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quinta-feira, 28 de novembro de 2024
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TEATRO

A vida como ela é

Uma comédia existencialista que aborda vida, morte, amor e vizinhos é o ponto central da peça ‘Os Realistas’

Postado em 12 de novembro de 2016 por Sheyla Sousa
A vida  como  ela é
Uma comédia existencialista que aborda vida

O que o texto do dramaturgo Will Eno tem que te atraiu para este projeto?
Will Eno é um parceiro antigo; este é o sexto trabalho sobre a obra dele que realizo. É um dramaturgo muito potente e consegue ser reverente aos seus mestres e original ao mesmo tempo. Sendo seus mestres Samuel Beckett e Edward Albee, a mistura é muito instigante. Neste caso, especificamente, o texto faz também uma homenagem ao teatro de Tchecov com seus personagens pensando o homem face ao encontro com a natureza. É também o texto de maturidade absoluta de Eno; seus temas fetiches estão todos lá, mas sem apresentar barreiras para o espectador; é extremamente comunicativo.

A peça retrata a vida de pessoas comuns. O público costuma se ver retratado nos personagens? 
Um dos principais legados do realismo, na literatura e na dramaturgia, é colocar em cena o homem comum. Sai o herói épico, entra o homem comum, o gente como a gente. O realismo como gênero é onde o espectador e o leitor mais se reconhece, onde uma maior extensão de repertório pode ser projetada. Os temas desta peça são os grandes temas da humanidade: amor, morte e liberdade. Já se disse que tudo gira em torno disso são os grandes temas arquetípicos. Só depois vieram outros temas fetiches como o sexo, o dinheiro, o poder e a fé.

Em uma crítica, a peça foi descrita como uma trama sobre os personagens, e não sobre o que acontece com eles, pois não acontece nada. Como é essa dinâmica no palco?
O ‘não acontecer nada’ é uma alusão à falta de progressão narrativa, à falta de condução de trama em uma perspectiva de compreensão mais cartesiana. É uma peça que fala de vida comum e o milagre cotidiano, que é viver nossas vidas, em especial na perspectiva do relacionamento amoroso. Então, muito acontece! Mas a força deste ‘muito’ está toda concentrada nos personagens, em seus pensamentos e pequenas ações, e não em uma trama propriamente dita, ou o que normalmente costuma se entender por trama. A dinâmica que se estabelece neste palco é a de dois casamentos, dois casais tentando viver dentro deste pacto e quatro pessoas frente à ameaça da morte. Como eles lidam com isto, um de maneira mais estóica, outro de maneira mais neurótica – é o que constrói a personalidade destes incríveis personagens em crise. E só a genialidade de Eno conseguiria transformar isto em uma comédia já na palavra escrita.

O texto traz à tona temas como morte, doença, paixão e amizade. Ao mesmo tempo, é uma peça com momentos engraçados. Como se equilibra alegria e tristeza? 
Os personagens, apesar de terem voz única, também falam pela voz do autor. O estilo de Eno é muito característico, um fraseado carregado de humanidade e humor. É como se os personagens também usassem o humor como lupa para a observação do mundo e também como escudo para a proteção deste mesmo mundo que acabaram de melhor observar. E também devido à devoção ao estilo nonsense de seu mestre, Samuel Beckett, que escreveu personagens clownescos encharcados de humor e dor. Em determinado momento de Os Realistas, ocorre o diálogo: ‘É isso que você faz, usa o humor para esconder quem é de verdade?’ ‘Na verdade, eu uso o humor para tentar ser engraçado’. Puro nonsense de um Beckett contemporâneo.

A peça não se propõe a fornecer conclusões prontas, nem passar nenhuma lição. Numa época em que um grande número de textos escapistas faz sucesso comercial, foi uma opção fazer o público refletir?
 Obra de arte que não apresenta soluções prontas eleva o espectador à condição de criador. Metáforas abertas são uma declaração de amor à inteligência e à participação do espectador. Ao longo dos anos, também por meio de péssimo estímulo político de governantes que preferem seus cidadãos não pensantes, fortaleceu-se o pensamento de que a reflexão é inacessível, difícil e enfadonha. Projetar seu repertório em personagens é uma das maiores e mais gratificantes experiências da humanidade, seja na leitura, no teatro, no cinema na performance ou em volta da velha fogueira onde tudo começou. Para nós é um prazer emocionar e engrandecer o espectador. Seria pouco trabalhar por menos.
 

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