Cidade Invisível: série da Netflix reforça a identidade cultural brasileira
Trazendo o folclore brasileiro para a plataforma de streaming, a produção resgata a memória coletiva da nossa sociedade | Foto: reprodução
Augusto Pereira
A Netflix lançou, na primeira sexta-feira deste mês (05/02), a série Cidade Invisível, mais uma produção brasileira e que, dessa vez, traz uma releitura do nosso folclore para os dias atuais. A ideia da trama é de que as personagens mitológicas, como Saci, Iara, Cuca, Curupira e Boto-Rosa, passaram a viver entre os humanos e adotaram novas identidades na cidade. O elenco da série também está repleto de atores globais, o que chama a atenção.
No primeiro final de semana após o lançamento, a série já tinha alcançado o Top 10 mais assistido da plataforma e a aprovação de 98% dos usuários. Então a produção tomou notoriedade e muitas críticas positivas por ter trazido algo tão brasileiro para uma provedora de streaming global.
Por isso, o jornal O Hoje convidou a historiadora e antropóloga, Lúcia Cortez, e o professor do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Rafael de Almeida, para conversar sobre essa produção cinematográfica brasileira e a importância de trazer o folclore brasileiro para o tema da série.
Qual a importância de ter a mitologia folclórica brasileira em destaque em uma produção cinematográfica?
Rafael: “Realizar produções audiovisuais, sobretudo as de grande circulação, com enredos embasados na mitologia folclórica brasileira é uma oportunidade de convidar o público a revisitar essas fábulas e reafirmar seus traços identitários a partir da atualização narrativa promovida pela série”.
Lúcia: “Uma produção cinematográfica, como Cidade Invisível, que retrata a mitologia folclórica brasileira é muito importante. Porque ao trazer para as telas as principais lendas e personagens brasileiras demonstra a riqueza e a complexidade da nossa identidade cultural. Também traz renovação e resgata a memória coletiva da nossa sociedade”.
Como essa representação contribui para o enriquecimento da identidade cultural brasileira?
Lúcia: “Contribui em vários sentidos: valorizando a nossa cultura a partir das nossas lendas folclóricas; reforçando nosso pertencimento identitário; e divulgando nossa memória coletiva”.
Rafael: “A representação desses mitos com uma nova roupagem, como concebida pela série, opera um duplo papel: enquanto produto audiovisual finalizado já é um produto cultural, logo contribui para o enriquecimento de nossa cultura; enquanto produto audiovisual dedicado aos mitos brasileiros atua como um gatilho que convida o espectador a se conectar com sua identidade cultural nacional”.
Por que a ideia da trama é positiva para a valorização cultural brasileira?
Rafael: “A ideia da trama é positiva para a valorização cultural brasileira porque permite uma identificação imediata. Ao se propor a atualizar os mitos do folclore nacional, inserindo-os no contexto contemporâneo brasileiro em uma plataforma de grande visibilidade, o engajamento do público funciona como porta de entrada para refletir sobre uma série de questões que permeiam o universo da série e da nossa realidade”.
Lúcia: “Ao retratar o Brasil, a nossa cultura, nossos valores e o nosso conflitos cotidianos a série Cidade Invisível fala do nosso dia-a-dia. As pessoas se identificam com as questões trazidas nessa produção. Penso que ter produções em forma de séries, filmes, documentários, que retratam o Brasil com ‘B’ maiúsculo que o autor Roberto da Matta fala sobre o Brasil real, faz com que as pessoas se identifiquem com as questões colocadas. Isso faz o brasileiro refletir sobre sua sociedade”.
Qual a relevância social de retratar a mitologia folclórica para a tolerância religiosa?
Lúcia: “A tolerância religiosa nasce e se fortalece no conhecimento da diversidade, das diferenças culturais presentes nas sociedades humanas. Conhecer as manifestações folclóricas possibilita uma vivência respeitosa entre os diferentes. Penso que trazer esses aspectos da cultura abre caminho para entrar em contato e para aprender o diferente. Quando você conhece, você se torna mais tolerante. Este é um dos caminhos para buscar a tolerância religiosa e social”.
Rafael: “Toda e qualquer forma de combate à intolerância religiosa no Brasil é válida. Se o cinema fosse mais utilizado a partir de sua potência de mobilização política e social certamente poderíamos vislumbrar outro cenário para as relações de poder que nos circundam”.
Por que a produção cinematográfica hollywoodiana é tão presente no cotidiano brasileiro?
Rafael: “Hollywood é um dos principais centros de produção cinematográfica do mundo. No caso do Brasil, como são poucas as medidas de proteção e incentivo ao cinema nacional, as janelas de exibição acabam sendo dominadas pela cinematografia estrangeira. Como consequência disso, a produção nacional acaba tendo dificuldades para alcançar janelas de exibição consistentes, pois precisa competir com blockbusters de orçamentos gigantescos em seu próprio país”.
Lúcia: “Essas influências estão globalizadas e não é só no Brasil que sentimos essa influência e, até mesmo, imposição. Historicamente, nosso país tem uma dependência de culturas mais valorizadas, ou seja, as marcas estadunidenses ainda são muito fortes. Mas isso tem mudado ao longo da nossa história, ao longo das últimas décadas, como se nós nos descobríssemos e começássemos a valorizar nossa cultura. Hoje vivemos um momento de mostrar toda a nossa potencialidade”.
Por que é importante assegurar a manutenção das produções cinematográficas nacionais?
Lúcia: “É fundamental a manutenção e a criação de novas produções. Elas são valiosas e bem elaboradas, nós devemos fomentar novas produções. O mais importante é que são brasileiras e retratam o nosso cotidiano, as nossas mazelas, belezas, a nossa diversidade, desigualdades e a nossa cultura. É uma pena que a Cinemateca Brasileira esteja abandonada, pois é a memória do nosso país. É fundamental termos esses registros para as gerações futuras terem além dos livros para conhecerem nossa história”.
Rafael: “Citando livremente o documentarista chileno Patricio Guzmán, um país sem cinema é como uma família sem um álbum de fotografias. Assegurar a manutenção de nossa própria produção é impedir que nossas histórias e memórias caiam no esquecimento”.
O cinema nacional deveria ser mais valorizado?
Rafael: “Não há dúvidas de que a política de desmonte da cultura brasileira revela o pouco valor que o cinema nacional tem recebido pelos atuais governantes. O acesso da população à cultura é um direito cada vez mais desrespeitado”.
Lúcia: “Falta divulgar, ter conhecimento e ter formas dessas produções alcançarem populações mais vulneráveis. Nem todos têm condição de pagar a mensalidade da plataforma ou ir ao cinema. A desvalorização se dá pela falta de conhecimento das produções cinematográficas brasileiras. Para valorizar, precisamos de maiores financiamentos para que elas cheguem às camadas populares”.
Ambos os especialistas deixaram algumas dicas de outras produções cinematográficas brasileiras:
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Babenco: Alguém tem que ouvir o coração e dizer: parou;
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O Auto da Compadecida;
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Tropa de Elite;
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O mecanismo;
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Bacurau;
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Guerras do Brasil;
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