Cemitério de carros ocupa região região central de Aparecida
Carros apreendidos apodrecem em estacionamento aberto em plena região central de Aparecida de Goiânia
Igor Caldas
Dezenas de veículos apreendidos se espalham pelas vias nas redondezas do edifício que funciona como delegacia de Polícia Civil, no Centro de Aparecida de Goiânia. Na frente do prédio há um mar de motos apreendidas e muitos veículos estão estacionados na calçada do outro lado da rua, em frente às casas com sinais de abandono. A poucos metros do local, um espaço que poderia ser usado como estacionamento do ginásio de esportes do bairro se tornou um cemitério de carros, também apreendidos pela polícia.
Muitos deles estão identificados com a sigla 3 DP, que pode significar 3º Distrito Policial. A identificação foi pintada com tinta branca no vidro dos para brisas dos veículos. A maior parte deles, já foi alvo de desmonte clandestino para revenda de peças. Objetos como documentos pessoais, embalagens de alimentos e bebidas podem ser encontrados no que ainda resta do interior dos carros abandonados.
Morador de uma das casas vizinhas ao pátio improvisado de carros apreendidos, Diego Bertoldo afirma que a presença dos veículos é um incômodo. De acordo com ele, a situação acontece há pelo menos três anos. “Esses carros depenados parados aqui na frente de casa são feios né? Mas, não é só a questão de estética. Pode ser um risco de saúde também. Na época de chuvas pode virar um foco de mosquito transmissor de dengue”, lamenta. Diego teme pela saúde da sua família se os veículos se transformarem em foco do mosquito.
Ele acredita que a polícia usa o estacionamento por falta de um espaço correto para destinar os veículos apreendidos. “Há cerca de duas semanas o problema estava pior. Os carros estavam estacionados na rua, ao lado da calçada. Além do problema estético e o risco de foco de dengue na época da chuva, ainda atrapalhava o trânsito daqui. Até carreta apreendida eu já vi parada nesse pátio”.
Problema é geral
Procurada pela reportagem, a delegada Titular da 2º Delegacia Regional de Aparecida de Goiânia, Cybelle Silva Tristão, afirma que prefere não se pronunciar sobre o caso porque problemas de destinação de carros apreendidos e falta de pátio não é exclusivo de Aparecida de Goiânia. Além disso, afirmou que o trabalho de denúncia feito pela reportagem é um “trabalho fácil que não revela a complexidade do problema de falta de pátio”.
“É muito fácil vir aqui em Aparecida tirar foto e jogar na imprensa. Mas o problema é muito mais complexo e envolve todos os municípios. Não é um problema exclusivo de Aparecida de Goiânia. Envolve o judiciário e outras instâncias”.
Veículos apreendidos
Por meio de nota, a Polícia Civil informou que os veículos apreendidos e depositados no pátio das delegacias e centrais de flagrantes são vinculados a procedimentos policiais e judiciais. Sempre que legalmente possível tais veículos são devolvidos às vítimas. Os veículos permanecem nas dependências das delegacias enquanto perduram as investigações e assim que os inquéritos são concluídos, são colocados à disposição do Poder Judiciário.
Entretanto, os fóruns criminais não possuem número necessário de depósitos para a guarda de veículos, razão pela qual eles acabam permanecendo nas Delegacias até que o Judiciário lhes dê a destinação definitiva, o que acontece individualmente para cada veículo, cada processo.
A Polícia Civil tem representado ao Poder Judiciário pela alienação ou destruição dos carros e motos apreendidos que não têm destinação de uso, mas também essas decisões são prolatadas individualmente, para cada caso concreto.
A Prefeitura de Aparecida informou por meio de nota que a Secretaria de Planejamento e Regulação Urbana já notificou o 1ª Distrito Policial de Aparecida para que sejam retirados todos os veículos da calçada e lugares impróprios. O secretário de Planejamento e Regulação Urbana afirma que irá procurar a Procuradoria Geral do Município para analisar o que pode ser feito dentro da lei para que a medida seja cumprida. A delegacia diz à prefeitura que necessita de uma área própria para colocar os veículos apreendidos.
