Cotidiano Urbano
Confira a crônica da semana, escrito pelo advogado e escritor Lucas Montagnini | Imagem: Susano Correia
Lucas Montagnini
Sinto em mim uma enxurrada sentimental intensa, uma correnteza densa, voraz e avassaladora que emerge do fundo de minh’alma e deságua nos abismos de uma natureza concreta, dura e impenetrável. O choque do real com a sensibilidade cria uma avalanche inebriante dos sentidos, de modo que me coloco a vasculhar toda a existência e não enxergar nada além de uma inquietude silenciosa e atormentadora.
O corpo tenso se alinha às capacidades de um ônibus abarrotado de corpos, em pleno horário de pico. A cabeça não se distancia muito daquela lotação sufocante, exagerada, sobrecarregada; que demanda cada vez mais e mais energia para desempenhar um ciclo infindável de entra e sai de gente, de personas, de personalidades, de vontades, de expectativas e também de duras realidades.
O motorista reclama, acena com a cabeça enquanto o suor escorre, como se quisesse saber se concordo com mais um assunto do cotidiano retórico. Não me lembro do que ele balbuciou, mas, de pronto, respondi demonstrando consenso. Ele reclamava do excesso, eu pensei na falta. Quanta gente inconveniente. Quanto eu. Pra que tanto eu?
O último ponto não era o ponto final, mas a parada de espera. Amanhã tem de novo. O fluxo diminuiu, é tarde da noite, ouço mais a minha própria voz. Desço na cidade de pedra, me deparo com fumaça e cachaça. Não fique triste, meu bem, hoje tem samba – disse a moça, quase feliz. Esbocei simpatia. Cheguei em casa, guardei as roupas, lavei outras, guardei o celular, pensei no mar, pensei em amar. Só não me guardo de mim, não me caibo, eu sou o espaço. Vou me esconder aqui, amanhã me acho.