Crianças de escola pública perderam seis meses de aprendizagem
Para especialista, consequências do ensino remoto estão sendo visíveis no campo da escola e das famílias
A pandemia de Covid-19 e o isolamento social interferiram e seguem interferindo no aprendizado das crianças. Para entender como essa interferência se deu nos mais diversos grupos sociais, um estudo comparou um grupo de alunos que cursou o segundo ano da pré-escola em 2019 e outro na mesma etapa em 2020. As crianças de famílias com maior nível socioeconômico tiveram prejuízos equivalentes a quatro meses de aprendizagem. Já as de nível socioeconômico mais baixo, perderam seis meses.
A psicóloga escolar Maria Júlia de Oliveira explica que é preciso ressaltar a discrepância entre o ensino público e privado no contexto da pandemia. “Enquanto as escolas particulares conseguiram se adaptar, mesmo que algumas de forma mínima, ao ensino on-line, as escolas públicas sentiram seu ensino se desfazer, justamente por não terem condições de oferecer outro formato de ensino, algumas tentando se reajustar por meio de atividades escritas semanais, mas sem que houvesse uma interação direta entre professor e aluno, para, por exemplo, tirarem suas dúvidas”, afirma.
Na visão da especialista, não se trata apenas de recuperar conteúdos, uma vez que tantos outros foram construídos neste último ano, mas talvez de estreitar os laços, identificar as dificuldades e os limites, que precisam ser potencializados no momento e tempo de cada aluno. “É juntar braços e possibilitar uma atuação conjunta de todos estes que se veem angustiados com o momento em que essa aprendizagem está ocorrendo”, afirmou Maria Júlia.
Neste cenário, a psicóloga levanta, ainda, outras questões. “E como que essas atividades foram (ou não foram) feitas? Na situação de uma aula on-line, teriam os alunos meios para acessá-las? Quais as condições em que as famílias das camadas populares estão submetidas, considerando o desemprego estruturante e o aumento de produtos para manutenção de vida diária? Não tem como generalizar que o ensino remoto acarretou em prejuízos e afetou a todos de uma forma igualitária. E a escola é testemunha disso”, pontuou.
Para ela, só recentemente os governos se dedicaram a criar meios para que o ensino público pudesse retornar presencial, e para que essa realidade de fato se concretize é preciso de mais. “Neste momento, estamos dizendo de famílias que não tem condições de pagar por aulas particulares, por avaliações neuropsicológica ou pedagógica, a fim de entender as principais dificuldades que atualmente seus filhos e filhas estão enfrentando em relação a aprendizagem”, frisou.
Por isso, ela destaca que é fundamental que haja investimento em políticas públicas que possibilitem não só o retorno das escolas presenciais, mas também dos próprios alunos, uma vez que muitos ainda não se encontram em condições individuais, sociais, físicas e econômicas para retornar, e que quando o fizerem, terão de encontrar justa e unicamente na escola as possibilidades de amenizar os efeitos em seu processo de aprendizagem.
Ensino Fundamental
O impacto da pandemia na aprendizagem também foi estudado pelo Itaú Social. De acordo com o estudo “Cada Hora Importa”, ao final do 9º ano do Ensino Fundamental, crianças com família de baixa renda recebem 7.124 horas de aprendizado a menos do que meninas e meninos que têm famílias mais abastadas, o que equivale a 7,9 anos de uma escola regular.
“O estudo dá forma e quantifica a enorme desigualdade educacional no Brasil. As estimativas revelam um volume impressionante de horas adicionais de exposição a oportunidades de aprendizagem para crianças de famílias com mais recursos, em comparação às crianças de famílias de baixa renda”, aponta a superintendente do Itaú Social, Angela Dannemann.
Considerando a pesquisa “Primeiríssima Infância”, o estudo realizou ainda uma estimativa de horas usando como base a frequência de leitura e brincadeira com crianças em dias por semana. As famílias mais ricas leem duas vezes mais para suas crianças do que as mais pobres (quatro horas semanais contra duas horas). Já a diferença de horas quando falamos de brincadeiras em família é menor (seis contra cinco horas). Porém, ao somar o número de horas das duas atividades em um ano, as crianças de famílias com maior renda abrem uma frente de 43% em relação às de menor renda. (Especial para O Hoje)