“Ataque à Síria é conveniência dos EUA”, diz embaixador Ghassan Nseir
Em entrevista exclusiva ao jornal O HOJE, Nseir, que recebeu título de cidadão goiano pela Assembleia, sai em defesa de seu país
Venceslau Pimentel
O embaixador da Síria no Brasil, Ghassan Nseir, agora cidadão goiano por decisão unânime da Assembleia Legislativa de Goiás, sai em defesa do governo de seus país, que está mergulhado há cerca de seis anos numa sangrenta guerra civil que já matou milhares de civis. De outra parte, critica com veemência a coalizão comandada pelos Estados Unidos, que tenta derrubar o presidente Bashar al-Assad, no poder há 17 anos. Em entrevista ao O Hoje, Nseir diz que a ofensiva contra o seu país é uma injustiça e contra a soberania nacional, e que a operação vai contra carta das Nações Unidas, que coíbe intervenção externa em assuntos de qualquer país. Quando indagado sobre a permanência de al-Assad no poder, ele lança outra pergunta: “Será que nós temos o direito também de dizer que o Trump não serve para governar os Estados Unidos”? Ele fala sobre nova constituição e eleições no país e da aliança com a Rússia de Vladimir Putin. Para o embaixador, o fim do conflito e do terrorismo somente virá quando os demais países se juntarem à Síria nessa empreitada.
Entrevista Ghassan Nseir
Como vê a posição do Brasil em relação ao conflito na Síria?
É uma pergunta que precisa de um exame de consciência. Quando cheguei ao Brasil, já havia uma crise no meu país, e havia uma situação de instabilidade no Brasil, além de uma campanha midiática tendenciosa contra a Síria. As mentes estavam muito influenciadas por essa campanha midiática tendenciosa. E durante a minha presença aqui, eu entrei em contato tanto com a mídia quanto e autoridades políticas brasileiras, e com as escolas e as universidades, para explicar a posição da Síria. E eu encontrei muita compreensão, porque os fatos por si só acabaram mostrando a realidade do que vem acontecendo no meu país. Porque não é possível que um povo lute seis, sete anos e no final eles vençam, enquanto havia entre 80 e 120 países posicionados contra ele. Países que se posicionaram contra (a Síria), é porque giram em torno do universo dos Estados Unidos. O que aconteceu na Síria foi uma injustiça.
Como avalia o entendimento de parte da comunidade internacional, de que seria necessária a saída do presidente Bashar al-Assad, para acabar com o conflito no país?
Eu quero devolver com outra pergunta. O presidente da Síria é um assunto do povo sírio ou da comunidade internacional? Porque o povo sírio elegeu o seu presidente. E nós já estamos organizando novas eleições. O que esses países estão fazendo vai contra a carta das Nações Unidas, que prevê a não intervenção nos assuntos internos de outros países e a não intervenção na mudança de outros regimes de outros países. E nós todos sabemos que os Estados Unidos, quando não convêm a eles algum presidente, eles falam que esse presidente não é conveniente e começam a atuar no sentido de tirá-lo do poder. Será que nós temos o direito também de dizer que o Trump não serve para governar os Estados Unidos?
Qual a principal agenda da Síria em relação à Europa, no que tange a guerra civil no país?
Nós não somos inimigos de qualquer país. A não ser os países que ocupam os nosso territórios e violam a nossa soberania. Nós somos um pais pacífico e um dos fundadores da carta das Nações Unidas. E nós tentamos sempre cooperar com os países conforme a disposição deles em cooperar. Nós não intervimos nos países para decidir quem vai ser ou quem vai deixar de ser o presidente daquele país. Nós tratamos os países baseado no respeito mútuo. Mas, infelizmente, as forças sionistas do mundo elas acabam dominando o poder de decisão desses países. E eles atuam no sentido de destruir a Síria, porque eles se recusam a devolver o direito a quem de direito.
Sem apoio do presidente da Rússia, Vladimir Putin, o presidente Bahar al-Assad estaria ainda no poder, na Síria?
Essa pergunta seria uma suposição. Não temos de trabalhar com suposições, num momento em que temos um país que apoia a Síria para lutar nessa guerra, enquanto existem países que estão bombardeando a Síria. A Rússia não se posicionou ao lado da Síria, porque é a Síria. A Rússia se posicionou ao lado do direito internacional. E o que eles querem (os russos) é estabelecer a paz na Síria, conforme prevê o direito internacional. Porque esse terrorismo que nos vimos combatendo há muito tempo já se espalhou pelo mundo todo, porque eles criaram e financiaram esse terrorismo e agora esse terrorismo está se voltando contra eles, em Paris, na Inglaterra, na Europa como um todo, nos Estados Unidos. E nós chamamos a todos eles, no sentido de que quem quiser combater o terrorismo que venha até nós, para coordenar com a gente, com governo sírio, com o exército sírio para gente traçar um plano de combate ao terrorismo, porque não é bombardeando ou atacando a Síria que você vai combater o terrorismo. Será que vocês, como brasileiros, aceitariam que um exército estrangeiro invadisse o país de vocês e violassem a soberania de vocês e matassem as pessoas? Vocês aceitariam esse tipo de situação? Então, o que você não aceita para você, não pode aceitar para os outros.
Qual a saída para pôr fim a esse conflito?
A saída é que os países que apoiam o terrorismo parem de apoiá-lo, que eles se posicionem ao lado da Síria, para derrotar com o terrorismo de uma vez por todas, que permitam ao povo sírio ter o direito de buscar uma solução política entre si. E que não imponham nenhuma condição ou tipo de regime ao povo sírio, porque é ele que deve decidir que tipo de regime ele quer, quem será seu presidente, qual será o seu sistema político e como quer que seja a sua soberania. Então, em primeiro lugar, o combate ao terrorismo, a instituição de uma nova constituição no país e, depois, a realização de eleições baseadas nessa constituição. Por fim, a reconstrução do país.
Qual a importância de estar nesse momento no Parlamento goiano?
Estou imensamente grato por essa oportunidade, porque recebi o apoio do Parlamento do Estado de Goiás, um apoio moral necessário tanto para mim quanto para o povo sírio. Aqui no Estado temos uma grande comunidade síria e descendentes de sírios, e que acabam sendo afetados por tudo o que acontece na Síria. Então, quando eles (os sírios e seus descendentes) veem que a Assembleia Legislativa do Estado de Goiás faz uma homenagem ao embaixador, como um homem do país deles, a pessoa que ele é, eles sentem que esse Parlamento tem compaixão pelos sentimentos deles, tem empatia com o que está acontecendo com eles. Quem se posiciona nesse momento ao lado da Síria, está se posicionando ao lado da justiça, da dignidade, da soberania dos povos, do direito dos povos à autodeterminação, e contra o domínio forçado dessas potências sobre esses países.