Sete a cada 10 famílias fecham o mês no ‘vermelho’
IBGE aponta que, desde 2017, pessoas têm dificuldades de fecharem as contas do mês
Não é de hoje que os brasileiros estão tendo dificuldades para pagar as contas. De acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2018, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), mostra que cerca de 72,4% da população vivia em famílias que contavam com alguma dificuldade para arcar com as despesas mensais. A situação não mudou após três anos, onde os brasileiros contam com sucessivos aumentos que deixam a situação no azul ficar inviável. Além disso, 58,3% dos entrevistados viviam em famílias que alegavam dificuldades, 14,1% disseram que tinham muita dificuldade.
Na contramão, 26,5% disseram que tinham facilidade e apenas 1,1% alegaram que viviam em famílias que tinha com muita facilidade para chegar até o final do mês com a renda familiar total disponível. Essa tranquilidade financeira passa longe da casa do André Teixeira de Assis, de 40 anos. Ele conta que a situação na casa dele ficou complicada após o acidente que sofreu e que perdeu a moto. Ele conseguiu se recuperar, mas as contas nunca mais ficaram no azul, devido o fato de ter que arcar com exames e medicamentos, já que ele não teve ajuda do outro motorista que ocasionou o acidente.
Além disso, André destaca que os repetidos aumentos também agravaram a situação financeira da família. “Eu tenho alguns talões atrasados de energia, também tenho um filho pequeno que pede determinadas coisas que a gente não consegue dar no momento. Ele entende, mas a gente, como pai, fica mal por isso”, destaca.
Segundo ele, em um desses episódios, a Enel chegou a enviar um colaborador para realizar o corte da energia. A sorte é que o homem enviado era colega dele e não realizou a interrupção do fornecimento. “O jeito foi pegar dinheiro emprestado e paguei os talões que estavam atrasados.”
André reforça ainda que outro ponto afetado foi a alimentação. “Aqui em casa a carne vermelha é muito rara. A gente está investindo mais no frango e macarrão instantâneo. A gente mistura uma verdurinha e fica uma boa refeição. Carne está cara e sem condições de ficar comprando todo dia”, pontua.
Além disso, André passou por um problema com a Receita Federal, que alegava que ele tinha recebido o auxílio emergencial de benefício pago para pessoas durante a pandemia. Entretanto, afirma que nunca viu a cor desse dinheiro e o único valor que recebeu do governo foi o auxílio-doença, que foi pago devido ao acidente. A boa notícia é que quando a reportagem era elaborada, a advogada dele informou que conseguiu resolver a situação tudo não passava de um erro de confronto de informações.
A estudante Nathalia Ribeiro também destaca que a situação não anda fácil em casa e que sempre tem dificuldade para fechar as contas do final de mês. “Quando a gente vai ao mercado, compra um leite, feijão, arroz já deu mais de R$ 200. E não estamos falando de nada muito absurdo, é o básico”, pontua.
Outro ponto que também aperta dentro do mês, de acordo com a estudante, é o cartão de crédito. “A gente utiliza ele como uma forma de ajudar nas despesas, mas junta ele, a água, luz, telefone, fica complicado. Estamos sempre nos desdobrando. Eu mesmo tive redução de salário no início da pandemia e, de toda forma que você faz, não é possível chegar no fim do mês no azul”, destaca.
Nathalia pontua que teve que adotar outras medidas para tentar atravessar esse momento, juntamente com o marido. “A gente tem optado por opções mais baratas no mercado. E também temos evitado sair para restaurantes ou gastar com coisas supérfluas. Passamos a pedir mais comida por delivery. Também temos economizado energia. Deixamos para lavar a roupa duas vezes por semana e sempre à noite”, destaca.
Pente-fino nas despesas
O economista Benito Salomão destaca que é muito importante as pessoas fazerem um a lista com todas as suas fontes de renda. “A primeira coisa que se deve ter em mente em relação ao contexto que tudo está ficando mais caro é o cuidado com o seu orçamento. Assim, liste todas as suas fontes de renda: aluguel, salário, dividendos, entre outros”, afirma.
Dessa forma, segundo ele, deve-se anotar todos os gastos para saber o que pode ser cortado dessa lista. “Costumo dizer que as despesas são classificadas em três categorias: as essenciais, como alimentação, aluguel, transportes. As não essenciais, como lazer, viagens e outros. Dentro dessa, você pode colocar também como não essenciais, mas que têm certa importância, como plano de saúde e manutenção de veículos. Dessa forma, você consegue ter um panorama do que pode ser retirado”, explica.
Pretos têm mais dificuldades de pagar contas, diz levantamento
Entre os integrantes de famílias com pessoa de cor preta ou parda, 9,7% tinham muita dificuldade e 34,7% tinham dificuldade, totalizando 44,4% da população que viviam em famílias com alguma dificuldade e eram chefiadas por pretos ou pardos. Já nas famílias cujo responsável era branco, 4,2% tinham muita dificuldade e 22,8% tinham dificuldade, totalizando 27,0% da população do país com algum grau de dificuldade.
Atraso
A pesquisa mostra também que, entre 2017 e 2018, 46,2% da população integravam famílias com atraso em ao menos uma conta do domicílio devido a dificuldades financeiras. Famílias com atrasos em contas de água, eletricidade ou gás concentravam 37,5% da população, seguindo por atrasos em prestações de bens e serviços (26,6%) e atrasos com a aluguel ou prestação do imóvel (7,8%).
Entre os 46,2% da população que integravam famílias com contas em atraso, 26,0% também eram de famílias em que a pessoa de referência tinha até o ensino fundamental completo e apenas 3,8% da população também pertenciam a famílias cuja pessoa de referência tinha o nível superior completo.
Já na comparação dos chefes de família por sexo, a proporção da população que vivia em famílias que avaliaram ter muita dificuldade praticamente não variou entre os grupos, sendo 7% tanto quando a pessoa de referência era homem ou mulher. No entanto, há grande diferença quando se avaliou sua condição de passar o mês com o rendimento total familiar com facilidade. As famílias chefiadas por homens e que realizaram essa avaliação concentraram de 17,5% da população, enquanto aquelas chefiadas por mulheres concentraram 9,0%.
“Essa diferença pode ser explicada tanto pela renda per capita mais baixa para famílias com pessoas de referência que eram mulheres, como também por uma maior quantidade de famílias cuja pessoa de referência é homem”, disse o analista da pesquisa, André Martins.
Conta corrente
A POF 2017-2018 investigou ainda o acesso das famílias a serviços financeiros. No período, 83,3% da população integravam famílias em que pelo menos um de seus componentes tinha um dos serviços financeiros analisados. A maior parte tinha acesso à conta corrente (66,2%). Outros 55,9% da população eram membros de famílias em que alguém tinha caderneta de poupança, seguido do cartão de crédito (49,9%) e do cheque especial (19,5%).
O restante tinha acesso às despesas ou recebimentos de seguros (35,3%) e a operações com empréstimos e parcelamento de imóveis, automóveis ou moto (32,1%). “A proporção de brasileiros que viviam em famílias em que ninguém tinha ao menos um dos serviços bancários analisados foi de 16,7%, sendo 11,7% da população também integrantes de famílias com pessoas de referência pretas ou pardas e 4,8% da população integrantes de famílias cuja pessoa de referência era branca”, acrescentou André Martins. (Especial para O Hoje)