Commodities respondem por dois terços das exportações brasileiras
Dependência crescente das vendas externas em relação a grãos, carnes, minério de ferro e petróleo bruto, majoritariamente importados pela China ao longo do ano que passou, representa um dos lados do processo de desindustrialização | Foto: Reprodução
Lauro Veiga
A
“especialização perversa” da economia brasileira prossegue a largos passos,
processo refletido na importância crescente das commodities nas exportações e,
portanto, na formação do saldo comercial do País. A dependência crescente das vendas
externas em relação a grãos, carnes, minério de ferro e petróleo bruto,
majoritariamente importados pela China ao longo do ano que passou, representa
um dos lados do processo de desindustrialização enfrentado pelo País nas
últimas três décadas, marcadas por políticas macroeconômicas abertamente hostis
à indústria, com juros sempre nas alturas e o real valorizado frente às demais
moedas, tornando o produto brasileiro mais caro, lá fora, e barateando as
importações aqui dentro.
Essa
combinação propiciou a substituição da produção local por importações, além de obrigar
a indústria a adotar medidas defensivas, colocando em prática cortes
indiscriminados de custos, no que o professor David Kupfer, especialista em
processos de desenvolvimento falecido em fevereiro do ano passado, chamava de
“armadilha do custo baixo”. Esse tipo de ajuste, de baixa qualidade na visão de
Kupfer, já havia alcançado seu limite máximo ao sacrificar investimentos que
poderiam levar a inovações e a ganhos reais de competitividade mais à frente e
atingindo inclusive a qualidade dos produtos fabricados aqui.
No
ano passado, as commodities passaram a responder por 66,0% das exportações
totais do País, segundo o Indicador de Comércio Exterior (Icomex) da Fundação
Getúlio Vargas (FGV), percentual mais elevado na série histórica iniciada em
1998, quando aqueles produtos haviam representado em torno de 40% do total. A
variação observada ao longo dos 12 meses do ano passado, frente a igual período
de 2019, foi modesta, de apenas, 0,5% conforme o boletim mais recente,
divulgado na semana passada pela FGV. Em números aproximados, numa estimativa
da coluna, isso significa que as vendas externas de commodities teriam evoluído
de US$ 137,8 bilhões para US$ 138,5 bilhões.
Concentração
Somente
as quatro principais commodities – soja em grão, minério de ferro, óleos brutos
de petróleo e carne bovina resfriada e congelada – foram responsáveis por quase
39,0% de toda a exportação realizada no ano passado, o que se compara com uma
fatia de 35,3% registrada em 2019. Os embarques daqueles produtos renderam uma
receita cambial de US$ 81,221 bilhões em 2020, diante de US$ 79,504 bilhões no
ano anterior, numa elevação de 2,2% (lembrando que as exportações totais
sofreram baixa de 17,8% no ano passado). O desempenho do grupo analisado aqui
foi afetado negativamente pelo tombo de 19,5% nas exportações de petróleo em
bruto, afetadas pelos efeitos da pandemia sobre os mercados ao redor do mundo.
As vendas externas de soja, carne bovina e minério de ferro subiram, pela
ordem, 9,5%, 9,9% e 13,5%.Dessa forma, os quatro itens tiveram uma participação
de quase 64,0% nas exportações totais de commodities.
Balanço
·
O
desempenho das vendas externas de commodities no ano passado resultou da alta
de 7,4% nos volumes embarcados, combinada com redução média de 5,8% nos preços
internacionais, conforme dados do Icomex.
·
Considerando
as principais commodities e os valores em dólares das exportações, a China foi
o principal mercado de destino, como já tem sido nos últimos anos. Em 2020, os
chineses foram responsáveis por 73,2% das receitas alcançadas pelo Brasil com a
exportação de soja, participação que atingiu 71,8% no caso do minério de ferro,
variando entre 58% e 54% para petróleo em bruto e carne bovina.
·
No
geral, o mercado chinês assumiu uma fatia de 32,3% sobre as exportações
brasileiras totais, a mais elevada de toda a série histórica, correspondendo a
US$ 67,686 bilhões. Comparadas a 2019, as vendas de produtos brasileiros aos
chineses aumentaram 6,8%, saindo de US$ 63,358 bilhões (28,1% do total). Desde
2010, quando a China ainda respondia por 15,2% das vendas brasileiras, as
exportações para aquele país mais do que dobraram, saltando 120%.
·
Para
comparação, as exportações brasileiras para os Estados Unidos, que desabaram
27,8% no ano passado, acumulam uma variação de 11,1% entre 2010 e 2020, saindo
de US$ 19,301 bilhões (9,56% do total) para US$ 21,459 bilhões (10,23%). A
participação norte-americana no ano passado foi a mais baixa desde 2013.
·
O
total exportado pelo Brasil sofreu retrocesso de 17,8% entre 2019 e 2020,
encolhendo de US$ 225,383 bilhões para US$ 209,817 bilhões, diante do
enfraquecimento do comércio global como um todo durante a crise causada pela
Covid-19. As importações, diante da retração na demanda doméstica, baixaram
10,4%, de US$ 177,348 bilhões para US$ 158,930 bilhões, o que ajudou a elevar o
superávit comercial (exportações menos importações) em 5,9%.
·
O
saldo avançou de US$ 48,035 bilhões para US$ 50,887 bilhões e o papel desempenhado
pela China, mais uma vez, foi fundamental. A despeito dos ataques operados pela
diplomacia brasileira, o superávit comercial entre os dois países aumentou
quase 20,0%, saltando de US$ 28,087 bilhões para US$ 33,644 bilhões. Ou seja, o
mercado chinês sozinho assegurou 66,1% de todo o superávit comercial do Brasil
com o resto do mundo, participação que já havia alcançado 58,5% em 2019.
·
Em
outra comparação, o déficit brasileiro em relação aos Estados Unidos aumentou
simplesmente sete vezes, disparando de apenas US$ 374,0 milhões em 2019 para
US$ 2,663 bilhões.