Nem todos os amores do mundo
Confira a crônica deste domingo (23/05) do advogado e escritor Lucas Montagnini
É uma falta de nascença, congênita. Desde bem pequeno, quando ficava olhando o céu azul e sem fundo, pensando no que tinha ali, no que poderia não ter, no que ainda poderia vir a nascer. Criança é meio lá e meio cá, né? Tem uma imaginação mais fluida. Naquela época era mais fácil me lambuzar de completude. Às vezes um picolé escorrendo na mão resolvia, outras, o silêncio.
A gente vai crescendo e a curiosidade toma tanto sustento quanto a imaginação. Acho que é nesse momento que a balança começa a pesar. Uma certa racionalidade já formada tende a impor limites, a realidade determina horários, protocolos, deveres e afazeres. De repente a gente é a gente. Crescidos e adiante, mas cientes de que algo se perdeu.
Não é que eu não goste do que tenho aqui, muito pelo contrário, mas falta. E é natural faltar, é uma das nuances de sentir. A falta é o ponto de partida pro impulso do novo. Sou o que sou por tudo o que um dia já me faltou. A chave é não se tornar refém do que chega, porque afinal, pode nem chegar. Pode vir da forma como não se esperava, pode ser de um jeito do qual nunca se imaginava. O que eu achava que faltava, nem sempre foi o que eu realmente precisava.
E de tanto sentir falta, um dia a gente descobre a fartura de ser o que se é. No fim, é mais fácil se analisarmos a situação sobre uma ótica da expansão. O incômodo sinaliza movimento, um poder ser. É o chamado pra evolução contínua e latente de toda a individualidade humana. A falta é o encontro com o eu. E ninguém me sacia como meu eu fecundo. Nem toda a fortuna, nem mesmo todos os amores do mundo.
Lucas Montagnini