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segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Saúde

Mães de autistas relatam dificuldades de inclusão e custo alto do tratamento 

Falta de políticas públicas e custo elevado para o tratamento prejudicam a inclusão de pessoa autistas

Postado em 5 de abril de 2022 por Daniell Alves

No mês de conscientização do Transtorno do Espectro Autista (TEA), pais e mães de autistas relatam dificuldades no que diz respeito à inclusão e diagnóstico precoce das crianças. Embora o transtorno seja um problema de saúde pública, ainda não existem políticas públicas que olhem com atenção para esta parcela da sociedade, além de profissionais suficientes para atender toda a demanda. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), no Brasil, há cerca de 2 milhões de pessoas com TEA.

O Ministério da Saúde (MS) define o transtorno como um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado por desenvolvimento atípico, manifestações comportamentais, déficits na comunicação e na interação social, padrões de comportamentos repetitivos e estereotipados, podendo apresentar um repertório restrito de interesses e atividades.

A professora Sandra Paro, mãe de Valentina Paro, que é autista, relata que a principal dificuldade quando fala de inclusão é encontrada na sociedade, de um modo geral, por falta de informações e treinamento para atender. “As escolas que se atualizam em formação e estão abertas para receber são poucas. Os estabelecimentos, como supermercados e aeroportos, também deveriam treinar seu pessoal para entender as necessidades desse público e prevenir constrangimentos para eles mesmos”, afirma. 

Valentina foi diagnosticada com o TEA aos dois anos, já que a fala dela não era adequada para a idade. Após a avaliação da fonoaudióloga, ela foi encaminhada ao neuropediatra, que deu o diagnóstico clínico já na consulta. A partir daí, a criança começou a ter atendimento no Centro Estadual de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo (CRER) durante dois anos. 

Atualmente, tem acompanhamento em clínicas especializadas de Goiânia. “O tratamento é oneroso, mas vale pelos resultados. Seria um sonho se esse tipo de tratamento fosse popularizado e acessível para todos. Sobre o diagnóstico dizemos o mesmo: muitas famílias deveriam ter esse tipo de atendimento no SUS, mas esse seria o mundo perfeito, não é?”, questiona Sandra. 

Condição 

O pequeno João Lucas Lacerda, 9 anos, também teve o diagnóstico mais cedo, aos dois anos. A mãe dele, a jornalista Carla Lacerda, lembra que, à época, a pediatra estava atenta aos sinais do desenvolvimento da criança. “Ele ainda não falava e quando eu chamava o nome não se atentava, era como se fosse uma audição seletiva. Se eu chamasse não respondia, não batia palma”, pontua. A pediatra, então, fez o encaminhamento para um neurologista infantil e foi dado o diagnóstico que ele estava dentro do transtorno. 

Carla explica que o diagnóstico precisa ser feito por um médico e não existem exames de imagens ou laboratório que consigam comprovar o TEA. “É uma condição neurológica que afeta a comunicação social e comportamento. O autismo é um problema de saúde pública muito sério. O Sistema Único de Saúde (SUS) não dá conta da demanda e não consegue oferecer as terapias na quantidade que são preconizadas para que a criança tenha qualidade de vida e mude o quadro”, alerta. 

Falta de investimento

Mesmo que todas as famílias consigam arcar com os custos privados, que são elevados, não existiriam profissionais no país suficientes para atender a demanda, informa a mãe do João Lucas. “É um problema que requer investimento e planejamento. Os autistas aprendem muito com horas intensivas de terapia, o método mais utilizado é a Análise do Comportamento Aplicada (ABA). O recomendado seriam 40 horas por semana e normalmente uma sessão custa cerca de R$ 200”, aponta Carla Lacerda. 

João Lucas só conseguiu as terapias após a mãe entrar na Justiça exigindo que o plano de saúde arcasse com o atendimento. “De forma geral, o diagnóstico e atendimento são insuficientes quando se compara com outros países. O atendimento em Goiânia é ótimo, mas não é ideal para o desenvolvimento”, alerta. 

Ela também aponta que os principais problemas estão relacionados à falta de informação, o que gera preconceito. “A inclusão ainda é algo de discurso teórico do que prático, principalmente no ambiente escolar. “Muitos professores não sabem lidar com os comportamentos das crianças autistas, não têm cursos, não passaram por capacitações”. 

