Como a tecnologia pode limitar a criatividade de crianças e adolescentes
Uma pesquisa do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) mostra que 54,3% dos estudantes de 15 anos no Brasil apresentaram um baixo desempenho ao tentar resolver problemas científicos e sociais
Recentemente, uma pesquisa do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), conduzida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), revelou dados preocupantes sobre o nível de criatividade dos alunos brasileiros.
Segundo o estudo, 54,3% dos estudantes de 15 anos no Brasil apresentaram um baixo desempenho ao tentar resolver problemas científicos e sociais. Este dado coloca em evidência uma questão crucial para o futuro educacional do país: como desenvolver a criatividade entre os jovens brasileiros?
Andréia Macedo, psicopedagoga, destaca que o problema não se restringe a um único fator, mas sim a uma série de desafios enfrentados pelo sistema educacional brasileiro. Entre eles, a falta de estímulos adequados à criatividade desde as séries iniciais. “É multifatorial. Não podemos atribuir a culpa apenas à estrutura escolar, mas também a questões como estresse e métodos educacionais que podem ser mais repressores do que estimulantes”, explica Andréia.
A influência da tecnologia e a necessidade de estratégias inovadoras
Além disso, a crescente presença da tecnologia na vida das crianças brasileiras também é motivo de preocupação. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que 84,9% das crianças estão conectadas à internet e mais da metade delas já possuem celular. Especialistas alertam para os efeitos negativos dessa exposição precoce ao digital, que pode limitar experiências fundamentais para o desenvolvimento da criatividade, como o tempo livre e a exploração criativa.
A psicopedagoga destaca que o uso inadequado da internet tira algo muito importante para todo ser humano. “Nos tira do ósseo, nos tira do não fazer nada. O não fazer nada é extremamente importante”, afirma, ao enfatizar que a criatividade surge na maioria das vezes quando estamos sem fazer nada.
“As grandes invenções humanas foram feitas com tentativas onde a pessoa colocava a mão na massa. O avião foi criado porque foram feitas várias tentativas”, comenta, ao salientar que as mídias digitais muitas vezes nos levam para um modo mais passivo da vida, onde só observamos o outro viver.
Diante desse cenário desafiador, surge a necessidade de estratégias inovadoras e reformas educacionais que promovam não apenas o conhecimento acadêmico, mas também habilidades essenciais para o século XXI, como criatividade, pensamento crítico e colaboração. Michelle Simões, gerente de Educação Profissional e Tecnológica da Secretaria de Estado de Desenvolvimento e Inovação de Goiás, propõe uma abordagem que integre tecnologia e arte no processo de aprendizagem.
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“É fundamental que as escolas adotem metodologias ativas que envolvam os alunos em atividades práticas e desafiadoras, como a resolução de problemas. Isso não apenas estimula a criatividade, mas também desenvolve competências socioemocionais importantes”, afirma Michelle. Segundo ela, é necessário repensar a formação de professores e investir em recursos que incentivem a experimentação e a inovação dentro das salas de aula.
A pesquisa do Pisa, que comparou o desempenho de estudantes de 64 países, colocou o Brasil em 49º lugar no ranking global. A pesquisa focou na capacidade dos alunos de se envolverem produtivamente na geração, avaliação e aprimoramento de ideias que possam resultar em soluções inovadoras e expressões impactantes da imaginação.
Comparação global e a importância do pensamento criativo
Singapura liderou o ranking global com impressionantes 41 pontos, superando a média de 33 pontos entre os países membros da OCDE. Além de Singapura, outros países também se destacaram acima da média global. Coreia e Canadá obtiveram 38 pontos cada, seguidos por Austrália com 37 pontos. Nova Zelândia, Estônia e Finlândia compartilham a posição com 36 pontos cada, enquanto Dinamarca, Letônia e Bélgica alcançaram 35 pontos. Polônia e Portugal fecham o grupo com 34 pontos, demonstrando um desempenho significativo na promoção do pensamento criativo dentro do currículo escolar.
O estudo da OCDE ressalta a importância de incluir habilidades de pensamento criativo nos currículos educacionais, preparando os jovens para enfrentar os desafios complexos e dinâmicos do mundo contemporâneo. Singapura, com seu modelo educacional reconhecido mundialmente, emerge como um exemplo de sucesso na promoção de competências essenciais para a inovação e o progresso socioeconômico.
O resultado, segundo as especialistas, evidencia a urgência de políticas públicas eficazes e investimentos consistentes na educação para garantir que os jovens brasileiros estejam preparados para enfrentar os desafios futuros.
Além disso, destacam que a criatividade não é apenas uma habilidade individual; é uma competência que impulsiona a inovação e o desenvolvimento socioeconômico de uma nação.
Estímulo à criatividade são cruciais no desenvolvimento de crianças e adolescentes
A psicopedagoga Andréia Macedo enfatiza a importância do estímulo no desenvolvimento cerebral de jovens, destacando que, cientificamente, seus cérebros possuem um potencial significativo que precisa ser adequadamente nutrido. “Muitas vezes, apenas existir não é suficiente para o desenvolvimento; é necessário estimular, extrair e mostrar”, afirma. Segundo ela, a falta de estímulo pode limitar o potencial criativo das pessoas, um aspecto fundamental para o crescimento pessoal e profissional.
Ao falar sobre a pesquisa do Pisa, Andréia argumenta que o medo e a ansiedade associados a provas escolares são um tabu no Brasil, podendo impactar negativamente o desempenho dos alunos e sua capacidade criativa. “É essencial estimular constantemente os jovens para obter resultados positivos”, ressalta.
Ela destaca a diversidade cultural do país como um fator influente: algumas regiões são mais propensas a incentivar certos tipos de criatividade, como o humor no Nordeste e o artesanato em diversas localidades.
“É importante permitir espaço para erros”, acrescenta Michelle Simões, enfatizando que o processo de desenvolvimento não se resume a acertos constantes. “Errar é parte do aprendizado e deve ser encarado como tal, não como punição”, complementa. Ela destaca que o tipo de estímulo dado aos alunos é crucial para moldar seu crescimento criativo.
Ambas profissionais concordam que a criatividade é uma habilidade inata, porém pode ser fortalecida ou suprimida ao longo da vida, dependendo do ambiente e das oportunidades oferecidas. “Um ambiente repressor pode impedir o florescimento do potencial criativo de uma criança ou adolescente”, conclui Andréia. (Especial para O Hoje)