Conceição Evaristo retorna a Belo Horizonte para assumir cadeira na AML
A escritora e poeta reconhecida internacionalmente celebra o reconhecimento de suas raízes e a luta por representatividade na literatura
A escritora, linguista, poeta e ficcionista Conceição Evaristo, aos 77 anos, retorna à sua terra natal, Belo Horizonte, para assumir a cadeira número 40 da Academia Mineira de Letras (AML). Coincidindo com o Dia Internacional da Mulher, a escritora toma posse às 20h, desta sexta-feira (8). A cerimônia, restrita a convidados, ocorre no auditório da AML e transmitida ao vivo nos canais do YouTube da AML e de Conceição Evaristo.
Conceição, reconhecida como Imortal, expressa o significado desse retorno: “Me encontro novamente com um útero que me acolhe”. Para ela, o reconhecimento do Estado em que nasceu e cresceu é uma compensação pela jornada que a levou ao Rio de Janeiro em 1973, em busca de oportunidades que não existiam na época.
Apesar das conquistas, a autora destaca que sua trajetória é exceção, evidenciando desigualdades na sociedade brasileira. Ela reflete sobre suas contemporâneas na favela, destacando as limitações enfrentadas por muitas mulheres.
Ao assumir seu papel na AML, Conceição vê a responsabilidade não apenas como um triunfo pessoal, mas como uma vitória coletiva. Ela acredita que sua presença na Academia pode inspirar outras mulheres negras e espera que isso se reflita em mais representatividade em diferentes espaços culturais.
“Eu tenho certeza de que outras mulheres negras que olham para mim estão satisfeitas, estão alegres. Acho que a própria Academia, quando me elege, confia e espera que comigo lá dentro possa haver, não só em termos de imagem, mas de presença, uma representatividade que não é vazia, mas que se realiza na presença efetiva”, comenta.
Além de seu compromisso com a literatura negra, Conceição Evaristo envolve-se em projetos e atividades diversificados, desde representar o Brasil em eventos internacionais até liderar a iniciativa da Casa da Escrevivência no Rio de Janeiro. Com projetos literários em andamento, ela busca contribuir para a visibilidade da produção negra.
Evaristo é também a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira da instituição em 115 anos de sua fundação. Desde o início da AML em 1909, aproximadamente 200 membros, incluindo nove mulheres, integraram a organização. Entre os membros atuais estão as escritoras Elizabeth Rennó, Yeda Prates Bernis, Maria Esther Maciel e a vice-presidente, Antonieta Cunha.
“É um dos nomes mais expressivos da literatura contemporânea não apenas de Minas Gerais ou do Brasil, mas também da América Latina. E isso não se deve apenas ao fato de ela privilegiar temáticas das minorias: trata-se também da apurada criação de seu texto literário, seja romance, conto ou poesia, onde ela brilha igualmente. Não por acaso, está traduzida em tantas línguas e tem recebido tantos prêmios e homenagens, seja das ‘academias’, seja do público leitor, em geral”, destaca Antonieta Cunha, vice-presidente da AML.
Da favela de BH para o mundo
Nascida nos becos da favela do Pindura Saia, na região centro-sul da capital mineira, Maria da Conceição Evaristo de Brito é uma escritora afro-brasileira que iniciou sua trajetória literária em 1990, com a publicação na série Cadernos Negros, uma antologia coordenada pelo grupo Quilombhoje de São Paulo.
As primeiras obras individuais de Evaristo, ‘Ponciá Vicêncio’ (2003) e ‘Becos da Memória’ (2006), lançadas pela Mazza Edições, abriram caminho para uma prolífica carreira literária. Posteriormente, ‘Poemas da Recordação e outros movimentos’ (2008) e ‘Insubmissas lágrimas de mulheres’ (2011) foram publicadas pela Editora Nandyala, ambas sediadas em Belo Horizonte.
Com obras reeditadas, Maria da Conceição Evaristo ostenta uma lista de publicações, incluindo ‘Olhos d’água’ (Pallas), ‘História de Leves Enganos e Parecenças’ (Malê), ‘Canção para Ninar Menino Grande’ (Pallas) e ‘Macabéa: flor de Mulungu’ (Oficina Raquel), destacando-se por sua contribuição à literatura afro-brasileira contemporânea.
Internacionalmente reconhecida, Evaristo participou de diversas antologias em países como Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos, África do Sul, entre outros. Sua obra, que abrange poesias, contos, romances e ensaios, transcende fronteiras, sendo traduzida para o inglês, francês, árabe, espanhol, eslovaco e italiano.
A autora acumula prêmios ao longo de sua carreira, destacando-se o Prêmio Jabuti em 2015 na categoria contos e crônicas pelo livro ‘Olhos D’água’. Em 2017, recebeu o Prêmio Cláudia na categoria Cultura, seguido pelo Prêmio Revista Bravo em 2018, reconhecendo seu destaque na literatura brasileira.
O ano de 2019 foi marcado pela consagração de Evaristo como a grande homenageada do 61° Prêmio Jabuti como personalidade literária. Seu legado foi ainda mais reconhecido em 2023, ao receber o Prêmio Juca Pato como Intelectual do Ano e o prêmio Elo no Festival Internacional das Artes de Língua Portuguesa, solidificando seu papel como uma figura influente nas letras brasileiras e além.