Com inflação em queda, juros do crédito rural ficam (muito) mais caros
Quando descontada a inflação, os chamados juros reais terão um aumento e um aumento significativo no próximo ciclo agrícola – Foto: Divulgação
Lauro Veiga
A taxa básica de juros atingiu, nesta semana, níveis históricos de baixa, com a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de cortar a taxa para 2,25% ao ano. Em um ano, os juros básicos sofreram redução correspondente a 4,25 pontos de porcentagem, considerando que estavam em 6,50% ao ano em meados de junho do ano passado. Anunciado na quarta-feira, o Plano Safra 2020/21 embutiu uma redução enganosa nos juros que serão cobrados de produtores e cooperativas que tomarem recursos do crédito rural na safra que começa agora em julho.
Na prática, quando descontada a inflação, os chamados juros reais terão um aumento e um aumento significativo no próximo ciclo agrícola, tornando o crédito proporcionalmente muito mais caro do que na safra 2019/20. Isso significa que, na média, os produtores terão que destinar proporcionalmente parcelas maiores de suas rendas para pagar pelo crédito na próxima safra, em valores reais.
Os avanços prometidos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) vieram mais tímidos e parecem ter esbarrado na visão dogmática do Ministério da Economia, que mais uma vez demonstra sua incapacidade de olhar para além da relação imediata entre políticas públicas e o caixa do governo. O plano, por isso mesmo, tende a reforçar a tendência histórica de perda de importância relativa do crédito rural no financiamento das safras, o que tem aberto espaço para a participação crescente de tradings e multinacionais do setor, deixando o setor refém de decisões que são tomadas fora do País.
Há implicações graves a partir desse cenário. Uma delas: o avanço daqueles segmentos no financiamento do setor pode acabar desestimulando a pesquisa e o desenvolvimento local de novas tecnologias, produzidas aqui dentro e mais adequadas às necessidades e às condições da agropecuária brasileira, já que os pacotes de financiamento estão amarrados à contratação de tecnologias geradas lá fora, desde sementes até máquinas, equipamentos e aparelhos relacionados ao que tem sido classificado como “Agricultura 4.0”, com elevado nível de automação e digitalização. Na prática, o País está praticamente fora dessa corrida rumo à “nova agricultura”, que além de tudo deverá agravar as desigualdades no campo, ao trazer o risco de alijar levas de pequenos e médios produtores familiares. Por isso mesmo, o crédito rural oficial deveria pensar prioritariamente em atender às necessidades desses setores.
Nas nuvens
Mas foi exatamente no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) que o arrocho monetário se deu de forma mais drástica, com os juros reais saltando oito vezes ou mais. Observem, raras leitoras e raros leitores, que a pílula veio dourada de forma muito conveniente pelo Mapa. Oficialmente, o material distribuído pelo ministério destacauma redução nos juros do Pronaf, que variavam entre 3,0% a 4,6% ao ano na safra 2019/20, para 2,75% a 4,0% (ou seja, os cortes flutuaram entre 0,25 e 0,6 pontos de porcentagem, lembrando que os juros básicos foram reduzidos em 4,25 pontos). Acontece que a inflação despencou desde lá e isso fará toda a diferença, como se poderá verificar na sequência.
Balanço
– No ano passado, a inflação oficial, medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atingiu 4,31% (considerando os 12 meses do ano, evidentemente). Descontada a taxa de inflação, os juros reais nos empréstimos para custeio do Pronaf variaram entre -0,01% (quer dizer, levemente negativos) e apenas 0,28% (ao ano, vale ressaltar).
– Como a inflação esperada para este ano tem girado em torno de 1,60%, a se dar algum crédito ao relatório Focus do Banco Central (BC), os juros reais subiram enormemente, a despeito do corte aplicado pelo Mapa sobre as taxas nominais. Numa estimativa inicial e preliminar, os juros reais para os produtores familiares tendem a se elevar para 1,13% a 2,36% a depender da faixa do crédito contratado. Ou seja, para que houvesse uma queda em termos reais, os cortes deveriam ter sido muito mais amplos, como forma de pelo menos preservar os custos reais registrados na safra anterior.
– O aumento, por mais paradoxal que pareça, chega a ser maior para as faixas de juros mais baixas. Tome-se o exemplo do programa que tem sido considerado como uma das “joias da coroa” pelo governo. O Programa de Agricultura de Baixo Carbono (ABC) contempla basicamente duas faixas de juros, que variavam de 5,25% a 7,0% na safra 2019/20. As taxas reais oscilavam entre 0,90% e 2,58%.
– O novo Plano Safra fixou os juros para o ABC entre 4,5% e 6,0%, o que sugere reduções de 0,75 e 1,0 ponto de porcentagem frente a safra que termina agora em junho. A redução da inflação projetada para os 12 meses deste ano fez as taxas reais subirem, no entanto, para 2,85% e 4,33%. Na primeira faixa, a mais baixa, os juros reais ficaram pouco mais de três vezes maiores, com alta de quase 68% na segunda faixa.
– Foi o mesmo aumento observado para os juros reais que serão cobrados do crédito para financiar inovações e o investimento de médios produtores, que subirão de 2,58% para 4,33% (ainda que a taxa nominal tenha baixado de 7,0% para 6,0%).
– O custo real do crédito para custeio dos médios produtores tende a dobrar, saindo de 1,62% para 3,35% ao ano. Novamente, os juros nominais nesta rubrica chegaram a ser reduzidos de 6,0% para 5,0%.