O vício nos juros altos e a falta de uma política de combateà inflação
Essa política tenha ajudado a corroer o equilíbrio nas contas do setor público e gerado um custo social elevadíssimo, além de promover brutal concentração das riquezas | Foto: Reprodução
Lauro Veiga
Ao
longo de décadas, sucessivos ministros e respectivas equipes econômicas
afundaram-se no vício dos juros altos como ferramenta para desestimular
aumentos de preços e manter a inflação sob controle, tomada a priori como opção
única para sustentar a estabilidade inflacionária – ainda que essa política
tenha ajudado a corroer o equilíbrio nas contas do setor público e gerado um
custo social elevadíssimo, além de promover brutal concentração das riquezas
nas mãos daqueles que já eram os donos do dinheiro no País.
Em
sequência, ministros e seus assessores abandonaram instrumentos que poderiam,
hoje, contribuir para dosar o ritmo dos aumentos, especialmente no setor de
alimentos. A pandemia complicou ainda mais a cena econômica, causando a
mortandade de pais, mães, filhos, avôs e avós, mas também liquidando empresas e
gerando descontinuidade na produção de matérias-primas e insumos industriais,
além de exacerbar o desemprego (que já vinha avançando antes mesmo da crise
sanitária se instalar por aqui).
Pressionados
pelo dólar mais caro e pela interrupção do fornecimento (em alguns casos, em
caráter definitivo), os custos industriais avançaram e têm pressionado os
preços cobrados ao consumidor, mesmo num cenário de elevada ociosidade, redução
da renda das famílias e desemprego histórico. Nos anos mais recentes, o governo
desmontou a estrutura de conselhos e câmaras de discussão, que reuniam
representantes do governo e das empresas, e que poderiam operar neste momento
para articular uma reação à alta dos custos, buscando alternativas dentro do
próprio setor privado para acelerar a reconstrução de cadeias destroçadas pela
crise, com apoio da rede de bancos públicos; negociando limites à exportação de
bens e mercadorias, em outro exemplo; e a liberação pontual de importações nas
áreas mais afetadas pela alta de custos, onde isso fosse possível (já que, não
custa lembrar, as cadeias de suprimento foram afetadas em todo o mundo pela
pandemia).
Hipocrisia
No
setor agrícola, não só foram abandonadas as políticas de formação de estoques
reguladores, com o desmonte desses estoques, mas abriu-se mão de exercer
qualquer tipo de controle sobre as exportações, aocontrário do que países do
leste asiático fizeram ao adotar políticas para preservar o abastecimento
doméstico e segurar os preços cobrados dos consumidores. Um liberalismo de
vitrine que imobilizou a equipe econômica, por escolha própria, num círculo de
giz ideológico. Há quem perceba certa dose de hipocrisia quando o ministro dos
mercados e o presidente do Banco Central (BC) sacam do bolso de seus roupões
felpudos a ameaça da hiperinflação para chantagear o Congresso a aprovar uma
política de arrocho fiscal em plena crise econômica. Logo eles que abriram mão
de qualquer política de combate à inflação, dando aos mercados liberdade total
para especular e aumentar preços.
Balanço
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Entre
janeiro e a primeira quinzena de novembro, a alta dos preços do arroz, das
carnes e do óleo de soja respondeu por quase 36,1% da inflação acumulada no
período, na medição do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Naquele período, o arroz subiu 64,30%, mas foi “batido” pelo salto de 89,6% nos
preços do óleo de soja, enquanto as carnes, em conjunto, aumentaram em média
16,47%, sob liderança da carne de carne de porco, 31,12% mais cara.
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Isoladamente,
os preços da carne suína responderam por pouco mais de um quarto da “inflação
das carnes” e por quase 3,7% do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA) acumulado naqueles 10 meses e meio.
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A
safra de soja brasileira foi recorde no ciclo 2019/20, somando 124,84 milhões
de toneladas, praticamente 5,13 milhões de toneladas a mais do que no ano
agrícola anterior (119,72 milhões de toneladas). Mas as exportações do grão
saltaram 23,7% no acumulado dos primeiros 10 meses deste ano em relação a igual
período de 2019, de 65,847 milhões para 81,432 milhões de toneladas – ou seja,
um acréscimo de quase 15,6 milhões de toneladas.
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A
produção de arroz, que já superou 13,6 milhões de toneladas em 2011, havia recuado
para 10,484 milhões de toneladas na safra 2018/19, mas avançou até 11,183
milhões de toneladas no ciclo seguinte. O problema foi que as exportações
disparam, diante do recuo das vendas nos maiores países produtores. O Brasil
ocupou o espaço e elevou as exportações em quase 67,0%, de 790,2 mil para 1,319
milhão de toneladas.
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As
exportações de carne suína, impulsionadas pela China, aumentaram 39,0%, com
altas ainda de 31,5% para as vendas externas de algodão e de 72,8% no caso do
açúcar.
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O
dólar mais caro contribuiu, de fato, mas o boom de exportações de alimentos fez
reduzir a oferta doméstica, estimulando produtores a acelerar o embarque da
safra e ainda a reter parte da produção colhida diante da alta nos preços aqui
dentro, numa manobra especulativa que poderia ter sido desestimulada caso
existissem estoques para regular ao mercado.
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Entre
janeiro e as duas primeiras semanas de novembro deste ano, na média aferida
pelo IPCA, os preços dos alimentos subiram 12,12% e responderam por 79,54% do
índice geral, que alcançou 3,13% diante de 2,83% em igual intervalo do ano
passado. Neste caso, os alimentos ficaram 2,42% mais caros e foram responsáveis
por 20,9% do IPCA total acumulado até 15 de novembro de 2019.
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Descontados
os itens que formam o grupo alimentos e bebidas, os demais produtos haviam
registrado elevação de 2,24%. Na comparação com o mesmo período deste ano, a
“inflação” dos demais preços, excluído o setor de alimentação e bebidas, caiu
para 0,64% (ou seja, uma redução de 1,60 pontos de porcentagem). O dado
demonstra que não há uma escalada inflacionária em cena, mas pressões geradas
por erros na condução da política econômica.