Goianos registraram 3,4 mil portes de armas este ano
Dados da Polícia Federal mostram que 3,4 mil novas armas foram legalizadas no Estado em 2021
Goiás registrou, até julho deste ano, 3,4 mil novas armas, de acordo com dados da Polícia Federal (PF). Isso significa que 16 novas pessoas ganharam porte ou posse de armas por dia em solo goiano. O Estado, inclusive, tirou o primeiro lugar de armas registradas nos anos de 2014,2015, 2016 e 2018.
Em números absolutos, Minas (10.916), Rio Grande do Sul (8.499) e Santa Catarina (6.460) lideram as licenças no primeiro semestre. Em termos proporcionais à população, Rondônia (16,9 novas armas por 10 mil habitantes), Mato Grosso (15,8) e Acre (12,8) estão na frente.
Os números dizem respeito a armas concedidas na categoria ‘Cidadão’, que representa civis que buscam a autorização para arma própria, geralmente com intuito de defesa pessoal. Armas concedidas a órgãos de segurança pública ou ao Judiciário são contabilizadas em outras categorias pela PF.
É claro que a alta nas vendas causou aquecimento no mercado. Lucas Cavalcante de Oliveira, gerente comercial da Casa Caiçara, conta que o número de vendas no estabelecimento aumentou 100%. Segundo ele, os modelos mais procurados são pistolas, espingardas e carabinas. E os calibres mais procurados são os 9 milímetros e 354.
Com espaço privado para exposição das armas, ele conta como funciona a negociação. “A gente atende pelo WhatsApp, mas a maioria das vendas acontece de maneira presencial. Quanto mais armas registradas é melhor. Dessa forma, as pessoas tiram da cabeça que é complicado conseguir uma arma de maneira legal e preferem armas sem registros”, pontua.
Segundo ele, não é apenas chegar e querer comprar uma arma. “Tem que ter mais de 25 anos, passar por exames psicológicos com instrutores credenciados na Polícia Federal e Exército. Após todos os laudos darem aptidão, é que a pessoa pode comprar uma arma”, explica. Ele conta que os valores para se adquirir na loja vão de R$ 4,6 mil a R$ 25 mil.
Mudanças de comportamento
O especialista em Segurança Pública, Leonardo Sant’Anna, conta que a quantidade de armas registradas mostra a mudança de comportamento para as pessoas andarem legalizadas. “Primeiramente havia o receio de pessoas em dizer que adquirir uma arma de fogo já queria infringir a lei. E isso foi sendo desmistificado. As pessoas notaram que para adquirir uma arma de fogo, a pessoa precisa fazer um teste de proficiência para se mostrar capacitado, tirar várias certidões, teste psicológico para que a pessoa possa andar dentro da lei e não para ingressar em qualquer atividade criminosa”, pontua.
Segundo ele, outro ponto que contribuiu para o aumento no número de registros de arma de fogo é a pessoa entender que é um direito da legítima defesa. “Nota-se que se defender é uma necessidade e que o Estado não consegue estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Além disso, o tiro se tornou uma prática esportiva, com muitos adeptos. Reflexo disso, foi o reconhecimento dessa modalidade esportiva presente nas olimpíadas”, reforça.
Leonardo reforça que o Brasil tem uma das legislações para o porte de arma de fogo mais exigentes do mundo. “É importante deixar claro que o nosso código penal pune as pessoas que utilizarem a arma de maneira adversa e que será penalizado da forma que a lei determina. A lei não beneficia se a pessoa fizer algo de errado. Além disso, o mercado de armas não é algo barato. Hoje você não consegue adquirir uma pistola com menos de R$ 3 mil. Além de passar por todo o trâmite necessário. Nos Estado Unidos isso não acontece. Você encontra uma arma no balcão a preço acessível. Em menos de 72 horas você está com uma pistola na mão. Não tem essa de teste psicológico. É muito liberal”, compara.
O especialista destaca um dado que o Distrito Federal foi um dos locais onde mais se adquiriu armas de fogo, comparativamente com outros estados. E, ao mesmo tempo, foi o que apresentou o menor índice de criminalidade. Entretanto, ele faz um alerta. “A pessoa não pode confundir que, com a aquisição da arma de fogo, tem a capacidade de substituir a segurança pública. Sempre tem alguém com aquela ideia de que a arma na cintura dá para dar uma de policial e isso não pode acontecer. A arma pode ser uma colaboração com a segurança pública, mas jamais uma substituição da mesma”, conclui.
Preocupação deve ser com primeira arma, diz psicóloga
O Hoje conversou com a psicóloga Carolina Bittar lemes. Ela é credenciada na Polícia Federal (PF) e faz a avaliação dos candidatos para terem acesso ao laudo de aptidão psicológica. Ela explicou um pouco de como é seu trabalho. “Primeiramente, o candidato vai com um processo no despachante e é obrigado a procurar um psicólogo credenciado no Exército e na Polícia Federal. Ele marca um horário e eu passo alguns testes. Um deles é o teste de personalidade, concentração e atenção. Caso passe por tudo isso, é aprovado. Todo esse processo dura cerca de uma hora”.
Carolina conta que a confecção desse laudo é apenas um dos requisitos no processo para conseguir o porte de arma. Ela ainda conta que o índice de reprovação é muito baixo, algo em torno de 5%. “Não estou dando a arma para ele. Estou apenas constatando que ele tem a personalidade apta para ter uma arma. Ainda vai ser checado todos os antecedentes dele e outras coisas para poder, então, dar o acesso a arma de fogo”, pontua.
A psicóloga afirma que a quantidade de armas liberadas não irá influenciar na violência ou nas intenções erradas do cidadão. Por isso, ela defende o cuidado nos exames para ter o acesso à primeira arma. “No início, eu estava em um clube de tiro e reprovei duas pessoas. Depois, o dono do local me ligou e perguntou o porquê da reprovação. Eu expliquei e disse que não iria bater meu carimbo. Quando ele terminou, ele disse que ficou surpreso que tinha negativa nesses processos, pois o psicólogo que estava lá nunca havia reprovado ninguém”, conta.
Com isso, a psicóloga relembra que sofreu uma rotulação como ‘aquela que não aprova’, mas o título, segundo ela, nunca foi motivo de se sentir menosprezada. “Pelo contrário, eu me fortaleci e me orgulho de ser crítica, chata mesmo. Eu tenho consciência que estou dando um poder para uma pessoa. E é o meu nome que está em jogo. Por isso, defendo que o cuidado é dar a primeira arma para uma pessoa. Ela vai ter que passar pelo processo para ter mais, mas quando se olha que ela já tem a primeira, esse processo pode ser facilitado”, ressalta.
A psicóloga conta que 98% dos seus atendimentos foram realizados com o público masculino e, apesar da flexibilização, nenhum afirmou que pretende ter mais de uma arma. “Até porque a arma mais barata disponível no mercado é muito cara. Não é barato ter um armamento. Por isso, muitos pensam que é fácil ter mais de uma arma, mas a situação não é tão simples como pode parecer”, finaliza. (Especial para O Hoje)