Venda de alimentos livres de agrotóxicos cresce, mas consumo é elitizado
Leonardo, que trabalha numa loja de produtos naturais, exibe, com orgulho, a variedade de alimentos orgânicos produzidos em Goiás
Por Alzenar Abreu
As agriculturas familiares respondem por 70% da produção de legumes, verduras e frutas comercializadas em todos os mercados brasileiros. Mas, o percentual de cultivo orgânico desse montante ainda é pífio. O que preocupa gestores e especialistas. Ainda que, desde 2017 o consumo tenha aumentado, o alto valor desses produtos assusta compradores. De 4 anos para cá subiu 82% as vendas de alimentos orgânicos, mas os preços ainda assustam.
A nutricionista Vânia Marra, membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Agroecologia e Saúde da Universidade Federal de Goiás (UFG), diz que essa situação só vai mudar quando dois fatores acontecerem: a população reivindicar mais o acesso a esse tipo de produto e gestores adotarem políticas públicas mais incisivas para garantir apoio aos produtores que cultivam alimentos orgânicos.
“Estudos apontam que cada pessoa consome, por ano, de 5 a 7 litros de agrotóxicos embutidos em alimentos. Um montante assustador”, diz. Vânia explica que os vegetais, por exemplo, recebem veneno borrifado diretamente para combater pragas que possam atrapalhar as lavouras. “Esses produtos penetram nos legumes. “Não há como retirar, mesmo lavando e descascando. Fica entranhado”, explica, ao dizer que o resíduo é sistêmico e penetra em todo tecido vegetal.
Além da impureza, esses alimentos perdem o valor nutricional. Já o orgânico é mais rico em nutrientes porque não leva esses produtos e, ainda, não são forçados geneticamente a brotar do solo, sob condições de manipulação. Que é o caso da mutação feita para acelerar o crescimento original do fruto.
Larga escala de produção
De acordo com Vânia, a produção de orgânicos em larga escala dependerá da aceleração de políticas de incentivo junto aos agricultores familiares. Para que estes recebam o fomento necessário para plantar mais em áreas maiores de cultivo, com tecnologias específicas que darão condições de oferecer esses produtos (e derivados deles) a custos menores. Isso porque a produção exige mão de obra que precisa aumentar a escala e os insumos que são mais caros. “Sem dar apoio aos pequenos produtores, para que possam crescer, essas lavouras não avançam”, diz Vânia.
“É uma cultura que precisa ser injetada em todos os eixos de sustentação (União, estados e municípios) com o apoio da comunidade”, diz. “Esse processo de substituição de culturas [com agrotóxicos e sem agrotóxicos] acelera-se à medida que a vontade política se faz presente”, diz.
“A população tem de fiscalizar, reclamar e pedir mais por esse tipo de produto e exigir preços melhores. Para isso existem associações de donas de casa e outras agremiações que podem unir-se e reivindicar esse tipo de alimento junto aos produtores ou com quem comercializa”, explica.
População gigantesca
Mas a pergunta que fica é se realmente é possível alimentar uma população gigantesca como a brasileira por meio somente de produtos orgânicos? Então, a mesa terá, apenas, produtos da própria estação?
Em face da questão sobre consumir os frutos da estação que não recebem estimulantes artificiais é uma escolha que o cidadão deve fazer. “Ou se leva ‘saúde’ para casa ou se consome, notoriamente, o que sofreu alteração em todo processo produtivo”, explica a nutricionista ao acrescentar que existem alimentos produzidos naturalmente o ano todo, a exemplo do chuchu e da abóbora.
De acordo com o nutrólogo Álvaro Vítor muitas doenças que surgem sem explicação podem ser derivadas do uso de agrotóxicos ingeridos pela população nos alimentos. “São diversos registros de câncer, autismo, doenças do sistema nervoso central, até dermatológicas que são investigadas e as causas são desconhecidas. Estudos mostram que é nesse espectro que podem estar as enfermidades derivadas desse consumo”, explica.
O nutrólogo diz que ao retirar a casca é possível minimizar a ingestão de parte do agrotóxico do fruto, mas não o elimina completamente. “Os piores alimentos são os tomates, morangos e até alfaces produzidas em larga escala no Brasil”, salienta. E Vânia Marra completa a lista com o pepino japonês, e o brócolis ninja.
O vendedor Leonardo Pimentel, que trabalha numa loja que só oferece produtos naturais, exibe, com orgulho, morangos orgânicos produzidos em Goiás, na cidade de Trindade. O que corrobora com a possibilidade e estímulo desse tipo de cultura no Estado que poderá produzir mais e ofertar em maior quantidade.
Consumo alternativo
Por enquanto, à medida que as ações – ainda que iniciais estejam acontecendo -, o jeito, para quem quer consumir esses produtos, é buscá-los em feiras. “Mas pesquisar bem a procedência”, ressalta Vânia. “Sabemos que eles são mais caros. Porém, se levá-los em menor quantidade é a escolha do menos que gera o mais saudável”, pontua. “É essa cultura que estamos tentando introduzir na mente da nossa comunidade”.
Vânia explica que o ideal é ter maior contato direto com o produtor. É uma garantia de que se consiga um produto mais puro. “Tem de dialogar, conhecer”. Essa oportunidade não se tem nos grandes mercados. Embora alguns ofereçam esses produtos e os derivados com o selo orgânico de produção.
Outra escolha é buscar frutos da época. Até mesmo nos grandes mercados. “Temos, nesse caso, a possibilidade de serem oferecidos os produtos, em respeito ao ciclo da fruta ou do vegetal”, conta.
Mas é necessário pesquisar. Vânia exemplifica que se a época é das laranja e não do melão, que se use mais laranja. Se é da abobrinha verde e não do chuchu, use a abobrinha”, ensina, ao completar que, agora, é a época da jabuticaba e da manga, por exemplo. Frutos cheios de nutrientes importantes para o organismo.
Projeto quer privilegiar produção orgânica
O Estado de Goiás levou para a Assembleia Legislativa e aprovou em setembro deste ano a Política Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica do Estado de Goiás. O objetivo da Lei 21.115 é promover ações indutoras da transição agroecológica e da produção orgânica e de base agroecológica.
Isso para orientar o desenvolvimento sustentável e a qualidade de vida das populações nas cidades e no campo, por meio da oferta e consumo de alimentos saudáveis, com preços justos e acessíveis a todos e do uso sustentável dos recursos naturais.
A meta é respeitar a integridade cultural das comunidades rurais, urbanas e periurbanas, tendo como foco a sustentabilidade econômica e ecológica, a maximização dos benefícios sociais, a minimização da dependência de energia não renovável, empregando, sempre que possível, métodos culturais, biológicos e mecânicos, em contraposição ao uso de materiais sintéticos, a eliminação do uso de organismos geneticamente modificados e radiações ionizantes, em qualquer fase do processo de produção, processamento, armazenamento, distribuição e comercialização. Na proteção, peculiar do meio ambiente;
A transição agroecológica (que privilegiará a agricultura orgânica) é um processo gradual e multilinear de mudança de práticas e de manejo de agroecossistemas, extrativismo e sistemas agropecuários, tradicionais ou convencionais. Com a transformação das bases produtivas e ajustes para estímulo ao investimento financeiro e social para o uso da terra e dos bens naturais, incorporando conceitos, princípios, metodologias e tecnologias de base ecológica. (Especial para O Hoje)