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quarta-feira, 27 de novembro de 2024
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TEATRO

O ator está só

Festival traz para os palcos de Goiás 12 espetáculos solo com artistas goianos, nacionais e internacionais

Postado em 6 de fevereiro de 2017 por Sheyla Sousa
O ator  está só
Festival traz para os palcos de Goiás 12 espetáculos solo com artistas goianos

JÚNIOR BUENO

Esqueçam os espetáculos com grandes cenários. Elencos numerosos e corais majestosos podem dar adeus. Não há trocas e mais trocas de figurinos, de maquiagens, de próteses, com palcos giratórios e shows pirotécnicos de iluminação. Não é nada disso que irá encantar o espectador de Goiânia nos dez dias de espetáculos minuciosamente escolhidos para integrar o primeiro Festival Internacional de Solos em Goiás ( Fisgo), entre os dias 8 e 18 de fevereiro, no Sesc Centro, em Goiânia. O objetivo é mostrar ao grande público o preciosismo e o esmero de trabalhos e de artistas que optaram por desenvolver uma obra de forma individual e que, para isso, tiveram de quebrar preconceitos e paradigmas. Trata-se de colocar em cena o que há de mais visceral na representação de um ator: sua solitária busca pela empatia do público. 

Segundo o coordenador geral do Fisgo, o ator Bruno Peixoto, existe sim uma marginalização do formato solo ou do monólogo. “Os espetáculos solo sofrem certo preconceito, principalmente por um senso comum, de que a presença de um único intérprete torna a obra entediante. Normalmente, isso ocorre porque a pessoa tem algum tipo de experiência que não foi satisfatória, já que esse tipo de trabalho realmente precisa ser feito com muita dedicação e muita força para poder encantar e seduzir o público. E ele precisa ser redondo, precisa ser feito com muita profundidade, para que as pessoas realmente tenham uma experiência estética favorável a esse tipo de formato. É isso que queremos trazer ao nosso público: trabalhos que garantam essa experiência impactante e amistosa, do ponto de vista da apreciação,” diz ele.

Quatro solos goianos

São 12 espetáculos solo de artistas consagrados em âmbito local, nacional e de países como Colômbia e Argentina. Mas engana-se que há uma hierarquia entre eles. A prática já batida entre festivais goianos de cultura de dar destaques a atrações de fora e reservar um cantinho qualquer para a produção local, neste caso, graças a Baco, não se aplica. Entre a programação, há quatro solos goianos: Gato Preto, com Sol Silveira; Esquizofrenia, com Adriana Veloso; Sertãohamlet, com Guido Campos, e Balanço, de Bruno Peixoto, que foi justamente o espetáculo que deu origem à ideia de se criar um festival de monólogos.

A peça Balanço estreou em 2009 e, a partir da experiência de se fazer um solo, o ator e diretor passou a pensar em um festival que pudesse reunir apenas espetáculos em que o artista estivesse só no palco. Para ele, é uma experiência enriquecedora para o ator e para a plateia. “A gente nunca está só de fato; há o iluminador, o contrarregra, essas pessoas que são essenciais para se fazer o espetáculo. Mas, no palco, é uma solidão imensa. Há de se ter concentração absoluta, disciplina. Com outro ator em cena, se der um ‘boró’, tem que resolver, improvisar sozinho ali na hora”, diz ele.

Outra característica, segundo Bruno, é que por ter uma estrutura mais simples, é mais fácil de fazer o espetáculo rodar. Ele já se apresentou até no topo de uma montanha, iluminado apenas por tochas, na Colômbia. Balanço é a história de um rapaz homossexual em uma cidade do interior de Goiás. “É um texto que fala sobre a dificuldade de ser aceito, de ser amado. É um texto escrito por Danilo Alencar, na década de 1970, em homenagem ao irmão dele, que era gay, candomblecista, que morreu de tuberculose”. O ator conta que o texto provoca uma identificação com a plateia, ainda hoje, por se tratar de um tema atual.

