretada por Tilda Swinton (Precisamos Falar Sobre Kevin), e iniciam uma batalha transcendental. Esses primeiros cinco minutos colocam todas as cartas na mesa e deixa claro que a fórmula Marvel, com todos os seus acertos e erros, está ali e que o grande diferencial do longa é a estética.

Doutor Estranho estreou na última quarta-feira (2) e conta a história de Stephen Strange, um médico cirurgião cheio de marra que não economiza na arrogância, na prepotência e no egocentrismo. A pompa é tanta que é inevitável compará-lo com o Homem de Ferro, do Robert Downey Jr. (Chaplin). Será coincidência que os dois atores, agora imersos no mainstream pela Marvel, já interpretaram o famoso detetive Sherlock Holmes? Talvez sim, ou não.

Mas diferente do herói de lata, Stranger tem o famoso arco do herói fechado, no longa, passando por todas as fases de transformação de um personagem. Inclusive a espetacular Rachel McAdams (Diários de Uma Paixão) é afetada diretamente pela história onde, em vez de ser uma personagem com personalidade, se torna apenas um objeto de motivação para o personagem principal, e nada mais além disso.

Logo no começo, Stranger sofre um acidente e perde aquilo que ele tem de mais valioso, o controle das mãos. Após tentar todos os métodos medicinais para retornar ao estado normal, ele fica sabendo de algo que pode ajudar-lhe, bem longe de casa, no Nepal. É lá que ele entra em contato com magos e com a magia. E este é um dos grandes acertos do filme.

A coragem da Marvel de incluir magia no seu universo cinematográfico – além de ser benéfica por trazer um enredo diferente para aqueles que já estão saturados com o subgênero de super heróis – também se aproveita das maravilhas visuais que se torna possível com essa nova abordagem.

Com toda essa mágica, é a primeira vez desde que a Marvel começou a fazer o seu universo nos cinemas, em 2008, com o primeiro Homem de Ferro, que o 3D é quase uma obrigação para quem vai apreciar o trabalho nas telas grandes. Apesar de não ter sido gravado no formato, e sim convertido para o 3D depois de pronto, o longa nasceu para ser visto em perspectiva e com profundidade. E irá aproveitar mais ainda quem assistir em uma sala XD.

A estética do filme dá o tom e transforma a obra em um deleite visual. Isso só é possível graças a dois fatores. Primeiramente ao material fonte. As HQs do Doutor Estranho começaram a ser publicadas em 1963, em plena década de 1960, quando a psicodelia estava em ascensão junto aos hippies e ao uso exacerbado de alucinógenos, tornando as páginas dos gibis uma viagem mágica, alucinada e bela.

O outro ponto fundamental para tornar o filme tão bonito, além da própria beleza colorida, é o diretor Scott Derrickson, que vem de filmes de terror como O Exorcismo De Emily Rose e Livrai-nos Do Mal. Ele consegue transmitir no visual toda a beleza e agonia que existe na magia daquele mundo. Além disso, ele transpõe na estética o fio condutor que move e dá sentido ao filme: o tempo. É em torno do tempo que tudo acontece.

Falar mais sobre isso seria dar spoilers desnecessários que tirariam toda a surpresa. Então, ao invés disso, vamos pegar o melhor exemplo de que o diretor foi feliz nas cenas trabalhadas. No primeiro encontro entre Stranger e a Anciã – quando pela primeira vez ele faz uma viagem transcendental entre várias realidades –, existe um show de cores e psicodelia quando, em certo momento, ele olha para as próprias mãos e, delas, saem outras mãos, e destas outras mãos, até chegar ao ponto em que milhares delas cobrem totalmente o corpo dele.

Mas o filme também traz alguns defeitos que inclusive já conhecemos em outros filmes do estúdio. Além da história de origem – que, como já vimos, não é original –, o vilão do filme é novamente um objeto unidimensional, sem qualquer personalidade ou tridimensionalidade. Apesar de Mads Mikkelsen se esforçar para dar vida a um antagonista forte, ele não consegue por ficar preso em motivações tão batidas e poucas cenas de desenvolvimento de personagem.

Outro erro do filme é o excesso de cenas de ação: apesar de bem gravadas e envoltas em uma pegada de A Origem, filme de Christopher Nolan, não passam de mais uma exigência do estúdio para sequências megalomaníacas e de puro entretenimento, mas sem uma utilidade prática para o longa.

Em certas cenas que se passam em corredores e salas de um hospital com o Doutor Estranho e o seu interesse amoroso vivido pela Rachel McAdams, até conseguimos sentir uma aproximação com seus primos distantes da TV, as séries produzidas pela Netflix em parceria com a Marvel, e até dá para pensar que teremos alguma profundidade, mas logo uma piada jogada a esmo mostra que estávamos enganados.

Doutor Estranho é um filme lindo, que vale a pena ser visto no cinema, mas que deixa a desejar exatamente pela promessa de ser mais, de ser diferente daquilo que a Marvel já fez. Mas, apesar de assombrosamente psicodélico e subversivo em sua estética, ele ainda segue o perfil conhecido do estúdio de fazer cinema. Vamos torcer para que, no próximo, eles peguem leve na piada e usem um pouco mais de profundidade.

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