Pandemia expõe problemas sociais pelas ruas de Goiânia
População de rua segue invisível para grande parte da sociedade e até mesmo para as autoridades | Foto: Wesley Costa
Eduardo Marques
De acordo com os dados do relatório qualiquantitativo do Serviço Especializado de Abordagem Social feito pela Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas), o número de pessoas em situação de rua atendidas pela pasta mais que dobrou. Foram atendidas em um mês 314 pessoas que estavam morando na rua em dezembro de 2020. O dobro do mesmo mês no ano anterior.
Os dados permitem identificar alguns recortes do perfil das pessoas que moram na rua. Mais de 90% das pessoas atendidas pela Semas são homens adultos. Também é possível verificar que famílias inteiras estão em situação de ruas em Goiânia.
Em dezembro de 2019 foi lançado o resultado do 2º Censo de População de Rua feito pela Prefeitura de Goiânia em parceria com a Universidade Federal de Goiás que indicou 353 pessoas em situação de rua na Capital.
Em todo o Brasil, 222 mil pessoas vivem em situação de rua. O dado levantado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indica um aumento de 140% no número de pessoas nestas condições entre 2012 e março de 2020. Com a pandemia de Covid-19, os números devem crescer ainda mais.
Entre as pessoas sem moradia estão desempregados e trabalhadores informais, como guardadores de carros e vendedores ambulantes. Além de atualizar dados sobre esse grupo social, duas pesquisas recém-concluídas pelo Ipea alertam: a propagação do novo Coronavírus aumenta a vulnerabilidade de quem vive na rua e exige atuação mais intensa do poder público.
Apesar das ações emergenciais que as prefeituras vêm realizando, o estudo alerta para o aumento do contingente em situação de rua durante a pandemia por conta da desocupação crescente e mais intensa devido ao desaquecimento da economia no curto e médio prazo.
“Com o avanço da pandemia, essas pessoas enfrentam mais dificuldades de acesso à higiene, além de água e alimentação. E, mesmo que quisessem deixar as ruas, não existiria abrigo para todos”, alerta o pesquisador. Ele destaca que é urgente buscar alternativas para o aumento temporário da capacidade de acolhimento, como o uso de escolas e de hotéis, que hoje estão ociosos, e podem ser adaptados com rapidez.
Além da ampliação de vagas para acolhimento, o estudo mostra a importância da atuação das equipes de abordagem social e de saúde, da distribuição de alimentos e da oferta de equipamentos públicos de higiene. As escolas, atualmente desocupadas, poderiam servir como abrigo temporário, pois contam com instalações sanitárias, cozinha, refeitório, salas para dormitórios e espaço para outras atividades.
“Ao governo federal, cabe o repasse de recursos suficientes e as orientações estratégicas para garantir sua aplicação efetiva, com qualidade do gasto. As medidas municipais analisadas também podem orientar municípios que buscam aprimorar sua atenção durante a pandemia”, conclui o pesquisador.
Vulnerabilidade
Ao O Hoje, o professor doutor do Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás (Iesa/UFG), João Batista de Deus, apontou que a pandemia da Covid-19 deixou a população de rua mais vulnerável. “A população moradora de rua sofre de problemas psíquicos, depressão e alcoolismo. Essas doenças levam a uma situação de não convivência em sociedade. Eles dependem muito das doações realizadas. Apesar disso, eles dependem da sociedade para sobreviver. A pandemia fez uma situação complicada que o Estado não proporcionou tanta assistência a essa população de rua”, destaca.
O especialista culpa o Estado de omissão com a população vulnerável. “Como essa população de rua é a mais vulnerável de todas, a tendência é que ela mais sofre. Porque o impacto maior é nela. O Estado deve proteger a população de rua. O problema é que essa mentalidade não ocorre muito no Brasil. O Estado atende principalmente a classe média”, ressalta.
Ele sugere ações de políticas públicas votadas para essa população. “Programas voltados para eles com assistência social para que elas possam ser pessoas produtivas e precisam ser recuperadas. A preservação da vida deve ser a prioridade. O Estado deveria ter essa obrigação de preservar a vida. É o princípio constitucional e está na Declaração dos Direitos Humanos. Porém as pessoas têm muito preconceito com essa população de rua”.
Contradições
À agência de notícias Observatório do Terceiro Setor, a professora e pesquisadora do Grupo de Pesquisa Saúde, Ambiente e Território (SAT) no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia (IFRO), Aline Ramos, afirmou que o cenário pandêmico deixou as contradições da sociedade mais evidentes.
“Como a situação de emergência na saúde pública é uma situação de crise, fica mais fácil de perceber este caráter higienista no trato da população em situação de rua. Quanto maior a quantidade de pessoas nas ruas, mais evidente é a forma como essa população é tratada”.
O estado de calamidade pública também não impediu a negligência contra quem vive nas ruas, principalmente nos últimos meses do ano passado.
Projeto visa prestar assistência a moradores de rua
Coordenado pelo sistema S – Sesc, Senac e Fecomércio, em parceria com a Prefeitura de Goiânia e o Governo de Goiás, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Social (Seds), o projeto “Se Essa Rua Fosse Minha”é voltado para pessoas em situação de rua e de vulnerabilidade social, que, no espaço, localizado na Avenida Araguaia no Centro da Capital, tem atendimento odontológico emergencial, além de corte de cabelo e barba e local para banho e higiene pessoal e refeição.
Eles recebem um kit com toalha, máscaras, camiseta, creme dental, escova e fio dental e terão orientação sobre higiene bucal. Também é realizada triagem para identificar quem precisa de atendimento odontológico.
O diretor de Assistência Social do Sesc, Orlando Santos, destacou que o projeto é de grande importância social, pois atende a um grupo muito vulnerável, que são as pessoas em situação de rua. Para o superintendente de Direitos Humanos da Seds, João Bosco Rosa, a ação é fundamental para apoiar quem mais precisa e nem sempre tem recursos para pagar um corte de cabelo ou mesmo tomar um banho.
A coordenadora do projeto pela Seds, Jordana Araújo, comenta que o projeto visa colaborar com atendimento odontológico emergencial para essa população “O projeto oferece tratamento odontológico para essa população. E essa assistência por conta da Covid-19 foi o mais afetado. Esse projeto visa colaborar com esse atendimento emergencial”.
A estimativa é que o projeto atenda cerca de 400 pessoas no serviço de urgência bucal até o dia 26 de fevereiro, quando tem previsão de ser encerrado. (Especial para O Hoje)