Sob ameaça, País e a economia caminham sobre o fio da navalha
Lauro Veiga
O
momento político atual mistura componentes já explosivos, produzidos pelo
despreparo do chefe da Nação e sua infeliz capacidade de produzir conflitos e
mortes em proporções equivalentes, agravados pela estratégia de altíssimo risco
adotada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, ao simplesmente
sugerir a adoção do Estado de Defesa como uma possibilidade à disposição de um
tresloucado. Esses componentes vêm sendo reforçados pela ameaça de um desastre
social iminente, com a retirada integral do auxílio emergencial às famílias
mais necessitadas, a escalada da pandemia e a perspectiva nada improvável de
uma retração da atividade econômica dentro da crise.
Causa
espanto, portanto, que a equipe do ministro dos mercados trabalhe, a esta
altura, para criar um “bloqueio preventivo” aos gastos públicos nos primeiros
meses deste ano. O mero debate desse tipo de medida em meio ao agravamento da
crise sanitária causada pela Covid-19 retrata o grau de insanidade que
predomina nos gabinetes bem refrigerados de Brasília. A descoordenação e a
desorganização na condução do processo de vacinação, causadas pelo negacionismo
assumido e, em consequência, pela dificuldade de planejar ações na área da
saúde e pela incapacidade de antever a seriedade do momento, respondem pelo
avanço das mortes, pela falta de oxigênio nos hospitais no Norte do País, com
mais mortes desnecessárias, e pela dificuldade de acesso a insumos básicos para
a produção de vacinas no País.
Desgaste
em marcha
Pesquisas
recentes mostram o desgaste causado pelo agravamento da pandemia, mas
principalmente pela incompetência no enfrentamento do vírus – ou pela decisão
de não o fazer, num genocídio programado, a pretexto de salvar a economia
(atitude que ignora o simples fato de que a vacina sempre foi a única
“salvação” para a economia). Na mais recente edição da pesquisa da Datafolha
sobre os humores do País em relação ao desgoverno de plantão, entre ruim,
péssimo e regular (afinal, quem considera algo regular não está propriamente
satisfeito com o que lhe tem sido oferecido), dois terços dos entrevistados
rejeitam o presidente, diante de 61% em dezembro passado. Meros (e
surpreendentes) 31% acham o governo bom e ótimo. Entre os eleitores ouvidos
pelo instituto, em torno de 79% não confiam (41%) ou confiam apenas às vezes
(38%) nos impropérios que o presidente dispara diariamente.
Balanço
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“A
incompetência do governo federal, aliada à manutenção da postura negacionista
de Bolsonaro, terminam fazendo do início da vacinação um momento de mais
incerteza. Agora, a questão da vacina não é apenas técnica, senão que política.
Tanto em relação à China e à Índia, quanto internamente”, comenta José Francisco
de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator.
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As
incertezas geradas desde o Palácio do Planalto acabam corroendo as expectativas
já baixas de melhoras na atividade econômica neste começo de ano. Segundo
Gonçalves, “além do retorno do distanciamento social (nos principais Estados),
com maior rigor, e da precária situação do sistema de saúde, o horizonte para a
recuperação da economia fica mais turvo ainda”.
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Ainda
conforme o economista, “a recuperação foi até outubro de 2020, iniciando-se,
importante desaceleração em novembro, certamente decorrente, em parte, da
iminência do fim do programa emergencial de transferência de renda”.
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O
endurecimento nas medidas de afastamento social, necessárias para tentar conter
a pandemia e evitar o colapso da saúde, terá impacto sobre a atividade não
apenas nos centros onde tem sido adotado, a exemplo dos Estados do Norte e nas
principais economias do País (São Paulo e Minas Gerais). As regiões que
fornecem produtos ou dependem de insumos e bens produzidos onde a crise já
levou a novas medidas de distanciamento serão igualmente afetadas.
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Neste
cenário, a inação, por incompetência ou desídia, do governo e de sua equipe
econômica será a causa principal de um agravamento das crises social e
econômica. Simplesmente porque os impactos da pandemia poderiam ser amenizados
substancialmente, como o foram entre abril e setembro do ano passado, pela
adoção de políticas públicas de apoio aos mais vulneráveis, e destinadas ainda
a dar sustentação aos empregos e à renda como forma de manter a economia em
funcionamento mínimo.
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“A
combinação de menos atividade com mais incerteza nos mercados deve realimentar
a crise política do governo e colocar o País na rota de um confronto delicado.
Não falar em impeachment, recessão, inflação, desemprego, nas próximas semanas
será difícil”, afirma Gonçalves.
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A
esta altura, parece nítida a discrepância entre um cenário mais animador nas
maiores economias do mundo (nos Estados Unidos, com o pacote de US$ 1,9 trilhão
anunciado pelo novo governo, e na China, que deverá ser a única economia a
crescer num ano de recessão global em 2020) e as perspectivas muito mais
sombrias no Brasil. Por culpa exclusiva do desgoverno genocida.