Festival lança projeto de inserção feminina na indústria musical
Objetivo é oferecer intercâmbio entre profissionais a fim de fomentar participação de mulheres no mercado, ainda considerado terreno masculino
Guilherme Araujo
Uma das compositoras femininas mais expressivas do rock atual, a vocalista da banda Carne Doce, Salma Jô, canta na letra de “Falo”. “Já tá cansado da minha voz por quê? o tempo todo um timbre feminino / é pra maioria algo enjoativo”.
Diante da presença feminina não somente empunhando o microfone, mas também em outras esferas ligadas à indústria musical, o Festival Bananada dá início nesta terça-feira (8) à realização do projeto Equi_par, um workshop de dois dias promovido pelo Coletivo Centopéia que tem como objetivo qualificar mulheres e ampliar a participação feminina em áreas de produção e execução de festivais.
“Nós percebemos que nas áreas de produção executiva, logística, artística e operação (que envolve bar e caixa) do Bananada, éramos maioria feminina, algo em torno de 60%. Quando chegava na área técnica, responsável pela produção de palco, a taxa de mulheres caía muito”, explica a produtora cultural Giovanna Villefort, uma das responsáveis pela seleção.
Após avaliar esse panorama, em parceria com a plataforma Women’s Music Event (WME), o festival goiano resolveu subsidiar a criação. De acordo com Giovana, logo de cara o número de interessadas foi alto. “Havia muitas curiosas, mas com o número baixo de vagas, procuramos quem queria uma brecha pra entrar no mercado”.
No total, a equipe do festival recebeu 60 formulários de inscrição, dos quais vinte foram selecionados. “O objetivo é formar um time de profissionais goianas nessa área. E é imprescindível que haja a presença de bons professores de fora a fim de promover esse intercâmbio”.
A iniciativa é pioneira e nasceu de discussões latentes sobre a temática em bancas e conferências de música ao redor do país. O percurso consiste em um workshop com duração de 2 dias, envolvendo palestras ministradas por seis profissionais renomadas do mercado, como a assistente e engenheira de som no Red Bull Music Studios, Alejandra Luciani, a VJ, Ani Haze, e a diretora técnica e stage manager, Bia Lino, entre atividades ligadas às áreas de roadie, monitoria, VJ e produção.
Integrando o time de mestras, a produtora cultural Fabiana J Lian é responsável pelo primeiro treinamento da semana, realizado já nesta terça-feira (8). Lian, que já esteve envolvida na produção de grandes turnês musicais pela América Latina e é responsável pela direção da On Stage Lab, primeira escola voltada para o mercado da música e shows no Brasil, ressalta a importância da experiência. “Essa é uma coisa que eu gostaria e que tenho tentado fazer em outros festivais, mas nunca deu certo. É preciso diversificar esses papéis”.
Ela avalia o número de mulheres na indústria musical e diz que embora as mulheres ocupem cargos de poder como gerente de turnê, coordenação, as taxas ainda representam um contingente pequeno. “No meu último trabalho, na turnê do Luís Fonsi, a equipe era composta por 3 mulheres, incluindo a mim, e 25 homens. Ainda somos muito pequenas nesse universo de viagem, de monta e desmonta”, explica.
Segundo Fabiana, um dos aspectos que mais podem ter contribuído para este cenário majoritariamente masculino seria uma demora da procura e do interesse femininos. “Existe uma lacuna e um certo tabu muito grande nessas áreas por parte do mercado. Isso é muito grave, mas acredito que inspirando e estimulando essas meninas a realidade pode e deve ser outra. É possível”, explica.
Com uma palestra voltada para as engrenagens do sistema da música ao vivo, a produtora conquistou logo de cara as presentes. A assistente de produção Cecília Macedo, uma das 20 participantes do Equi_par, diz que se sentiu muito feliz quando recebeu o resultado da seleção. “É muita informação, estamos vendo até mesmo questões de física elétrica, um conhecimento que não estava habituada”, brinca.
Ela conta que a iniciativa apareceu no momento certo. “Sempre busquei por um curso assim e o que se percebe é que não há grande investimento em propostas desse tipo. É um mercado que pode sim nos promover uma troca de experiências e de conhecimentos. Tudo isso nos faz crescer, como mulheres e como profissionais”.
Ao final do percurso de palestras e workshops, cada uma das ministrantes selecionará uma das inscritas para trabalhar como estagiárias ao longo do fim de semana – considerados os dias mais intensos da festa.
O festival
O Bananada completa em 2018 seus vinte anos de existência e segue até o domingo (13) por casas espalhadas em toda a cidade. Até lá se apresentam nomes como Gilberto Gil, Carne Doce, Pabllo Vittar, As Bahias e a Cozinha Mineira e Nação Zumbi.