Quando eu for saudade
Confira a crônica da semana, de autoria do escritor e advogado Lucas Montagnini | Imagem: reprodução
Lucas Montagnini
Não foram os olhos, que apesar de intensos, eram vagos; talvez cautelosos, calejados, carentes de cuidado. Curiosos, bonitos e brilhantes. Olha aqui, olha lá, pisca aqui, assanha lá. Eram olhos de Capitu, de cigana oblíquo e dissimulada, daqueles que viam todo mundo, num tom curioso sobre do que ali se poderia extrair de mais profundo, valioso.
Tampouco era o sorriso, embora eu deva reconhecer que… É, tem aquele sorriso. Mas não só. Me lembro dos dentes, da boca, do céu e do mel. Dos beijos que se beijam, dos laços que se entrelaçam, das línguas que se abraçam, dos corpos que dançam, das sutilizas que a mim tanto encantam. Lembro-me bem das memórias que se cruzam – sobretudo elas, as cicatrizes d’alma; do viver para ver.
Pensei ser o toque, o sentir tátil de mãos sorrateiras; os dedos certos, ligeiros e espertos. A tocadela quente e de desejo voluptuoso, a pluma leve do contato carinhoso. O tesão, a possibilidade do sim, mas também do não. Não foram atos tais senão sinergia, nada mais. Há de ser além, capaz. Não sei dizer, tu ficas mais?
Mas foi o cerrar de dedos. O gesto diminuto de membros tão modestos na escala geral daquilo que classificam como atração. Foi tamanha pequenez o derradeiro unificar das partes que ainda se encontravam separadas. Foi no laço imaginário de uma noite quente, alcoolizada e ordinária que dois corações, por um momento, se tocaram.
E quando eu for saudade, o cerrar de dedos ainda será em mim.