Além do ambiente escolar, as pessoas autistas encontram dificuldades para serem inseridas em espaços de lazer, locais turísticos e aeroportos. “Não estão completamente preparados. Conheço mães que tiveram problemas em hotéis por falta de preparo dos profissionais”, enumera. Hoje, o pequeno João tem terapia de segunda a sexta. São 11 horas de sessão de ABA, além de três sessões de fonoaudiologia e duas de terapia ocupacional. 

Origem genética 

A presidente da Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil seção Goiás (OAB-GO), a professora Tatiana Takeda, ressalta que o transtorno sempre existiu e é importante que a sociedade saiba que a pessoa já nasce com ele. 

“Cerca de 97% das causas são de origem genética. O exame para detectar é clínico. Não existe um autista igual ao outro. Antes, tínhamos dificuldade de fazer o diagnóstico, o que hoje não acontece. Já é possível fazer com bebê de seis meses”, explica. Por isso, quanto mais cedo os pais descobrirem, é melhor para começar a intervenção precoce. 

A professora também alerta para a dificuldade que o próprio poder público tem para entender o papel de um profissional especializado nas escolas. “Ele tem que apoiar na alimentação, higiene, locomoção, mas não apenas. Estamos falando de questões pedagógicas, então esse profissional tem que ter qualificações mínimas”, ressalta. 

Centro de referência 

O coordenador do Movimento Orgulho Autista Brasil (MOAB), em Valparaíso de Goiás, Marcelo Sorriso, afirma que falta conscientização, políticas públicas e atenção do poder público para a causa. “O que eu vejo é que falta exemplo dos órgãos públicos porque até entrar na minha casa eu não conhecia. Não culpo as pessoas por não terem o discernimento”, pontua. 

Marcelo Sorriso, que também tem um filho autista, aponta que os governantes precisam estar preparados, tanto no âmbito escolar como na rede de saúde. Marcelo sugere a criação de um Centro de Referência para receber os autistas e responsáveis. “É muito comum os pais abandonarem os lares porque não conseguem conviver com os filhos. Seria necessário primeiro acolher e orientar os pais através de terapia para verem a importância deles diante da sociedade”, finaliza.

Planos de saúde que não atendem autistas serão penalizados 

O superintendente do Procon Goiás, Levy Rafael Cornélio, recebeu no último mês, as advogadas Letícia Amaral e Maíra Tomo, que representam um grupo de mães e pais de crianças com TEA, o “Mães em Movimento pelo Autismo”. Elas relatam dificuldades para receber o tratamento terapêutico adequado para os seus filhos, por parte dos planos de saúde Unimed e Hapvida. 

Conforme relatos das mães, há mais de 600 crianças em todo o Estado na lista de espera pela autorização do início do tratamento e essa mesma espera já se arrasta por mais de cinco meses, em alguns casos. 

“Um dos principais problemas é a falta de acesso ao atendimento prescrito pelo médico assistente de uma criança autista. Então, os pais ao receberem o diagnóstico, são direcionados pelos planos de saúde às clínicas da rede credenciada, acreditando que vão receber o tratamento adequado de forma intensiva nas horas prescritas de terapias que constam no laudo médico e chegando ali têm uma negativa”, comenta Letícia.

Segundo a advogada Maíra Tomo, o Procon Goiás é um órgão que pode constatar a violação dos direitos das crianças autistas, visto que elas estão sendo negligenciadas. “A criança tem direito à intervenção precoce e intensiva. Não pode ficar em uma fila de espera aguardando o dia em que o plano vai prestar esse serviço. Precisamos de uma fiscalização da entrega imediata, do efetivo serviço que está sendo prestado, que deve ser uma terapia especializada aplicada a essas crianças com evidências científicas”, diz.

Diante disso, o superintendente assumiu o compromisso com as mães de tomar uma medida efetiva no que diz respeito à fiscalização do cumprimento da Resolução Normativa nº 469 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que impede o limite de cobertura dos planos de saúde (limitação do número de sessões) para o tratamento com uma equipe multidisciplinar, e penalizar os planos de saúde que vêm desrespeitando a legislação. O não atendimento às crianças configura má prestação de serviço.

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