Entenda por que venda de Canabidiol nas farmácias é prático, mas preço assusta
Medicamento tem proporcionado melhor qualidade de vida aos pacientes, porém acesso é elitizado
Após a portaria de 2019, que regulou a venda de medicamentos à base de Canabidiol (CBD) em farmácias sem manipulação e drogarias, as pessoas que utilizam o remédio notaram maior praticidade. Contudo, o preço comercializado nas drogarias ainda não é acessível. Alguns frascos chegam a custar mais de R$ 2 mil. O CBD, único permitido para fins medicinais no Brasil, é um dos componentes da planta Cannabis – mais conhecida como maconha.
De acordo com a diretora da Associação de Pais e Amigos dos Autistas de Goiás (Ama), Silvana Modesto, a portaria tornou mais acessível a compra, pois não precisa de importação. “Tinha o frete e muitas vezes era necessário comprar uma quantidade maior para compensar. Por outro lado, não viabilizou em nada ter o medicamento na farmácia pelo preço exorbitante que é comercializado. Quantos pacientes podem comprar? Elitizaram o medicamento à base de Canabidiol fora da realidade das famílias brasileiras”, destaca.
Silvana define o Canabidiol como de extrema importância para o desenvolvimento do filho autista, Victor Hugo. Com quadro de convulsões, ele utiliza o medicamento desde 2017. Segundo ela, o remédio estabilizou as convulsões do Vitor e melhorou o quadro de agitação psicomotora e agressividade. “Eu posso dizer que meu filho voltou a sorrir depois do CBD”, afirma ela.
Entre as burocracias para se conseguir o remédio está a consulta com médico, laudo e receita. “Um absurdo sem fim termos que recorrer a esse medicamento quando temos muitas associações no Brasil que fazem óleos Full Spectrum com qualidade e eficácia superior ao importado”, diz.
Por enquanto, ela alerta que não vê benefícios enquanto não houver baixa nos preços. “O Brasil é o único país onde medicamento a base de Cannabis entra sem antes fortalecer a indústria local. Falta boa vontade dos nossos governantes para dar acesso a todas as pessoas incluindo as carentes com consultas sociais, preços justos, farmácias vivas e uma série de medidas para fortalecer as associações canábicas”, comenta.
Para Silvana, não adianta o Sistema Único de Saúde (SUS) fornecer óleo a base de Canabidiol privilegiando indústrias farmacêuticas. “Vão onerar os cofres públicos e enriquecer multinacionais ainda mais. As maiores indústrias farmacêuticas do mundo estão entrando nesse mercado apenas para lucrar e muitas vezes com um medicamento sintético de péssima qualidade”, finaliza.
Mudança radical
Gabriela Queiroz, de 17 anos, utiliza o Canabidiol há cerca de quatro anos. A mãe dela, Raimunda Queiroz, revela que, desde 2019, tem notado uma facilidade maior para adquirir o medicamento. “Não está liberado totalmente porque há uma resistência por parte dos órgãos que autorizam. A gente já consegue notar que organizações conseguem fabricar o canabidiol e isso ajuda. Essa mudança facilitou que as organizações consigam fazer a distribuição do óleo de Canabidiol”, afirma.
Desde que começou a comprar o CBD, Raimunda enfrentou burocracias. “Muitas vezes eu desisti de comprar por causa disso. Quando não tem um poder aquisitivo mais alto esse impedimento é maior. Com a autorização não consegue porque é alto o valor”. Por outro lado, trouxe benefícios, dando uma abertura maior para a compra.
Após o uso do CBD, Gabriela teve uma mudança radical na qualidade de vida. “O dia a dia é mais tranquilo, tivemos momentos da nossa vida em que não sabíamos como lidar com as crises nervosas, ela ficou sem cabelo, se mordia e não dormia. Então a gente já não sabia qual medicação dar para ela”, lembra a mãe.
“Salvou a nossa vida. Eu e meu marido nos revezávamos para cuidar da nossa filha. E hoje não tem isso mais. Atualmente, ela vai para o quarto e dorme. Se isso não é uma salvação, eu não tenho o que dizer”.
THC
Os produtos, de acordo com a resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), devem ter teor de THC de até 0,2%. Caso esteja acima desse patamar, o uso só poderá ser prescrito a pacientes terminais que tenham esgotado outras formas de tratamento visando a cuidados paliativos.
É proibida a comercialização da chamada “forma de droga vegetal da planta ou suas partes, mesmo após o processo de estabilização e secagem, ou na sua forma rasurada, triturada ou pulverizada, ainda que disponibiliza em qualquer forma farmacêutica”, diz a resolução. Também são proibidos cosméticos, cigarros e outros fumígenos e alimentos à base de Cannabis.
Para vender, a farmácia precisa ter autorização de funcionamento da Anvisa. Esta pode ser nacional ou internacional. Caso seja necessária a importação do produto, será preciso comprovar que o produto é legalizado no país de origem, por meio de documentos.
Anuc quer tornar CBD acessível a todos
A Associação Nacional dos Usuários de Canabidiol (Anuc) atua, neste contexto, para orientar e educar pacientes e médicos sobre as evidências que comprovam a eficiência do canabidiol. A Associação não tem fins lucrativos e tem como missão ajudar pessoas com necessidade de usar Canabidiol ou derivados, dando informações, auxílio para comprar, orientações administrativas junto a ANVISA e Jurídicas. “Divulgamos conhecimento e a compreensão Nacional sobre os benefícios do Canabidiol e derivados. Assim buscando fomentar e promover a legalização para, reduzir os custos e deixar acessível a todos”, diz o comunicado.
O principal objetivo da entidade é fornecer informações sobre importação do Canabidiol, dar orientações jurídicas para fornecimento pelo Estado, além de realizar auxílio em consultas médicas.
Curando Ivo
Em Goiânia, a Associação Curando Ivo é uma das entidades que atua com objetivo de garantir aos pacientes “acesso à Cannabis de forma segura e responsável”. O presidente da entidade, Filipe Suzin, alerta que somente o CBD não é eficaz em alguns casos, sendo necessária a extração completa da planta. “É como se você pegasse uma laranja e tirasse somente a vitamina C, esquecendo todos os outros compostos”, compara ele.
O empresário precisa da planta inteira para o seu tratamento de leucemia. Além dele, o seu pai, Ivo Suzin, que tem Alzheimer, também faz uso do medicamento e necessita de todos os compostos presentes na maconha. “Não existe minha família sem a Cannabis. Esse remédio é basicamente tudo em nossas vidas. Se não fosse pelo óleo da planta, acredito que meu pai já não estaria aqui”, afirma.
“Há 10 anos eu trato minha doença com a inalação da planta. Ela é a única coisa que me ajuda a levantar da cama e trabalhar. Se não fosse a Cannabis, eu não faria tudo o que eu faço hoje. Também não teria mais um pai dentro de casa”, frisa Filipe. O empresário é um dos que luta pela legalização da planta no País. “A nossa briga é pela legalidade da Cannabis no Brasil. Eu, como paciente, preciso plantar dentro da minha casa”, destaca.
Hoje, o movimento Curando Ivo é uma associação em construção formada pela família dos pacientes Ivo e Filipe em conjunto com profissionais de diversas áreas. De acordo com a entidade, o cultivo é feito através das associações (geralmente sem fins lucrativos), onde se consome a Cannabis e seus derivados com fins terapêuticos e medicinais. “A nossa luta é para garantir acesso à Cannabis para incontáveis pessoas e famílias, que precisam de um tratamento que possibilite a elas qualidade de vida”. (Especial para O Hoje)