Profissão Papai Noel
Personagem mais tradicional do Natal é figura carimbada em shoppings e lojas de rua nesta época. Ocupação é alternativa para driblar a crise com bons salários
Guilherme Araujo*
Entre os meses de novembro e janeiro, uma boa representante da possibilidade de sair do vermelho, ou ainda, de conseguir uma contratação futura, os empregos de fim de ano são uma ótima pedida para quem foge da crise. A expectativa para este ano, segundo o Sindlojas, é de que somente no Estado de Goiás, haja um aumento de 4% no número de admissões.
Embora a maior parte das vagas seja destinada ao exercício de cargos no comércio, há profissões alternativas que, além de chamar a atenção, quebram todas as barreiras do considerado convencional. É se enquadrando neste perfil que Newton Gonçalves, de 62 anos, vai para o trabalho todos os dias. Desde os 14 anos sendo empregado por oficinas mecânicas e como motorista particular, em uma trajetória que relembra com afinco, ele conta, bem humorado, que jamais imaginou se tornar Papai Noel.
Desempregado e distante do sonho da aposentadoria, o profissional diz desempenhar a função há 7 anos. Segundo ele, sua vida mudou ao passar por um terminal de Goiânia a caminho de casa depois de um dia cansativo: “Foi um processo muito interessante. Eu tinha a barba já bastante grisalha e certo dia avistei uma fantasia. Decidi comprá-la para brincar”, relembra, com afeto, dos grandes incentivadores do gesto, os netos Geovanna, Matheus e Maitê.
Trajando botas militares, trajes vermelhos em veludo e dono de uma ingenuidade típica de alguém que só poderia ter vindo do Pólo Norte, conta que o início não foi fácil: “Enfrentei resistência da esposa no início”. No entanto, a brincadeira deu tão certo que Newton começou a trabalhar em festas pequenas de fim de ano, até se tornar profissional e ser contratado por um Shopping Center da Capital.
A presença do Papai Noel, figura carimbada em shoppings e estabelecimentos de todo o mundo no período natalino, é estratégica, pois atrai admiradores – e consequentemente, clientela. Em locais com fluxo intenso de visitas, como em alguns dos principais shoppings de Goiânia e Brasília, estima-se que um profissional chegue a ganhar salários que variam entre R$ 10 mil e R$ 30 mil – valores relativos, indo de acordo com a proximidade das características do personagem.
Newton, que prefere não entrar em detalhes, diz que a quantia que recebe é o suficiente para mantê-lo até o próximo Natal, sendo a única responsável por garantir sua renda, já que ele não é aposentado ou exerce atividades paralelas durante outros períodos.
Embora a rotina seja razoavelmente longa, contabilizando entre 6 e 8h diárias trabalhadas, Newton diz que acorda às 8h da manhã, quando sai de casa rumo ao Shopping. “Me troco aqui mesmo, em um camarim especial. De lá, venho receber as crianças e só volto para casa após as 22h, quando as atividades do shopping se encerram”, diz com orgulho.
Preparação
Mesmo na ausência de seguros como carteira assinada, férias, 13º salário e horas extras, Newton diz valer a pena, a procura é de longa data, já que a busca por alguém que se enquadre ao perfil do bom velhinho geralmente tem início em meados do ano. Barba branca, olhos claros e uma atenção ímpar para lidar com a criançada (exigente, diga-se de passagem, pois um aspecto que as Mamães Noeis e assistentes confirmam é que a maioria confere se a barba é mesmo de verdade) são alguns dos principais requisitos para conseguir a vaga.
No Goiânia Shopping, estabelecimento da Capital que recebe uma média de 1.500 visitantes diários, fluxo que segundo Newton, poderia até ser maior em determinados dias, o objetivo é aproximar a experiência dos pequenos ao máximo do real. É possível ainda, depois de falar com o Papai Noel, enviar cartas e endereçá-las ao Pólo Norte. Para o profissional, os dias de maior movimento acontecem na segunda-feira e aos fins de semana.
Em tantos anos exercendo a mesma profissão, relata que em meio à rotina apertada várias crianças o marcaram: “Certa vez um menino me questionou o que eu gostaria de ganhar”. Mesclando sua própria personalidade ao personagem, tipicamente bonachão, Newton disse que pensou no que o Papai Noel de verdade responderia: “Respondi que o melhor presente seria o apoio a crianças doentes, especialmente as com câncer, que sempre visitam o espaço”. Ele ainda destaca a paixão e o apreço que sente pelo público infantil: “Todos que visitam sempre querem abraçar, dizem que amam o Papai Noel e até que sou quentinho, pela minha roupa do Ártico”, diz rindo.
A confeiteira Elizângela Araújo, de 38 anos, frisa que o filho Arthur, 4 anos, estava ansioso para ver o bom velhinho: “Resolvi trazê-lo novamente neste ano e é sempre uma aventura. Acredito ser muito importante para o desenvolvimento da criança estar em contato com uma cultura que nos é tão presente”, explica. Para ela, esta talvez seja uma das épocas mais mágicas do ano.
Segundo Newton, ser Papai Noel significa uma alegria imensa: “É um processo muito interessante estar próximo das crianças. Acho que assumimos uma postura muito próxima à do próprio Noel quando vestimos esta roupa e isso é muito gratificante. Gosto imensamente do que faço e de sentir esse retorno”, reconhece. (Guilherme Araujo é estagiário do jornal O Hoje)