Casulo, uma metamorfose particular
Confira a crônica da semana, de autoria do escrito e advogado Lucas Montagnini | Imagem: reprodução
Lucas Montagnini
Dias atrás baixei o novo aplicativo que lançaram para conhecer gente. Era domingo pela manhã, naquele momento letárgico entre o café ao meio-dia e os pensamentos da segunda-feira. Enquanto aguardava ansiosamente o novo match, me chamou atenção um casulo que há dias se formava no canto inferior direito de um móvel antigo e esquecido na sala.
Fitei aquele alvéolo e fiz dele o meu passa tempo momentâneo. Investi alguns minutos, talvez horas, esperando que daquela incólume formação saísse uma enorme e viva borboleta, pulsando vida pela ambiente, enchendo de alegria o espaço vazio e apreensivo que se formara.
Tic-tac no relógio e, algum tempo mais tarde, decidi que tinha que cuidar da vida. Deixei a xícara borrada de café de lado e fui amarrar as pontas soltas de uma semana cheia de nós. A noite veio quieta e apática, tinha cheiro de cinza e de concreto molhado.
Lembrei-me, então, da borboleta. Aliás, do casulo que, impacientemente, deixei de lado. Já bem tarde, me deparei com uma casca vazia e em completo desuso. Embora eu quisesse muito ver a mariposa, talvez eu não tivesse dedicado tempo o suficiente ao ponto de possibilitar a transformação da lagarta. Talvez pela correria que eu inventei no meu dia-a-dia, talvez pela dificuldade que seria ver a vida se transformar, mais uma vez, em outra vida.
Pelo acaso que por vezes causo, me coloquei a pensar no imensurável número de borboletas que eclodiram e, sem mim, para longe bateram suas asas. Eventualmente, lembrei-me dos casulos opacos que, muito embora eu tenha aguardado, cuspiram lagartas mortas.
Ah, quanto ao aplicativo, esse rendeu. Inúmeras combinações que se convalidavam em uma janela que, magicamente, surgia quando dois corações se correspondiam. Era uma janela pequena, confesso; mas suficiente caso ali fosse cultivada um pouco de paciência. A descrição sugere que dessa janela poderiam surgir várias outras, assim como portas, paredes, um caminho, um lar ou um ninho.
Começou a semana, mas sobre borboletas, só me restaram as do estômago. E então, o que seria eu, senão o meu próprio casulo? Desde então, ouso esperar dentre todas as metamorfoses, a mais particular.