“‘O Topo da Montanha’ tem um poder de comunicação que nos atraiu”
Taís Araújo e Lázaro Ramos apresentam montagem sobre Martin Luther King, no sábado, em Goiânia
Bruna Policena
O Topo da Montanha, montagem que estreou em Londres, em 2009, ganhou versão na Broadway, em 2011, e começou sua trajetória de sucesso, em São Paulo, no dia 9 de outubro de 2015, protagonizada e também produzida por Lázaro Ramos e Taís Araújo, com direção de Lázaro Ramos e codireção de Fernando Philbert. Após uma temporada de quase um ano na capital do estado de São Paulo, a montagem já passou por algumas cidades brasileiras e foi vista por mais de 80 mil espectadores – além de ter recebido uma indicação ao Prêmio Shell, de Melhor Atriz, para Taís Araújo.
A encenação, que conquistou tantos espectadores, relembra que, há quase 50 anos, no dia 4 de abril de 1968, o mundo se despedia de Martin Luther King Jr., o pastor protestante e ativista político que se tornou ícone por sua luta pelo amor ao próximo e pelo repúdio à segregação racial norte-americana. Vale lembrar que, somente entre 1883 e 1959, cerca de cinco mil negros foram linchados nos estados do sul do país – e é este o momento histórico que a jovem dramaturga Katori Hall desconstrói na ficção.
O Topo da Montanha faz alusão ao último grande discurso de Martin Luther King (I’ve Been to the Mountaintop). Em Memphis, na Igreja de Mason, no dia 3 de abril de 1968, Luther King acabara de realizar seu último sermão. É exatamente neste cenário, um dia antes de seu assassinato, cometido na sacada do Hotel Lorraine, do quarto 306 – e na sequência de suas derradeiras palavras públicas –, que Martin Luther King, interpretado por Lázaro Ramos, conhece Camae, encenada por Taís Araújo, a misteriosa e bela camareira, em seu primeiro dia de trabalho no estabelecimento.
Lázaro e Taís
A peça é um encontro completo para o casal Taís Araújo e Lázaro Ramos – que, além da vida conjugal comum e dos trabalhos na televisão e no cinema, possuem carreiras sólidas também nos palcos. A carioca Taís Araújo faz desta a sua décima peça teatral como atriz e a terceira como produtora – já esteve no elenco de Orfeu da Conceição; Personalíssima; Gimba; Liberdade para as Borboletas; Solidores; O Método Grönholm; Amores, Perdas e Meus Vestidos; Disse que Disse e Caixa de Areia.
Já o soteropolitano Lázaro realizou mais de 20 espetáculos com o Bando de Teatro Olodum de 1994 a 2002, dentre eles, Sonhos de Uma Noite de Verão, Ó Pai Ó e Ópera dos 3 Vinténs. Após sair de Salvador, destaque para A Máquina, Mamãe Não Pode Saber e o Método Grönholm, além de ter dirigido e escrito os infantis As Paparutas, A Menina Edith e a Velha Sentada, bem como esteve à frente da direção dos adultos Campos de Batalha e Namíbia, Não.
SERVIÇO:
Espetáculo ‘O Topo da Montanha’
Quando: 27 de maio
Onde: Teatro Rio Vermelho, Rua 4, nº 1.400 Centro de Goiânia
Horário: 21h30
Duração: 1h20m
Classificação: 12 anos
Gênero: Comédia dramática
Entrevista: LÁZARO RAMOS E TAÍS ARAÚJO
O espetáculo Topo da Montanha estreou em Londres e chegou ao Brasil por meio de vocês. Como vocês entraram neste projeto?
Taís – O primeiro contato não foi positivo, não foi uma peça que amei. Porque, primeiramente, eu a li em inglês e achei que era muito norte-americana. Eu fui a primeira a vetar. Mas aí depois eu li uma boa tradução, e foi aí o segredo. O tradutor foi um brasileiro, que é apaixonado por Luther King, e ele traduziu sentimentos. E aí, quando eu li, mesmo tendo sido a primeira a rejeitá-lo a versão em inglês, botei pilha para fazer (risos). Porque eu lia e chorava, lia e ria. Eu pensei: esse espetáculo é fundamental, é necessário, eu preciso fazer isso. E, bem, aí, fiquei pilhando o Lázaro que também já tinha desistido.
Lázaro, já era de sua escolha assumir a direção da peça?
Lázaro – Antes, eu não tinha vontade de dirigir e atuar. Achei que nunca faria isso. Mas Taís me convenceu com um argumento muito forte: desde que a gente comprou a peça, inevitavelmente, eu falava sobre o conceito, sobre encenação. Acho que encontrei uma maneira como diretor de fazer muito interessante. Não foi fácil, mas tenho uma equipe de criação, que inclui a Taís, que é incrível e apaixonada pelo que faz.
Quais as experiências mais emocionantes que tiveram com a reação do público? De que forma o texto toca um público tão diferente ao tratar de um assunto como racismo? Como é falar com um público que, talvez, até então, não tenha refletido sobre isso?
Lázaro – Eu posso dizer, com toda a certeza, que todas as sessões foram marcantes. Ver a emoção das pessoas enquanto elas se divertem é muito emocionante, é uma experiência enriquecedora para os atores, para a equipe e para o público. E o importante é que você diz na sua pergunta: levar a reflexão com afeto. Fazer as pessoas passarem o bastão com a gente.
Como um discurso de 1968 consegue ser tão atual?
