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segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Sedução e tempero da vida

O vinho evolui em ritmo lento e repouso interno

O vinho desfila pela passarela além do olfato, percepção do seu perfume, paladar e do amor | Foto: Reprodução

Postado em 13 de maio de 2021 por Redação
O vinho evolui em ritmo lento e repouso interno
O vinho desfila pela passarela além do olfato

Edna Gomes

A degustação de um vinho vai muito além do ato de senti-lo na boca, dançando com a língua. Apreciar implica entrega e deleite. Degustar é um ritual praticado sob a empatia gole-a-gole, bem sutil que estimula nossa sensibilidade, incitando-nos a alçar vôos à imaginação afora, onde o vinho permeia a própria sensualidade humana. O vinho da sedução tempera o encanto, umedece o amor. o melhor é prová-lo, com calma e paz. Como sempre, a delícia não é pela variedade, mas, como nos vinhos, aquela uva especial que sempre lhe despertou o maior dos desejos.

Vinho e boca se encantam com as ricas descrições dos aromas da bebida e que sucumbam ao fascínio de navegar pelas diversas nuances gustativas deste complexo néctar de Baco. Vinho é feito para ser bebido, não para guardar. Um amigo guardava os melhores rótulos. Ele foi morto pela Covid-19. Viúvo, sem filhos, a família distribuiu e beberam todos os seus vinhos com muita deselegância. Lição: nunca espere.

Em tempos de distanciamento social, onde não podemos desfrutar da presença física de quem gostamos, o vinho tem sido uma importante companhia. Ajuda a desestressar, acalmar os ânimos e aquecer o coração. E mais do que qualquer tanino, qualquer uva ou qualquer barril de carvalho, o vinho nos preenche quando há um vazio no peito ou transborda quando a alma já está completa. Ele é o “sabor”, qualidade dos taninos, acidez, equilíbrio, profundidade e persistência. Uma característica atraente do serviço de vinhos (que não encontramos nas outras bebidas) é o seu ritual – da escolha da taça à abertura da garrafa, da primeira prova para ver se está bom, seguindo-se a maneira delicada de derramar o líquido até no máximo a metade da taça.

O vinho desfila pela passarela pelo visual, além do olfato a percepção do seu perfume e do paladar o amor. O vinho evolui em ritmo lento e repouso interno. Ele não foi feito para pessoas sem a menor sensibilidade, que despeja o vinho num recipiente qualquer e sorve-o num glu-glu automático, como se fosse uma bebida sem alma. Com certeza é egoísta um cavalgador solitário que não presta atenção à sua companheira que, coitada, não teria o prazer de curtir o momento com charme.

O vinho e a sensualidade seguem sempre unidos, como no intrincado jogo amoroso, no qual existe sempre um ritual a ser cumprido a dois. Um dos momentos mais importantes do relacionamento homem-mulher está justamente no despertar do interesse, nos olhares furtivos, roubados, num jogo malicioso que desemboca numa crescente atração. É justamente assim que começa a degustação de vinhos: um flerte inicial de avaliação visual. Com o cálice de vinho à frente, mergulhamos num jogo sensorial de descobertas a cor, brilho, detalhes que vão enchendo os olhos, a boca com uma gulosa boca sedenta de amor. A clareza da tonalidade de um vinho – onde se descobre se ele é jovem, maduro e envelhecido. Numa análise cultural, os vinhos brancos evocam o sol e inspiram alegria e calor, simbolizam a tropicalidade e a fertilidade feminina. Os tintos a cor do sangue de Cristo, da provocação nas touradas, da maçã do paraíso, da paixão, do coração, do amor pimenta. Como disse goethe, “as cores são ações e paixões da luz”. Portanto, podemse obter cores diferentes e igualmente belas, degustando- se à luz do dia ou de velas. Numa fase de maior intimidade, o nariz prevê delícias, aproxima-nos daquilo cuja profundidade queremos alcançar. Que homem não se sentiu atraído, envolvido pelo mistério das insinuações de um cheiro feminino, do aroma de um vinho? Algumas pessoas têm sua sensibilidade atraída pelo aroma adocicado, outras pelo perfume de flor, outros pelo cheiro da pele. O nariz é sensual.

Os mil e um aromas, identificados no íntimo de nossas lembranças evocam relações secretas que correspondem a um secreto buquê. Um gole pausado e generoso traz finalmente o esperado gozo, que inunda nosso corpo com um prazeroso calor. Desta vez você irá erguê-la para um brinde e seu contato visual será mais olho no olho do parceiro adicionando um leve sorriso. A visualização será mental. Só imagine…

Embora a sensualidade original tenha supostamente se perdido na fábula da maçã proibida e nos conselhos maldosos da serpente, se imagine no Paraíso. Libere a imaginação e inspire. Os aromas evoluirão à medida que você os aprecia, pois seus diversos componentes se volatilizam em tempos diferentes. Associe aromas nas sensações boas que você conhece – como um abraço prolongado.

Ao colocar o vinho na boca, primeiramente ele deve ser mastigado, deixando que afunde a língua para que a bebida passe pelo palato e você possa sentir suas características, como corpo, consistência e maciez. Ao ingerir o primeiro gole, você terá a confirmação de tudo que já sentiu – da sensação de doçura percebida na ponta da língua à acidez. As nuances de aromas se transformam à medida que apreciamos o líquido, sentindo-o em toda sua extensão, a consistência, fluidez e temperatura – é como um beijo roubado. Distribua suas emoções num prazer crescente – como aquela relação inesquecível.

É graças à complexidade do nosso paladar que o sabor de um vinho pode ser tão fascinante. Toda taça de vinho tem um segredo que nunca conseguimos decifrar. Continue tentando. Vale lembrar que sabor é um conjunto de informações sensoriais que são produzidas em toda a boca, formado a partir da percepção gustativa, olfativa e tátil, chamada de sensibilidade.

Basta uma taça de vinho tinto e a gente já tem o pretexto perfeito para agir por instinto. Temos uma certeza, é das respostas que o tempo nos deixou. Pare aqui, segura sua taça com vinho, dança uma música com alguém. Esqueça o mundo e entrelace na madrugada até o novo dia chegar. (Especial para O Hoje).

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