Governo pretende regulamentar transporte por aplicativo até o fim do ano
Motoristas avaliam a medida como positiva como forma de segurança; Especialista alerta que medida pode criar custos para motoristas e usuários
Por Daniell Alves
Os motoristas que trabalham por aplicativos podem ser incluídos na Previdência Social, com a nova proposta estudada pelo Governo Federal. Trata-se de uma regulamentação para criar um modelo novo de contribuição aos trabalhadores, em especial de transporte e comida, conforme afirma o ministro do Trabalho, José Carlos Oliveira. Goiás possui cerca de 38 mil motoristas de aplicativo cadastrados entre apps de corrida e comida.
Segundo o ministro, já existe uma prévia da nova legislação, que ainda vem sendo debatida com os trabalhadores e com as plataformas. Por isso, ainda não há uma proposta fechada. A previsão é que até o final do ano tenha uma regulamentação por parte do Governo. O secretário-executivo do Ministério, Bruno Dalcolmo, afirma que os trabalhadores querem continuar como autônomos, com a liberdade de estabelecer horários e dias de trabalho.
O projeto em análise inclui um pagamento por parte das empresas, ao mesmo tempo que deixa claro que não há vínculo empregatício com os trabalhadores. Também exige que as empresas deem suporte aos trabalhadores, oferecendo, por exemplo, uma estrutura física de apoio, para carregar celular, beber água e um espaço onde possa se alimentar.
A regulamentação é vista de forma positiva pelo representante dos profissionais por aplicativos em Goiás, Miguel Veloso. “De certa forma é boa porque irá nos dar garantia. Hoje, se um motorista precisa se afastar da atividade, não tem nenhum amparo. Os profissionais estão no trânsito o dia todo correndo risco de vida”, afirma.
Atualmente, Goiás tem cerca 30 mil motoristas de aplicativos cadastrados, sendo 12 mil em Goiânia, de acordo com o representante. Já com relação ao quantitativo de entregadores de comida são cerca de 8 mil, sendo 3,5 mil na Capital. “Com o recolhimento do INSS, os motoristas passam a ser assistidos, caso precisem ficar encostados. Agora, precisa entender melhor qual valor será cobrado do motorista e se a plataforma irá contribuir com a parte dela”, alerta Miguel.
O motorista atua há mais cinco anos na área e, atualmente, fica de 12 a 16 horas dentro do carro atendendo aos usuários. “Para o profissional ter um resultado mínimo, ele precisa trabalhar pelo menos 12 horas e quando chega no final do dia ainda está contando moedas”, revela.
Ele elenca como pontos negativos a falta de suporte por parte das plataformas, como Uber e 99 Pop. “A falta de acolhimento, ponto de apoio com banheiros para que os motoristas possam usar. As plataformas poderiam organizar esse local para que os motoristas pudessem ficar à vontade no ambiente de trabalho. Houve um reajuste recentemente de 6% no valor pago aos motoristas, mas esse aumento ainda não é sentido na carteira dos motoristas. Isso porque as plataformas também aumentaram as taxas”, aponta.
Mais segurança
O motorista de aplicativo, Danilo Nunes de Araújo, 34 anos, também vê a medida com bons olhos. “Os motoristas que atuam neste segmento precisam de uma segurança. Corremos riscos severos de assaltos, acidentes, violência física e atualmente não temos nenhum amparo. O ideal seria que todo motorista fosse amparado por um seguro oferecido por parte da empresa, pois prestamos serviço a eles, mesmo não tendo vínculos empregatícios”, alega.
Danilo atende corridas via aplicativo desde 2017 e trabalha das 14 horas até às 7 da manhã do seguinte. “Se nós motoristas parássemos todos de uma só vez, essas empresas iriam à falência, o aplicativo só existe devido a nossa força de trabalho, movidos pela necessidade de sustento de nossas famílias. E esta contribuição poderia ser feita de forma automatizada pelo próprio aplicativo, forma ideal pois estaríamos sempre informados de tudo”, ressalta.
Entre os pontos negativos citados por ele estão as altas taxas, preço do combustível, valor baixo cobrado aos usuários e falta de suporte. “Em algumas corridas, a empresa fica com até 45% do valor total. Gastamos mais para poder rodar pela cidade e com as altas taxas cobradas nosso lucro é pouco”.
De acordo com o motorista, cobra-se um valor baixo por uma corrida onde há desgaste do carro, alto consumo de combustível devido ao uso de ar condicionado e pelo trajeto percorrido. “O usuário sempre tem razão quando ocorre algum problema, o motorista sempre está errado e isso ocasiona muitas expulsões injustas e sem direito de defesa. Muitos motoristas foram expulsos e compraram contas falsas para poder trabalhar. Estas contas usam documentos de outras pessoas. É muito fácil de se criar uma conta usando dados de outra pessoa e trabalhar normalmente sem problemas”, revela.
Especialista alerta que medida pode surtir efeito contrário
Miguel Ângelo Pricinote, Mestre em Transportes e especialista em mobilidade do Mova-se, avalia que a regulamentação é uma intervenção desnecessária na relação entre as plataformas e os motoristas, uma vez que não há vínculo empregatício entre ambos.
“Essa obrigatoriedade cria custos e a tendência é fazer com que as empresas saiam do país ou os custos sejam repassados para os próprios motoristas e usuários. Os motoristas podem se reunir como associação civil se organizarem. Com relação à previdência, podem abrir um cadastro de MicroEmpreendedor Individual (MEI) e contribuir”, sugere.
No que diz respeito à estrutura de apoio, ele recomenda que os motoristas se organizem em uma associação para conseguirem, juntos, fazer a locação de espaço sem intervenção estatal. “Outro ponto interessante é que o motorista atende mais de uma plataforma”.
Posicionamento das plataformas
Por meio de nota, a Uber afirma que defende a inclusão dos trabalhadores de aplicativos na Previdência com uma parte da contribuição vinda das empresas para reduzir o valor a ser desembolsado pelos motoristas. “É fundamental que essa integração previdenciária seja feita a partir de um modelo mais vantajoso para motoristas e entregadores do que as opções atuais, consideradas muito caras e burocráticas por grande parte desses trabalhadores”, afirma.
A Rappi afirma que tem participado das negociações sobre o tema por meio da Associação Brasileira Online to Offline (ABO2O). Já a plataforma iFood defende um “debate amplo” sobre a construção de uma legislação que envolva os entregadores e motoristas de aplicativo na Previdência.
A 99 também afirma que apoia a inclusão de motoristas e entregadores de aplicativos ao sistema público de Previdência Social.
“A 99 entende seu papel nesse processo e reforça o comprometimento com os motoristas parceiros por meio de sua tecnologia, disponibilizando-se a facilitar essa integração. Indo além, propomos ainda a participação direta no financiamento da proteção social dos motoristas parceiros, reduzindo os impactos em sua renda”, afirma em nota o diretor de Políticas Públicas da empresa, Diogo Souto.
Ele informa que a 99 possui 35 espaços nas principais capitais do país, conhecidos por Casa99, com ambientes aconchegantes, área de descanso com banheiros, WiFi livre, local para carregar o celular, TVs, além da possibilidade de tirar dúvidas com equipe de analistas especializada. (Especial para O Hoje).