Moradores vizinhos dizem que os carros são depenados na madrugada
Além do grande número de carros abandonados e parcialmente destruídos, um caminhão do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) com sinais de abandono estava estacionado no local. Em seu interior havia botijões de gás vazios. Diego, que observa de perto a rotatividade de veículos no estacionamento do ginásio, explica que o número de carros abandonados varia ao longo do tempo e as peças são retiradas para revenda rapidamente.
“Às vezes eles colocam alguns carros. Às vezes retiram. Mas todos os veículos começam a ter as peças retiradas muito rápido. Já vi e ouvi o pessoal tirando peças de carros aqui durante a madrugada”. Ele aponta que um dos carros mais novos do pátio improvisado, uma minivan Chevrolet modelo Spin, havia chegado há duas semanas e estava praticamente nova. Não resta muita coisa do veículo.
“A rapidez com a qual as peças dos carros vão sumindo é impressionante. Aquela minivan chegou aqui há umas duas semanas. Já arrancaram as quatro rodas e o interior dela está todo depenado. As primeiras peças que somem são as rodas, aparelho de som e fios do motor. Alguns ainda possuem os faróis. Apesar de ser uma peça mais valiosa, deve ser difícil de retirar”, avalia.
O carro está sem as quatro rodas, com os vidros quebrados. Do interior da minivan foi retirado tudo que poderia ter algum valor no mercado alternativo de peças veiculares. Aparelho de som, fios do motor e das instalações elétricas do carro, alto-falantes e peças internas que saem com facilidade. As únicas coisas de valor que restaram no carro foram os faróis e o pneu do estepe, que fica pendurado na parte externa do porta-malas. Ele só não saiu porque outro carro, estacionado em sua traseira, impede que ele seja retirado.
No interior dos carros pode ser observado acúmulo de lixo. Prato cheio para ratos e baratas que causam risco de transmissão de doenças para os moradores da região. Diego afirma que animais como cachorros e gatos também usam o interior dos veículos como abrigo. “Eu já presenciei uma cachorrinha fêmea parir muitos filhotes dentro de um carro aqui em frente de casa. A gente até cuidou dos bichinhos, dando ração até que eles crescessem e fossem embora”.
Veículos podem ser leiloados ou reciclados
Carros apreendidos e abandonados representam desperdício. Uma forma de desocupar pátios com apreensões e ainda gerar renda para os cofres públicos é a alienação dos veículos presos feitos pelo poder público, conhecido como leilão. É também a oportunidade de uma pessoa comprar um carro ou moto com o preço abaixo do mercado. O Departamento Estadual de Trânsito de Goiás (Detran) leiloou cerca de 2,5 mil carros e motos no último mês em Goiânia.
Os automóveis apreendidos pela PRF ficam disponíveis para retirada por até três meses no pátio apropriado do órgão público, desde que seja regularizada sua situação ou a do condutor proprietário. Decorrido desse período, mas não tendo havido a adequação das pendências, o carro segue para leilão, já que o bem particular não poderia ficar em posse do poder público nesse caso. A venda do bem faz com que ele seja transformado em moeda corrente para saldar as irregularidades e sanções pecuniárias do órgão.
Segundo um levantamento feito pelo Sindicato das Empresas de Sucata de Ferro e Aço (Sindinesfa), apenas 1,5% das carcaças e peças enferrujadas abandonadas em pátios e ferros-velhos de todo país são reaproveitadas. É o menor índice entre países desenvolvidos. Na Argentina, Japão e Estados Unidos a reciclagem de automóveis chega a variar de 80% a 95%. Dinamarca, Suécia e Noruega esse índice é de 100%.