Conheça José Agradecido, criador da frase “gentileza gera gentileza”
O Profeta Gentileza deixou seu legado que é disseminado em Lambe-Lambes pelas cidades brasileiras
Seja colado em postes de iluminação pública, em vidros do transporte coletivo ou em muros e paredes nas ruas da capital, possivelmente, todo brasieliro já viu o famoso lambe-lambe do “Gentileza gera gentileza”. É quase inevitável questionar-se sobre a função daquilo estar colado por todo lado e, principalmente, sobre o conteúdo dele e os impactos dessa “filosofia” no fluxo do nosso dia-a-dia.
Nosso ponto de partida será entender a função do Lambe-Lambe para depois buscarmos compreender o impacto da frase nele descrito. Este tipo de arte urbana é uma das novas gerações da imprensa que surgiu no final do século 19. A indústria de impressão em massa possibilitou a disseminação de informações pela cidade através de jornais e também colagem de cartazes.
Somente no pós-segunda Guerra Mundial, período entre 1945 e 1955, surgem os Lambe-Lambes com caráter de protestos, de apoio à liberdade de expressão e apoio à cultura. Com isso, a arte urbana ganha mais aspectos políticos e militantes. Diferente do grafite com spray, o lambe possibilita que artistas repliquem a arte e cole em locais estratégicos, normalmente, com grande fluxo de pessoas.
A ideia é a seguinte: quanto mais pessoas verem, maior o impacto daquilo no cotidiano delas. A psicóloga Michelle Branquinho fala sobre o poder da reprodução. “Tem uma frase que eu gosto muito, a repetição é a mãe da excelência. O cérebro é capaz de aprender a partir do momento que ele repete. Então, visualizar repetidas vezes a mesma coisa acaba sendo internalizado pelo indivíduo”, afirma.
Esta ideia está muito presente na frase “gentileza gera gentileza” criada por José Datrino, ou melhor, José Agradecido, o famoso Profeta Gentileza das ruas do Rio de Janeiro. Para Michelle, a afirmação do profeta pode ser exemplificada pela metáfora do efeito borboleta, de Edward Lorenz, professor do Instituto de Tecnologia Meteorológica de Massachusetts.
“Acredita-se que o bater das asas de uma borboleta influencia o curso natural das coisas e provoca outros movimentos. Então, quando nós começamos movimentos pequenos, outros movimentos acontecem e, desta forma, ocorre com as gentilezas que praticamos”, explica Michelle.
O histórico de gentilezas de Datrino começou bem cedo. Desde os 13 anos, espalhava pela escola, no interior de Cafelândia, que “tinha uma missão na Terra”. Entretanto, o reconhecimento como Profeta Gentileza veio após se tornar um “consolador voluntário” às famílias das vítimas do incêndio do Gran Circus Norte-Americano de Niterói, em dezembro de 1961. Infelizmente, o fogo consumiu mais de 500 pessoas e, a maioria, crianças. Então, movido por “vozes astrais”, Datrino morou quatro anos no terreno do circo e, neste período, plantou um jardim sobre as cinzas do antigo circo.
“Quando ele mostra atenção e interesse, ele demonstra que o outro é importante, o que resulta na valorização das virtudes dele. Pois, isto aumenta a autoestima do outro, muda o humor, ensina, oferece ajuda e melhora o ambiente”, conta a psicóloga. Com esta experiência, o profeta transvestiu-se de Lambe-Lambe e saiu às ruas da capital fluminense, em ônibus, praças, pontes, praias, calçadões e, até mesmo, nas barcas da travessia Rio-Niterói para propagar suas palavras de amor, bondade e respeito ao próximo.
Na época, até haviam aqueles que o chamavam de “louco”, talvez pela túnica e pelos cabelos longos e barba branca ou, até mesmo, pelas placas e bengalas coloridas, mas, na verdade, era sanidade. “A prática de gentilezas é uma forma de melhorar o mundo ao redor. A cordialidade e a simpatia, como um bom dia e um boa tarde, além de serem sinais de educação e respeito, são sinônimos de saúde mental e de bem estar”, diz Michelle.
Por isso, em 1980, o Profeta Gentileza preencheu as 56 pilastras do viaduto da Av. Brasil, entre o Cemitério do Caju e o Terminal Rodoviário do Rio de Janeiro, com escritos sobre o mal-estar da civilização. Suas profecias nos muros foram escritas com os tons da bandeira nacional – azul, verde e amarelo – para nunca passarem despercebidas e para provocarem a “cura” da sociedade.
Datrino profetizou certo, pois mesmo após seu falecimento, em 1996, sua gentileza foi transmitida através das gerações e é reproduzida nos Lambes, que transcenderam as fronteiras estaduais e fazem sucesso em outras capitais. “E, ao ver tanta gentileza espalhadas pela cidade, nós começamos a propagar essa cultura”, concluiu Michelle.