Sertãohamlet é a terceira parte de uma trilogia de Guido Campos sobre o sertão. A primeira parte, A Terceira Margem do Rio, adaptada de Guimarães Rosa, foi dirigida por Henrique Rodovalho e retratava o sertão mineiro. Em seguida, foi a vez de um texto goiano, do Miguel Jorge, ganhar os palcos: Boi teve direção do uruguaio Hugo Rodas. “Após fazer um texto brasileiro e um goiano, resolvi fazer algo que fosse universal, que é Hamlet”. Em uma viagem com Boi pela região do Cariri, no interior do Ceará, ele percebeu que ali era o cenário ideal para pesquisar e ambientar seu Hamlet: “Eu havia lido em uma revista sobre Virgulino, o Lampião, que ele se tornou cangaceiro para vingar a morte de seu pai. ‘É isso!’, eu pensei”. O estreou no Nordeste e, depois, veio a Goiânia, no ano passado.

O ator, que é um pioneiro em espetáculos solo, levou 23 anos para concluir sua trilogia. Ele diz que o monólogo enquanto estrutura teatral foi uma escolha pessoal, já que ele também costuma fazer peças com companhias. “Com elenco grande, tem a coisa da cochia, que é muito bom”, ele diz, “mas o monólogo é um caminho muito meu, de realização minha”, completa. Ele está satisfeito com a realização do Fisgo, por abrir uma frente para o solo, um gênero teatral que, ora sofre preconceito, ora é banalizado. “Um espetáculo solo requer muito trabalho, muito estudo e muita entrega”, finaliza.

A história de Gato Preto é inspirada em conto do mestre do terror Edgar Allan Poe. “É uma inversão de gênero. No original, era um homem. Nós resolvemos fazer com que fosse uma mulher a personagem principal. Ela tem um gato e, de repente, começa a sentir que coisas estranhas estão acontecendo e acha que é por causa do animal”, diz ela sobre o enredo. Sol Silveira, que estrela Gato Preto, diz que o maior desafio em estar só no palco é transferir o jogo de cena, que seria com outro ator, para a plateia. “Para o ator, é muito interessante essa experiência”, ela diz, “você acaba aprendendo coisas novas, faz da plateia cúmplice”, complementa. Ela também ‘joga’ com os elementos cênicos, como projeções e iluminação.

O quarto espetáculo goiano é Esquizofrenia, uma adaptação livre do texto de Dario Fo e Franca Rame, Uma Mulher Sozinha. É o relato de uma mulher que acredita estar trancada em casa por causa do ciúme do seu marido. Seu discurso oscila entre o dramático e o cômico, pensamento e imaginação, revelando a humanidade deste ser que vê em um mundo paralelo a única saída para sua tragédia pessoal, tratando o espectador como seu terapeuta pessoal. O texto questiona como as doenças da alma e o sofrimento mental viraram algo corriqueiro. Fronteiras da normalidade e diferenças entre realidade e ficção são outras abordagens do monólogo, que tem direção de Hugo Rodas.

Programação

O Fisgo estreia nesta quarta-feira (8), com um espetáculo da atriz Letícia Sabatela, Ternas Experimentações. Até o fim da semana seguinte, outros espetáculos se seguem: Xochitzin El Canto de um Recuerdo, com a mexicana Patricia Ordaz; Panapanã, com José Regino, de Brasília; O Princípio do Espanto, com João Araújo, de São Paulo; A Garota da Capa, com Andrea Padilha, de Santa Catarina; Arrebol, Com Angélica Nieto; Tomate, Puro Tomate, com o palhaço argentinoVictor Avalos, e A Descoberta das Américas, com Júlio Adrião.

O homenageado desta primeira edição é o ator carioca Júlio Adrião. Estão programadas ainda três oficinas: Fala e Voz Cantada –Técnicas de Linklater, com Patricia Ordaz; Corpo Ritmo Raiz, com Angelica Nieto Cruz, e Oficina de Clown – O Palhaço da América Latina, com Victor Ávalos. As aulas serão nos dias 10, 11, 14 e 15 de fevereiro das 9 às 13 horas. O aluno paga R$ 50 e deve fazer a inscrição pessoalmente na Central de Atendimento do Sesc Centro (Rua 15 com Rua 19, Centro de Goiânia). 

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