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domingo, 22 de dezembro de 2024
Futuro da pesquisa científica

Pesquisadoras goianas relatam receio de corte nas bolsas de pesquisa

As bolsas são as principais fonte de recursos para estudantes que atuam na área de pesquisa científica

Postado em 7 de dezembro de 2022 por Sabrina Vilela

Bibliotecária, Sara da Cruz Vieira, de 25 anos, ingressou no mestrado em março. Ela pesquisa o comportamento informacional do corpo docente da Universidade Federal de Goiás (UFG), nas áreas de ciências humanas e ciências sociais aplicadas, em relação à agenda racial e temáticas étnico-raciais. 

A bolsa tem contribuído para ela se dedicar ao mestrado, pois desenvolver pesquisa e trabalhar é algo bastante difícil. “A bolsa me auxilia a ter uma dedicação mais exclusiva, apesar de não ser o suficiente,  ela tem me ajudado muito nesse processo”, aponta.

A bibliotecária afirma ter receio de perder a bolsa ou que ela seja bloqueada por um tempo, após o anúncio de que o Ministério da Educação (MEC) estaria sem verba para custear as bolsas. “Eu como muitos estudantes temos contas a pagar, temos que comer, cuidar da nossa saúde e sem esse dinheiro cumprir com esse compromisso se torna impossível. Pensar nesse cenário é realmente desesperador”.

Sara da Cruz Vieira ainda faz críticas ao atual governo sobre as políticas de educação do atual governo. “O atual governo tem nos mostrado que não se preocupa com a educação do país, atingindo quem pode fazer a diferença, atrasando as pesquisas e as pesquisadoras e pesquisadores através do corte das bolsas. É lamentável”. 

Sara faz parte dos 100 mil bolsistas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) que podem ser prejudicados pela falta de pagamento. 

MEC está sem verba

O ministro da Educação Victor Godoy se reuniu, na última segunda-feira (5), com membros do grupo temático de Educação do gabinete de transição e ficou decidido que a situação orçamentária do MEC passará por acompanhamento devido à falta de verba para bolsistas. A preocupação exposta na reunião foi de que o próximo governo não possa dar continuidade às políticas públicas voltadas para áreas de pesquisa visto que a pasta não possui recursos para isso. 

Ex-ministro da Educação, José Henrique Paim destacou que é realizada uma negociação. “[A pasta] está negociando com a área econômica, mas a gente precisa acompanhar de perto porque pode implicar em alguma dificuldade para o próximo governo”. 

Já Godoy confirmou que os cortes nos orçamento que foram determinados pelo ministro Paulo Guedes estão sendo resolvidos com o Ministério da Economia. Os cortes levaram ao bloqueio de R$ 1,68 bilhão, desses R$ 244 milhões são voltados para o ensino superior. 

Corte de repasses

Como justificativa para o bloqueio das verbas, Godoy afirmou ainda que pode ter relação com o repasse que o Ministério da Economia terá que fazer para cumprir a Lei Paulo Gustavo de incentivo à cultura. A determinação é por conta de pedido do  Supremo Tribunal Federal (STF).

Se a situação não mudar, pode faltar o pagamento das parcelas de dezembro a 14 mil médicos residentes de hospitais federais e de 100 mil bolsistas da Capes. 

Para que a situação seja resolvida é necessário aumentar em 30%, no Orçamento de 2023, os recursos destinados ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Além de 40% as verbas destinadas ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 

Cenário de incertezas

Vice-presidenta regional Centro-Oeste da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG), Dayse Jorge Lima, destaca que a notícia da falta de verba para bolsistas foi recebida indignação e receio. Ela afirma que o receio existe, mas que está no processo de articulação dentro da direção da Associação de Pós-Graduandos (ANPG). 

“Inclusive estamos em reunião com a equipe de transição da ciência que tem a participação do  presidente ANPG Vinícius Soares. Os pós-graduandos da UFG estão em estado de preocupação, pois as agências de fomento federais exigem dedicação exclusiva, e isso faz com que a única renda dos discentes venha apenas das bolsas de pós-graduação”.

Ela relembra ainda que em 2023 irá completar 10 anos sem reajuste no valor das bolsas. Segundo ela, o valor atual faz com que o pós-graduando esteja em estado de sobrevivência. Muitos estudantes na UFG já relatam que irão parar suas pesquisas caso não recebem suas bolsas, de acordo com a vice-presidenta. “Assim que saiu a notícia entramos em processo de articulação e conversa com corpo discente da pós-graduação”.

O objetivo da reunião, segundo Dayse Jorge, é que a equipe possa se organizar para defender e lutar pelas bolsas, seja indo às ruas ou entrando em contato com MEC para que o Ministério esclareça toda a situação e tome as providências necessárias que garantam o pagamento das bolsas de mestrado e doutorado.

Bolsas que garantem a sobrevivência 

Representante discente do doutorado em Comunicação da Universidade Federal de Goiás (UFG), Kamilla Santos ingressou como bolsista no início deste ano e já conseguiu uma bolsa pela Capes. De acordo com ela, os pagamentos nunca haviam atrasado e a esperança era que o novo governo fizesse o reajuste de “valores defasados”. 

Kamilla Santos afirma que a notícia sobre a falta de verba para pagar as bolsas chegou na noite da última segunda-feira, 5. Em seguida ela e outros membros foram checar as contas e realmente estava zerada visto que normalmente o valor da bolsa cai todo dia 5 pela manhã. 

“O receio é imenso de que a gente não receba por um tempo. As notícias não são agradáveis e as nossas bolsas estão com valor defasado há mais de 10 anos, mas o pouco que a gente recebe serve para o nosso sustento. Visto que o bolsista não pode ter outra fonte de renda oficial, não pode trabalhar em outro local. A dedicação é exclusiva. E como nos dedicar sem saber se teremos como nos sustentar nos próximos meses?”, questiona Kamilla.

A realidade vivenciada pela maioria dos bolsistas é de que precisam pagar aluguel, internet, cesta básica e ainda tem os gastos com a própria pesquisa que não são baratos. E essas ações se tornam desafios porque muitos tiveram que deixar a cidade natal para estudar na capital e gastam com transporte ao percorrer grandes  distâncias.  

Ela conta ainda que os bolsistas estão muito assustados com a situação. “A sensação é de medo de não saber se vão receber, porque todos têm compromissos. Uma aluna que é de outro país e estuda em nosso programa estava muito preocupada pois tinha até esta semana para pagar o aluguel e a bolsa não caiu”. 

A falta de bolsas afeta negativamente as pesquisas em andamento no país, segundo a representante. “Como fazer pesquisa se não sabemos se teremos um teto ou alimentação do mês se a bolsa não cair? Dá pra fazer pesquisa sem bolsa? Dá! Mas é muito precário e só quem consegue é quem já tinha dinheiro ou alguém para te sustentar antes de entrar na pós. Mas se você depende da bolsa para o seu sustento e para fazer a pesquisa, ninguém vai ter cabeça para isso. Já vi, em outros momentos, vários discentes desistirem do programa porque não têm como se manter e continuar a pesquisa. Tenho muita preocupação que esse cenário volte a acontecer”. Até o momento não foi repassada nenhuma informação oficial para os estudantes. 

O cenário classificado como desesperador para muitos bolsistas é apenas a amostra do que o campo de pesquisa pode se tornar sem o incentivo correto. As pesquisas realizadas nos mais diversos campos contribuem para a evolução do conhecimento. Além na área da saúde para a cura de doenças e desenvolvimento de vacinas, as pesquisas ajudam a avançar a tecnologia que possibilita a abrangência de outros setores.

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