Programa para garantir emprego e renda deve trazer efeitos inversos
MP edita no dia 1º de abril irá aprofundar a crise e ameaça lançar a economia numa depressão histórica, como têm advertido analistas e economistas – Foto: Reprodução.
Oficialmente,
o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e Renda, criado por meio da
Medida Provisória 936, ironicamente editada no dia 1º de abril, deveria
preservar empregos e proteger a renda, conforme sugere o nome pomposo escolhido
pelo governo. Na prática, os efeitos tendem a ser inversos, aprofundando a
crise e ameaçando lançar a economia numa depressão histórica, como têm
advertido analistas e economistas, a exemplo da economista Mônica de Bolle, pesquisadora-sênior
do Peterson Institute for InternationalEconomics e diretora do Programa de
Estudos Latino Americanos da Johns Hopkins University, em Washington, nos
Estados Unidos.
Em
resumo, a MP permite que as empresas suspendam o contrato de trabalho de seus
empregados por três meses e, alternativamente, reduzam a carga de trabalho e os
rendimentos em 25%, 50% e 70%. Como “compensação”, a empresa cobriria o
equivalente a 30% da remuneração recebida pelo funcionário até então (e poderá
utilizar as linhas de crédito criadas pelo governo para financiar essa despesa).
O governo participaria com 70% sobre o valor do seguro-desemprego (que
atualmente varia entre R$ 1.039 a R$ 1813,30 a depender da faixa salarial).
Para
piorar, as empresas poderão negociar diretamente com os trabalhadores que
recebem até três salários mínimos (R$ 3.135) e com aqueles que ganham acima de
R$ 12,202 mil e tenham formação superior. O Supremo Tribunal Federal (STF)
tratou de melhorar esse trecho, obrigando as empresas ao menos a consultar os
sindicatos (que vem sofrendo um processo de desmonte nos últimos anos), embora
muitos dos trabalhadores atingidos pela medida (que já vigora desde o primeiro
dia deste mês) não sejam representados por entidades sindicais.
Na contramão
Parece
inacreditável que a equipe econômica tenha sequer cogitado editar uma medida
que permita às empresas reduzir salários em meio ao desmantelamento da economia
causado pela crise sanitária mais grave em séculos. A equipe do superministro
Paulo Guedes, na verdade, segue na contramão dos caminhos escolhidos pelos
demais países. Se a questão é reduzir as pressões (já inacreditavelmente
elevadas) sobre as empresas, o governo deveria bancar um percentual da folha,
como decidiram fazer Alemanha, França, Canadá, cobrindo 75% a 80% dos salários.
A medida adotada por aqui trará perdas generalizadas para os trabalhadores,
enxugando a renda das famílias e, portanto, reduzindo o consumo
proporcionalmente, num momento em que o isolamento social já tem deprimido os
negócios.
Balanço
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Parece
claro que, ao achatar a renda dos trabalhadores e de suas famílias e assim
derrubar o consumo, a equipe econômica estará colocando em risco os empregos
que desejava manter. Ainda que a MP obrigue as empresas a manter seus
empregados, os resultados cumulativos da medida tendem a tornar muito mais
difícil uma retomada dos negócios mais à frente, quando a pandemia tiver sido
controlada ou quando finalmente a pesquisa científica tiver desenvolvido uma
vacina contra o Covid-19.
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Nas
contas da economista Mônica de Bolle, com base nos dados da Relação Anual de
Informações Sociais (Rais) de 2018 – a mais recente disponível –, os
trabalhadores com renda até três salários mínimos respondem por praticamente
69% do total de empregos formais, algo como 32,2 milhões de empregados.
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Na
média, a metodologia escolhida pelo governo para definir a compensação aos
trabalhadores que terão seu contrato suspenso temporariamente ou reduzida a
carga horária trará perdas de até 30% para esses trabalhadores, no caso de uma
redução de 70% na jornada. Uma pancada sobre a massa de rendimentos dos
empregados formais, com consequências previsíveis sobre a demanda e sobre os
empregos no restante da economia.
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Numa
conta estimada, como os valores do seguro-desemprego são em geral mais baixos
do que a remuneração recebida, as perdas não seriam relevantes apenas para as
faixas salariais equiparadas ou inferiores ao mínimo. Mas seguem crescentes daí
em diante.
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Para
aqueles que recebem em torno de um salário mínimo e meio, perto de R$ 1.570, a
equiparação prometida, sempre na hipótese de redução de 70%, cobriria em torno
de 86% do salário original, deixando uma perda, portanto, de 14%.
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As
perdas saltam para 29,5% para aqueles que recebem três salários mínimos (R$
3.135). Os recursos do seguro-desemprego cobririam apenas 40,5% da remuneração
original, com as empresas respondendo por 30% (R$ 940,50). Somadas as parcelas,
a compensação alcançaria R$ 2.210.
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Os
dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), comparando o
período entre 18 de março a 3 de abril com 1º a 17 de março, antes da entrada
em vigor das medidas restritivas, mostram queda de 10% no consumo de energia no
mercado livre, concentrado nos setores de comércio e indústria, e de 7% no
ambiente de contratação regulada, que reflete sobretudo o consumo das
residências.
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Na
indústria de veículos, a queda chegou a 45%, com baixa de 21% para todo o setor
de manufaturados e tombo de 34% na indústria têxtil. Os serviços reduziram seu
consumo em 32%.