Mulheres no poder
Com ingressos esgotados, 1º dia do tradicional Festival Vaca Amarela teve catarse total promovida por expressividade feminina
Guilherme Araujo*
Foi soprando uma suave e fugaz brisa, responsável por marcar
o início da Primavera que começou nesta tarde de sexta (23), é que brotaram
flores no Centro Cultural Oscar Niemeyer. Uma metáfora bastante aplicável às
mulheres que comandaram a 1ª noite da 16ª edição do Festival Vaca Amarela. A
lua ainda caía no céu quando foi dada a largada de apresentações. Pouco a
pouco, fãs começaram a se aglomerar no Palácio da Música para assistir aos 6
shows do folhetim, que quanto mais maduro se mostrava, mais força assumia.
Com música para todos os gostos, flertando com o pop, o rock
e o funk, atrasos marcaram o início dos shows, o que acabou prejudicando o
tempo de todas as bandas e artistas que tocariam, reduzindo-os pela metade. No
entanto, nada foi capaz de apagar a opulência do público, ansioso, e dos
intérpretes.
A cantora goiana Chell foi a primeira a subir ao palco, em
uma apresentação marcada pela delicadeza e a sutileza de canções de amor que
fizeram durante meia hora casais dançarem embalados, nada temerosos. Logo após,
a cantora Niela ganhou os holofotes em um show etéreo e fluído, regado a
guitarras que constituíram uma fusão própria de nostalgia e voz grave e afinada.
Em seguida, foi a vez de Bruna Mendez subir ao palco. Como quem
não queria muita coisa, nem parecia ser dona de vocais poderosos e letras engenhosas
que fizeram de seu disco, “O mesmo mar que nega a terra cede à sua calma”,
lançado no ano passado, um dos mais elogiados pela crítica. Ao tomar a guitarra
para si, mostrou que intensidade e objetividade são seu forte, trazendo uma
proposta unicamente musical, diferente de outras que por ali também passaram, caracterizadas
por uma combinação de canto e performance. Unânime, o Palácio assistiu sua
apresentação inebriado. Encerrou ao som de “Calor Sol e Sal” com seu recado
dado, sem meias palavras e com um público bastante satisfeito.
Todavia, um dos pontos altos da noite viria, sem dúvida, com
funk divertido e escrachado do grupo brasiliense Sapabonde. Com letras abusadas
e cantadas sem medo em tempos duros de moralismo, o público veio abaixo com insinuações
para lá de sexuais e com discursos políticos afiados. Além de sucessos,
cantados junto a uma plateia que ao fim ovacionou o grupo de amigas que foram o
bonde, ainda foi possível ouvir releituras de clássicos do funk carioca como “Boladona”,
de Tati Quebra Barraco.
Rock n Roll
O cenário mudou drasticamente de figura a partir das 22h30,
quando artistas vestindo tênis all star, meia arrastão e estampas militares
tomaram conta do lugar. A fim de honrar mais uma vez o título de Goiânia Rock
City, a banda paulista Deb and the Mentals convidou o público, com quem
interagiu de forma bastante espontânea, a respirar ares mais densos. Pareceu
confortavelmente se sentir em casa, e com fortes influências do punk e do
grunge, gêneros bastante conhecidos dos fãs do bom e velho rock, ousou ao se
consagrar como a única banda a tocar canções em outra língua, o inglês.
Mas foi pontualmente à 00h que a banda Carne Doce, já
veterana em edições passadas do Vaca Amarela e, no mais, na posição de anfitriões
da casa, subiu ao palco. Com talvez um único defeito, a apresentação foi curta
demais, contando apenas com 5 faixas de um repertório ímpar. Apoiando-se no
disco mais recente do grupo, “Princesa”, lançado em 2016, depois de abrir com a
faixa homônima, seguiram-se a divertida “Cetapensâno”, as poderosas “Artemísia”
e “Falo”, para que ao final, tirando o fôlego do público, fosse ouvido um coro
entre as 2.300 pessoas presentes no local que cantaram a controversa “Passivo”. Afinados em voz, guitarra e bateria, em uma sintonia ímpar, provaram-se uma vez mais donos de um sabor legitimamente goiano e sons próprios, Salma Jô parecia
flutuar no palco em alguns momentos, evidenciando sua condição de “fada do rock”.
Notadamente, o cenário se moldou uma “salada de frutas”,
tamanha sua pluralidade, exemplificada em aspectos que talvez possam ser em
síntese a prova de que o objetivo da festa tenha sido alcançado – cultuar a
diversidade. Já era início de madrugada quando o clima esquentou e Drag queens
de todos os estilos, munidas de saltos altos, perucas coloridas – e impecavelmente
ajeitadas, diga-se de passagem – e maquiagens extravagantes tomaram conta do
cenário. Para trazer ainda mais conforto à proposta, DJs tentaram animaram o
público enquanto modificações eram feitas no palco, sem muito sucesso graças à
espera que se arrastava.
Regida unicamente por um DJ e com uma apresentação marcada
por sérios problemas técnicos – sem microfone, o show precisou ser interrompido
duas vezes ainda na primeira música – o que se viu foi uma catarse total quando
as cortinas se abriram e Pabllo Vittar saudou Goiânia. Dona de uma proposta recheada
de hits, mesclados entre novos e antigos trabalhos como “Minaj”, “Corpo Sensual”
e até mesmo um cover à capella de “Man Down”, de Rihanna, a drag queen
maranhense exalou sensualidade e uma recíproca de carinho com os fãs. Embalada
por muita euforia e um fôlego invejável, Pabllo parecia estar mesmo “preparada
para atacar”, como canta em um dos trechos de “Sua Cara”, parceria sua com
Anitta e o duo Major Lazer. A artista dançou, bateu cabelo e fez a alegria dos
presentes que por incontáveis vezes tentaram invadir o palco. Ao fim da
apresentação, o público foi nocauteado – e com certeza, para todos ali
presentes que gritavam seu amor por Pabllo, não houve espaço para ódio, preconceito
e intolerância. Nesta noite, o amor venceu.
* Guilherme Araujo é estagiário do jornal O HOJE, sob
supervisão de Naiara Gonçalves e foi convidado a participar do evento.
Fotos: Guilherme Araujo