Palavras perdidas, sentimentos mudos: a realidade das pessoas com afasia
É um distúrbio de linguagem decorrente de lesões cerebrais específicas, como AVC ou trauma cranioencefálico, que afeta tanto a capacidade de compreensão quanto a expressão verbal.
Em março de 2011, um grave acidente de carro transformou completamente a vida de Izaura de Andrade Naziozeno, então com 35 anos. O trauma resultou em um traumatismo cranioencefálico (TCE) severo, que exigiu uma craniotomia de emergência para drenagem de hematoma. No entanto, o que se seguiu foram semanas de complicações médicas intensas, desafiando não apenas a sobrevivência física de Izaura, mas também sua capacidade de recuperação e reabilitação.
Nos primeiros sete dias de internação, Izaura enfrentou uma série de desafios críticos. Desenvolveu pneumonia, seguido por choque séptico e hipertensão intracraniana grave, levando os médicos a realizar uma craniectomia descompressiva de emergência para aliviar a pressão no cérebro. O estado de coma que se seguiu foi o início de uma longa e árdua jornada de tratamento intensivo.
Foram 100 dias de luta na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde Izaura não só enfrentou duas vezes o choque séptico, mas também foi confrontada com insuficiência renal aguda, necessitando de múltiplas sessões de diálise para manter seus rins funcionando. Apesar de cada dia representar uma batalha contra a morte, Izaura perseverou.
No entanto, assim que começou a se recuperar o suficiente para ser transferida para o quarto, novos desafios surgiram. Crises recorrentes de broncoespasmo revelaram uma estenose severa na traqueia e no brônquio direito, obrigando-a a retornar repetidas vezes à UTI para suporte respiratório através de entubação. Procedimentos de dilatação da traqueia foram realizados repetidamente na tentativa de estabilizar sua condição respiratória.
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Em setembro daquele ano, após meses de cuidados intensivos, Izaura foi encaminhada ao Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo (CRER), em Goiânia, para iniciar o longo caminho da reabilitação física e neurológica. Contudo, as crises de broncoespasmo persistiram, o que exigiu uma mudança para São Paulo, onde um tubo traqueal de Montgomery foi implantado para melhorar a ventilação e facilitar o tratamento.
Retornando ao CRER, Izaura iniciou um processo gradual de reabilitação, enfrentando desafios significativos como tetraparesia espástica e afasia. O apoio constante de sua família e a equipe médica tornaram-se fundamentais enquanto lutava para recuperar funções básicas e se adaptar a uma nova realidade física.
Após aproximadamente cinco meses na UTI e três meses em enfermaria, Izaura finalmente pôde retornar ao lar, marcando o início de uma fase intensiva de reabilitação domiciliar. Aos poucos, ela começou a mostrar sinais encorajadores de progresso. Passou de uma condição inicial onde só podia movimentar os olhos para aprender a usar um iPad como meio de comunicação, conectando-se com amigos e familiares e expressando suas necessidades e desejos.
“É um processo lento”, diz sua mãe, Maria Nunes de Andrade Naziozeno. “Ela sabe o que quer dizer, mas enfrenta muitas dificuldades com palavras mais complexas.” A fala ainda é um desafio, assim como a mobilidade, que a obriga a depender de um andador para se locomover. Apesar das previsões sombrias dos médicos que inicialmente duvidavam de sua capacidade de recuperação, Izaura continua a desafiar as expectativas e a progredir em sua jornada de reabilitação.
“A gente nunca aceitou que ela só ia vegetar”, reflete sua família. “Desde que saiu do hospital, cuidamos dela com muito amor e dedicação.” Izaura encontra felicidade nas pequenas vitórias diárias e no apoio inabalável de seus entes queridos.
Afasia e os desafios na vida dos portadores
No campo da neurologia, a afasia representa um desafio significativo na vida de milhares de pessoas em todo o mundo. Definida como um distúrbio de linguagem decorrente de lesões cerebrais específicas, como AVC ou trauma cranioencefálico, a afasia pode se manifestar de diferentes formas, afetando tanto a capacidade de compreensão quanto a expressão verbal.
Juliana Cunha Cananeia, fonoaudióloga especializada em Reabilitação Neuropsicológica e Neurofuncional, destaca que a afasia ocorre quando áreas cruciais do cérebro responsáveis pelo processamento da linguagem são lesionadas. “Os HUBS cerebrais, ou regiões que integram e comunicam informações entre diversas partes do cérebro, desempenham um papel fundamental. Lesões nessas áreas podem resultar em dificuldades severas na comunicação”, explica.
Existem diferentes tipos de afasia, cada qual com características distintas. A afasia de expressão, por exemplo, dificulta a articulação de palavras, enquanto a afasia de compreensão compromete a capacidade de entender a linguagem falada. “É crucial entender que essas diferenças estão diretamente ligadas à localização e extensão das lesões nos HUBS cerebrais”, ressalta a fonoaudióloga.
O impacto da afasia vai além das limitações físicas, influenciando profundamente a vida social e profissional dos afetados. “A sociedade muitas vezes não está preparada para lidar com essa forma de comunicação não verbal. Pacientes com afasia frequentemente enfrentam estigmas e dificuldades para se reintegrar ao convívio social e ao mercado de trabalho”, lamenta a especialista.
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Para enfrentar esses desafios, Cananeia enfatiza a importância da comunicação alternativa e aumentativa, que utiliza recursos como gestos, expressões faciais, escrita e tecnologia assistiva para facilitar a interação. “Esses métodos podem ser extremamente eficazes para permitir que os pacientes com afasia se expressem e sejam compreendidos”, destaca.
No Brasil, onde o AVC é uma das principais causas de morbidade e mortalidade, a incidência de afasia pós-lesão cerebral é significativa. “Apenas uma minoria dos pacientes com afasia consegue recuperar plenamente suas habilidades linguísticas. É fundamental investir em programas de reabilitação intensivos e na sensibilização da sociedade para promover uma inclusão mais efetiva”, conclui Cananeia. (Especial para O Hoje)