Goiânia já registra mais de 400 denúncias de violência contra idosos
Para a cuidadora, “os idosos são crianças vividas. Por isso é necessário ter paciência”
“O idoso é uma criança vivida. Por isso é necessário ter paciência, eles precisam de amor já que se dedicaram a cuidar da gente. Agora é a nossa vez de cuidar deles”. Essa frase foi dita pela sobrinha que está cuidando da idosa de 86 anos que foi encontrada após ser presa em casa pelo filho, no Jardim América em Goiânia no dia 30 de maio pela Delegacia Especializada no atendimento ao idoso de Goiânia (Deia). Ela estava sendo mantida em casa em situações precárias pelo filho de 42 anos.
No dia em que a idosa foi encontrada ela estava em um quarto escuro, bagunçado com odor de urina e fezes, extremamente magra, debilitada e com um ferimento na cabeça. Do couro cabeludo dela saiam larvas por causa do machucado. Os únicos alimentos encontrados na casa foram várias latas de cerveja e macarrão instantâneo. No entanto, a idosa insistia em defender o filho no momento da prisão alegando que ele a tratava bem. Segundo a sobrinha que agora cuida da idosa, a família não estava ciente dos maus tratos sofridos por ela porque o filho sempre a mantinha trancada no quarto e falava que ela estava dormindo e não permitia que outras pessoas tentassem cuidar dela.
“É difícil de imaginar que eu ia lá [na casa onde moravam] e não fazia ideia do que minha tia passava”, conta aos prantos. Ela resolveu fazer o curso de cuidadora de idosos após a morte da mãe que teve AVC. A cuidadora afirma que o filho da idosa ia com frequência na casa dela e de outros familiares quase sempre embriagado e por isso ela se preocupava em sempre se oferecer para cuidar dela ou então chamar outra cuidadora para auxiliar, mas o homem nunca permitiu.
“Eu percebia que nas vezes que visitava a minha tia ela estava mais fechada, não permitia eu tocar nela e ficava olhando muito para o filho. Mas, nunca imaginaria que seria por conta dos maus tratos olhando agora para trás que percebo isso”, conta em lágrimas ao falar da lembrança.
No dia 29 de maio a família já começou a se mobilizar para entender o motivo de tanta estranheza por parte da idosa e também vizinhos haviam dito que a idosa havia caído e se machucado. No dia 30 a Deai invadiu a casa do indivíduo, mas ele não ouviu porque estava embriagado e ouvindo música alta.
Atualmente a idosa é bem cuidada pela sobrinha, ganhou mais peso e está se alimentando bem. “Ela come de tudo. De início ela tinha receio de ir ela mesma pegar a comida, mas agora ela vai na cozinha pega o que quer como fruta, bolo e tem muitas pessoas que se sensibilizam com a história que traz algumas coisas para ela comer também”, conta rindo pela primeira vez durante a entrevista.
Segundo a cuidadora a idosa era ríspida no início principalmente durante a hora de dar banho e perguntava pelo filho. “Quando ela pergunta por ele eu digo que ele está bem, mas que a médica não deixa ela voltar para lá porque ele não tem condições de ficar com ela, dar banho e fazer comida. Aí ela me responde que ele fazia o que podia”, conta.
Não é um caso isolado
Essa idosa faz parte das 420 denúncias de violência contra idosos na grande Goiânia até o dia 3 de junho. Durante a pandemia houve aumento no número de casos, de acordo com dados do Disque Direitos Humanos , órgão do Ministério da Justiça, a prática dos crimes contra os idosos aumentou 60% conforme ressalta a agente da Deai, Alyne Barça.
Segundo a agente, a delegacia recebe vários crimes praticados contra idosos como violência física, financeira, emocional, abandono, psicológico, sexual e medicamentosa. “Eu quero alertar a toda a população para qualquer suspeita de prática do crime para que denuncie. O anonimato é preservado e nós precisamos de denúncia para saber que o idoso é vítima de um crime porque na maioria das vezes eles não relatam”.
Após a denúncia a equipe da delegacia especializada manda uma equipe até o local onde o idoso está e verifica a procedência do caso e verifica o estado físico dele, emocional, se o crime ocorre de verdade, se tem lesões no corpo e até se tem comida em casa.
A maioria dos casos registrados desse tipo de violência é praticado por pessoas próximas ao idoso como filho, sobrinho, neto, cuidador, funcionário. “São pessoas que têm por obrigação moral ou legal cuidar daquele idoso”, ressalta a agente.
No caso da idosa resgatada em 30 de maio é o valor alto da pensão. “O marido dela falecido era funcionário de um alto escalão do governo. Então, é totalmente incompatível com a condição que ela vivia. E o Samu detectou ainda que ela estava com hipertensão, desnutrida e desidartada”. O filho dela foi preso, mas se encontra em liberdade através da audiência de custódia e o inquérito segue na Deai e está em fase de oitiva de testemunhas para que ele possa ser remetido ao poder judiciário no devido prazo. Para esse crime de crime pode pegar até seis anos de detenção.
Operação Senex
A Polícia Civil de Goiás, por intermédio da Delegacia Especializada no Atendimento ao Idoso (Deai) de Goiânia, deflagrou no dia 27 de maio a Operação Senex. que consiste em dar continuidade a medidas desenvolvidas pela Deai, na busca de coibir a violência contra os idosos no Estado. O objetivo da ação é combater crimes de violência contra os idosos na capital. A operação se estende até o dia 15 de julho, em comemoração ao junho violeta, mês de referência ao combate da violência aos idosos.
O dia 15 de junho é considerado o Dia Mundial de Conscientização da Violência Contra a Pessoa Idosa. “O mês de junho é chamado de Junho Violeta porque a planta violeta significa família. E a maioria dos crimes em desfavor do idoso é praticado no seio familiar”, esclarece.
Danos psicológicos
A psicóloga da Delegacia do idoso e pessoa com deficiência DEAI/DPCD, Shadia Adnan Asaad Yousef afirma que os danos psicológicos são gerados pela vivência de constrangimentos que geram ansiedade, depressão, síndrome do pânico, pensamentos de desvalorização e até pensamentos suicidas. Além de alteração de temperamento e sono, irritabilidade e desconfiança.
Segundo a especialista, o acompanhamento ao idoso é feito por meio de uma visita, ou o idoso chega até a delegacia. “Eu faço uma entrevista dirigida que é uma avaliação na qual o idoso se sente seguro e protegido para nos contar o que está acontecendo, neste caso quando o idoso é lúcido. Quando ele tem comprometimento da lucidez, ele oscila também a gente percebe no comportamento se há maus tratos”. De acordo com ela, dos 420 casos, cerca de 300 precisaram de atendimento psicológico.
Shadia ressalta que é comum associar maus tratos a idosos com famílias de baixa renda, mas isso não é verdade. “A delegacia é muito democrática, os maiores problemas que nós temos são com pessoas que têm muito dinheiro. Nós fazemos visitas em casas muito luxuosas e famílias de sobrenomes muito importantes, empresários, políticos, pessoas famosas”.