Lázaro – É atual, porque é um texto com a habilidade de falar sobre direitos humanos, sobre coragem, sobre afeto. Independente de ser baseado na história de vida de um grande líder como foi Luther King, O Topo da Montanha tem um poder de comunicação que nos atraiu e fala de uma maneira agregadora. De uma maneira afetuosa, fala de uma luta dolorosa, mas, por meio de humor, faz com que todo mundo se sinta parte da discussão e saia do espetáculo motivado.
Como é interpretar Luther King e Camae, uma mulher camareira, nos anos 60?
Taís – O processo de construção da Camae, foi longo – uns quatro meses ensaiando. O Silvio, que é nosso tradutor, veio falar do Luther King para a gente. Houve vários debates sobre a questão negra no Brasil. Foi um processo que não era só de levantar e decorar. Então decidimos que não íamos fazer composição. Que eu não iria fazer uma negra dos Estados Unidos que estamos acostumados a ver no cinema. Que para a gente interessava muito mais o conteúdo e o quanto ele era potente. Optei por fazer uma mulher popular, que pode ser uma mulher popular do Brasil. Não queríamos que tivesse distanciamento do nosso público para que pudesse tocar o coração das pessoas. Acho que conseguimos.
Lázaro – Compor o Martin Luther King foi um grande desafio. Principalmente por ser um homem com assinatura tão forte. Tinha um jeito de olhar, de falar, de discursar. Num primeiro momento, o caminho que busquei foi tentar imitá-lo. Mas isso, logo na primeira semana de ensaio, eu já percebi que não ia ser bom para o espetáculo. Então eu percebi que eram as palavras que importavam, e comecei a encontrar nele o que ele nos inspirava. Dei prioridade às suas palavras. E o Martin Luther King que eu vivo no palco é uma busca de potencializar suas palavras. Sem imitações. O protagonista é o discurso sobre afeto e coragem do qual Luther King fez parte ativamente.
A peça tem um toque de brasilidade?
Taís – Tem, claro. Não imitamos trejeitos americanos, e acho que Camae, em particular, é uma mulher brasileira. As dores são universais.
Como é a vivência de trabalhar como um casal no teatro e na televisão?
Lázaro – Em 2007, nossa primeira parceira profissional se deu em Cobras e Lagartos. Depois, novamente em São Paulo, com o Método Gromholm, peça com a qual estreamos em São Paulo. Depois, fizemos coisas juntos, mas não contracenamos. O bom disso tudo, além de poder tirar férias juntos, é que fazemos dois estilos diferentes. O Mr. Brau é um estilo novo, de comédia. E fazer isso com Taís, que é uma das atrizes que melhor lida com o riso neste País, é simplesmente maravilhoso. Tentamos ao máximo ser parceiros um do outro. Tê-la por perto é muito bom. O legal é que depois de 12 anos de casamento a gente aprendeu a separar algumas coisas, e às vezes não falamos de trabalho, em casa, para podermos refletir e, depois, resolver as questões profissionais.
Em uma entrevista, o Lázaro disse que vocês montaram o espetáculo pensando como as palavras de Luther King os tocariam. Qual a importância de uma peça com este tema estar em cartaz há tanto tempo?
Lázaro – Várias partes dos textos que a gente fala parece que foram escritos na semana passada. O que eu não acho uma qualidade, acho até um pouco triste. Tudo que ele falava contra a violência, a falta de afeto, a desigualdade social que existe, tudo é muito condizente com a realidade brasileira atual. Todo mundo sai muito emocionado e motivado a participar de um luta. Ele mostra o afeto e a coragem como alternativa a brutalidade. Esta é importância.
Taís – Quando lemos o texto, vimos que estamos muito atuais para o Brasil de hoje. O que é lamentável, já que estamos falando dos Estados Unidos de 1968, e tudo se adequa perfeitamente ao Brasil de 2016. Então é muito claro: nós estamos vivendo essas questões muito claramente, agora. O que é engraçado, porque, quando compramos o espetáculo, não estava assim, tão fervilhante como está hoje em dia. Então, a cada dia que passa, O Topo da Montanha se torna mais atual e mais necessário para o público brasileiro.
Quem é Martin Luther King para vocês?
Lázaro – Ele sempre esteve presente na minha vida. Naturalmente, por fazer parte de um grupo de teatro como o Bando Olodum, que sempre buscou trabalhar a história negra, ele sempre esteve próximo de mim. Claro que eu não tinha um conhecimento total, o que tive no momento da construção da peça. Li a biografia, vi documentário e discursos. Ele me fez refletir muito. Ele é um cara que precisa muito ser escutado, como vários outros que lutam pela igualdade no mundo.
Taís – Quando a gente começou a estudar o Luther King, eu conhecia muito mais o Malcolm X que o Luther King. Eu era mais próxima do discurso do Malcolm X. E eu tinha um grande problema com o discurso do Luther King, porque eu não acreditava muito. Me parecia um discurso muito romântico que só falava do amor, ah… o amor, o amor! Até que você percebe que ele usava o amor como política. Porque, se você olhar o outro com amor, com respeito, com compaixão, você começa a entender aquele outro ser humano. E você fica mais flexível. E, segundo, porque com esse discurso da não violência ele abriu portas que jamais seriam abertas pelo Malcolm X. Ele foi conversar com presidentes, foi discutir política e leis que mudariam a história dos negros nos Estados Unidos. Então, quando você fala de amor, não é o amor romântico; a gente está falando de um amor político, inclusivo. E Luther King soube usar isso muito bem – ou como ninguém.