Bebês levados para a adoção em 2024 ultrapassam o acumulado de 2023
Programa Entrega Legal para Adoção completa quatro anos neste mês de julho de 2024.
Quando falamos sobre a gravizez e a gestação, o imaginário coletivo se volta à mulher que escolheu levar aquela bebê até a sua vida, ou até mesmo que ela foi escolhida pelos céus para cumprir essa função. E consequentemente, é visualizado uma mãe feliz de ter tido a criança apenas pelo fato de ser uma mulher com o seu “instinto materno”. Contudo, a realidade nem sempre condiz com a imaginação.
A Capital está recheada de possíveis mães que não podem ou até mesmo não querem cumprir a função materna. E para isso não há um estereótipo concreto de onde essas mulheres vieram nem de uma solução fácil uma vez que o aborto ainda não é plenamente legalizado. Como diz a pedagoga do Juizado da Infância e Juventude de Goiânia, Odete Janot, para o jornal O HOJE, são muitos os motivos que levam uma mulher a pôr o próprio filho para a adoção, e nenhum deles é simples. Sobre isso, foi apurado pela equipe de reportagem com dados do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) que entre janeiro e começo de junho de 2024 ocorreram 14 entregas de bebês para a adoção em Goiânia. Este número foi maior do que o levantado no ano inteiro de 2023 com 12 recém nascidos levados para a adoção.
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Para Odete, que integra a equipe interdisciplinar do juizado, também não existe um motivo certo para ser apontado que causou um aumento. Lembrou, inclusive, que a entrega do bebê é a última etapa de um longo processo legal e que muitas mulheres ainda desistem durante a tramitação. “São muitos motivos que podem levar a uma entrega, mas muitas vezes essas mulheres são abandonadas do pai da criança, da família e do próprio Estado. Ou até mesmo tem aquela mulher que não quer exercer a maternidade por um motivo pessoal, e isso é o direito dela”.
Tudo isso faz parte do programa Entrega Legal para Adoção do TJ-GO, lançado em 2020 e que completa quatro anos neste mês de julho, e tem como objetivo garantir os direitos básicos de uma criança recém nascida. O motivo por trás deste programa é pela constatação de casos de abandono de uma criança por pais e mães desamparados, que mesmo exercendo os papeis como genitores, não conseguem suprir as necessidades básicas.
Por causa disso, o judiciário abriu as portas para essas mulheres e lhe deu uma segunda opção: uma em que ela não fica com a criança mas a oferece para o outro para que ela tenha o que genitora não consegue oferecer. Já a pedagoga Lilian Adriana está fazendo juntamente isso para a sua filha adotiva Clarice de poucos menos de dois anos de vida. Mas a história de como ela chegou até Lilian é uma história longa e repleta de reviravoltas, e talvez, uma “gestação” de décadas no aguardo.
Há dez anos entrou em contato com o juizado junto ao seu marido Ruimar para se inscrever no programa de país que querem adotar uma criança. Depois de muitos questionários e entrevistas, eles entraram na fila de espera junto a centenas de outros pretendentes para a próxima adoção. Dali foram mais nove anos de espera de uma ligação que poderia unir duas metades. Afinal, a vontade de Lilian era ter uma família, algo que não poderiam naturalmente, mas que hoje já alcançaram com a pequena Clarice.
Como fala, a espera foi longa e com algumas dúvidas no meio do caminho, mas no final, a vontade e esperança de ter uma família prevaleceram. “Foi uma gestação de dez anos, tinha momentos que eu não sabia se íamos ser escolhidos. Em um destes momentos confessei para uma amiga que estava com o coração sossegado de ser mãe. Mas duas semanas depois disso eles me ligaram avisando que um bebê estava disponível para adoção e contamos que ainda queríamos ela”, contou enquanto lembrava da jornada.
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Naquela época, a bebê Clarice tinha apenas dois meses de vida e para Lilian não foi tão diferente de segurar uma filha biológica. Apesar de todo o amor que demonstra abertamente para Clarice, ela comenta como ainda recebe comentários preconceituosos, demonstrando um apego da sociedade ao imaginário do que uma mãe deveria ser. “De vez em quando recebemos perguntas do tipo: ‘tadinha, porque a mãe abandonou ela?’ Mas eu falo: ‘ninguém a abandonou, eu sou a mãe e estou aqui com ela’”.
Uma adoção legal e a esperança de uma nova família
Como Odete afirmou, a Entrega Legal surgiu para dar oportunidade para as mães que não têm um amparo ou suporte para prover o filho. Este processo, assim como o da adoção, é protegido por Lei e qualquer mulher que escolha essa alternativa pode solicitar dentro do juizado. Ali dentro, terá um acolhimento e acompanhamento com uma equipe interdisciplinar para orientá-la dos seus direitos e de como proceder.
Além disso, será acompanhada por um outra equipe psicossocial para que possa ter o apoio do processo. “Explicamos o direito dela e da criança. Explicamos todo o processo e como a mulher pode optar por desistir da entrega mesmo após ter dado início dele aqui no juizado”. Também, depois que o bebê nascer, a mãe terá mais uma chance de ficar ou não com a criança.
Se ainda optar pela entrega, ela terá de participar de uma audiência de consentimento em que ela permitirá colocar seu filho legalmente para a adoção perante o juiz, promotor e defensor público. A partir da decisão é extinto o poder familiar e o bebê será encaminhado para uma casa de acolhimento de organizações não governamentais com parceria do juizado. Enquanto isso, o juizado decidirá qual família será encaminhada baseado na fila de espera dos pretendentes que querem adotar.
Essa ação veio também como uma alternativa ao aborto que ainda não é plenamente legalizado por lei. Como foi divulgado pelo jornal O HOJE, no Hospital Estadual da Mulher Dr. Jurandir do Nascimento (Hemu) já fez 1324 operações de aborto legal no Ambulatório de Apoio às Vítimas de Violência Sexual. O Hemu é a única unidade de saúde pública em Goiás com capacitação para o procedimento no Estado. Por enquanto, só é ofertado o processo para três casos: gravidez resultante de estupro, risco à vida da mulher e feto anencefálico. (Especial para O Hoje)