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quarta-feira, 25 de dezembro de 2024
Interesses não revelados

Senado vota amanhã (25) a “PEC Emergencial”

Numa tacada, projeto ameaça futuro da educação, do SUS e do BNDES | Foto: Reprodução

Postado em 24 de fevereiro de 2021 por Sheyla Sousa
Senado vota amanhã (25) a “PEC Emergencial”
Numa tacada

Lauro Veiga

Sob
pressão da equipe econômica e movido por interesses não revelados, mas
inferidos, o Senado deverá votar na quinta-feira, 25, a chamada “PEC
Emergencial”, a proposta de emenda constitucional que ameaça desmontar o
Sistema Único de Saúde (SUS), atingir seriamente a educação pública e afetar
dramaticamente o financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES). A “moeda de troca”, delineada nitidamente na verdadeira
chantagem promovida pelo senhor Paulo Guedes, será a aprovação da volta de um
auxílio emergencial mitigado às famílias mais atingidas pela pandemia.

O
caráter impróprio e suspeito da negociação entre o Ministério da Economia e a
base de sustentação do governo no Congresso surge já no parecer protocolado
ontem pelo senador Marcio Bittar (MDB-AC), relator da PEC. Uma constatação se
impõe, entre outras: o projeto de emenda cria as condições necessárias para que
o governo retome o auxílio emergencial e possa ainda realizar outros tipos de
despesas exigidas para o enfrentamento da Covid-19, sem que para isso fosse
necessário atacar os recursos destinados à educação, à saúde e ao financiamento
de longo prazo no País.

Entre
outras providências, o projeto cria o “estado de calamidade pública de âmbito
nacional”, a ser decretado pelo Congresso por iniciativa da Presidência da
República, autorizando a União a “adotar regime extraordinário fiscal,
financeiro e de contratações para atender às necessidades dele decorrentes,
somente naquilo em que a urgência for incompatível com o regime regular”. Uma
das consequências é que o teto de gastos não precisará ser observado enquanto
perdurar a calamidade e as despesas realizadas para seu enfrentamento não serão
consideradas no cálculo do resultado primário (quer dizer, a diferença entre
receitas e despesas, excluídos gastos com juros).

A
medida abole ainda limites para a contratação de operações de crédito pela
União, que poderá aumentar sua dívida para fazer frente àquelas despesas (como
já ocorreu no ano passado, não só no Brasil, mas em todos os países).
Adicionalmente, a União poderá utilizar sobras de receitas e de despesas
autorizadas, mas não desembolsadas, para cobrir aqueles gastos. Essas “sobras”
ajudam a compor o que a contabilidade pública classifica como “superávit
financeiro” e, sem a PEC, deveria ser destinado exclusivamente para o pagamento
de juros e de amortizações da dívida pública federal. A emenda permite, assim,
que uma parte do saldo seja destinada aos gastos emergenciais contra a
pandemia.

Conta única

Em
dezembro do ano passado, as disponibilidades de recursos do Tesouro no Banco
Central (BC), alocados na conta única da entidade, atingiram recorde de R$
1,452 trilhão, algo como 19,6% do Produto Interno Bruto (PIB) – a relação mais
elevada na série histórica recente do BC, iniciada em 2006. Entre dezembro de
2019 e julho do ano passado, o saldo daquela conta havia sofrido baixa de
45,0%, saindo de R$ 1,439 trilhão para R$ 790,889 bilhões (R$ 647,868 bilhões a
menos). Mas o Tesouro recompôs a conta rapidamente nos cinco meses seguintes, estacionando
mais R$ 661,722 bilhões em sua conta no BC, mais do que compensando os “saques”
realizados nos meses anteriores exatamente para cobrir despesas iniciais
geradas pela necessidade de enfrentar a pandemia.

Balanço

Segundo
o economista Bráulio Borges, da LCA Consultores, com autorização do chamado
“orçamento de guerra”, que permitiu a abertura de créditos extraordinários em
2020, o BC pôde aportar na conta única do Tesouro parte do ganho cambial obtido
em reais com o impacto da alta do dólar sobre as reservas internacionais
(próximas de US$ 350,0 bilhões). Isso ajudou a recompor o saldo da conta única,
assim como, nos últimos dois meses de 2020, a venda de títulos públicos pelo
Tesouro em valor muito superior à dívida que venceria no período e ao déficit
primário realizado em novembro e dezembro. As disponibilidades financeiras do
Tesouro são igualmente afetadas, lembra Borges, pelos pagamentos de dívida por
Estados e prefeituras, receitas de privatizações e dinheiro devolvido pelo BNDES
ao Tesouro.

Por
que todos esses detalhes muito técnicos são importantes? Porque eles mostram
que o governo tem condições de continuar bancando o auxílio emergencial e mesmo
outros tipos de despesas relacionadas à pandemia sem a necessidade de submeter
o setor público como um todo a um arrocho inédito e, mais grave, inscrito na
Constituição, caso a PEC Emergencial seja aprovada sem alterações. E reafirmam
ainda o caráter essencialmente disfuncional do teto de gastos.

As
ameaças mais evidentes, salvo outros “truques” embutidos na PEC, estão
relacionadas ao fim da vinculação de recursos orçamentários para a saúde e para
a educação, além da autorização, em princípio excepcional, para suspender o
repasse de 28% das contribuições do Programa de Integração Social (PIS) e do
Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP) “ao
financiamento de programas de desenvolvimento econômico, através do BNDES”.

Entre
outras medidas, a proposta revoga o parágrafo 2º e o inciso I do parágrafo 3º
do artigo 198 da Constituição Federal, que definem a vinculação de despesas
para saúde e educação. Hoje, a União é obrigada a reservar 15% e 18% dos
recursos para aqueles dois setores, respectivamente. Nos Estados, os pisos para
financiamento de ações e serviços públicos de saúde e para a educação estão
fixados em 12% e 25%, pela ordem.

Sem
esses limites, saúde e educação terão que brigar no Congresso por sua fatia no
orçamento federal, enfrentando setores e interesses muito mais fortes e lobbies
poderosos. A medida representa uma clara ameaça ao Sistema Único de Saúde
(SUS), responsável pelo atendimento a milhões de brasileiros atingidos pelo
Sars-CoV-2.

O
ajuste atingirá também o funcionalismo público, sem qualquer gradação ou
distinção entre faixas de rendimentos. No caso da União, sempre que as
operações de crédito ameaçarem superar os gastos de capital (a chamada “regra
de ouro”), o que inclui investimentos, serão bloqueadas as promoções e
progressões funcionais e reajustes salariais. Para que isso, nem será preciso
que ocorra de fato a quebra da “regra de ouro”. Bastará que o governo inclua
uma estimativa naquela direção no projeto da lei orçamentária a vigorar no
exercício seguinte.

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