‘O Conto da Bixa’: Um mergulho na vivência trans
Curta-metragem de Stella de Eros convida o público a se conectar intimamente com as lutas e belezas da comunidade LGBTQIA+
A estreia de ‘O Conto da Bixa’ marcou um momento muito importante para a comunidade LGBTQIA+ em Goiânia. O filme, dirigido por Karvalio e estrelado por Stella de Eros, conta uma história de resistência, autodescoberta e transformação. A produção, que inicialmente foi concebida como um videodança, evoluiu para um filme poderoso, repleto de simbolismo e beleza, que aborda as complexas relações familiares e as questões de identidade de gênero.
Ao longo de seus 11 minutos, a obra nos convida a adentrar o universo íntimo de uma pessoa trans, explorando temas como violência, preconceito, identidade e a beleza da cultura Ballroom. Mas essa não é apenas uma história fictícia – é a própria jornada de Stella de Eros, uma cineasta e artista trans que decidiu transformar suas vivências em arte.
“O que me motivou foi o fato de eu ter sofrido muitas agressões dentro do contexto familiar e eu queria denunciar essas agressões e isso me motivou a deixar O Conto da Bixa mais complexo. No momento eu estava com muita raiva, me sentindo muito magoada com tudo que eu tinha vivido”, revela Stella.
O processo de produção do filme também foi marcado por momentos intensos e emocionalmente desafiadores. Ela relata que o primeiro dia de filmagem, em que ela atuou e performou de forma muito pessoal e vulnerável, foi particularmente impactante.
“A gente gravou esse filme em dois dias, o primeiro dia foi muito profundo, porque eu nunca tinha feito nada que fosse parecido. Estar na câmera, atuando… Então eu decidi girar uma chave, e aí o primeiro dia foi uma performance do começo ao fim”.
Nessa sequência, Stella se viu nua, amarrada com fitas, em uma cena que ela descreve como claustrofóbica e muito dolorosa fisicamente. Mas esse momento de entrega total foi fundamental para que ela pudesse transmitir a essência de sua vivência no filme.
Laços e conexões pessoais no elenco
No filme, a presença de Pietra Laroyê e Carpa é emblemática. Pietra, uma das primeiras travestis que conheceu em Goiânia, representou uma possibilidade de vida e realização pessoal. “Quando a vi, pensei: é possibilidade de vida, essa gata é produtora, ela é artista, ela faz altas coisas e isso quebrou coisas dentro de mim,” diz Stella. Já Carpa, seu irmão de vida e de rua, é um pilar de apoio constante. “Ele montou a Casa Dionisi comigo, e depois disso a gente nunca se desgrudou. É uma pessoa que sempre me protegeu, sempre apoiou os meus corres, as minhas ideias,” conta. A presença de sua mãe no filme também é significativa, apesar das relações complexas e violentas que enfrentaram, elas estão trabalhando para melhorar essa relação.
Construção e direção do filme
O processo de criação do filme envolveu uma conexão especial entre Stella de Eros e Karvalio. Conheceram-se na Magia Ball em 2019, e a habilidade de Karvalio em capturar a essência dos eventos encantou Stella. Quando surgiu a oportunidade de realizar o projeto com a verba do Edital 08/2021 Secult Go – Dança Lei Aldir Blanc 2021, ela não hesitou em chamar Karvalio para a captação de imagem.
Inicialmente pensado como um videodança simples, o projeto evoluiu para algo mais profundo. “O filme precisava de uma direção, precisava de quem compreendesse as etapas, fizesse a montagem,” relata. Karvalio trouxe sua visão para o projeto, adicionando música e conectando simbolismos, tornando o filme uma obra coesa e impactante.
Desafios e transformações
O processo de criação não foi fácil. Stella enfrentou momentos de desconforto e situações tensas com sua mãe. “Foi demorado para eu acessar o filme, toda vez que eu o acessava, era um local de muito desconforto pra mim,” explica. Mas com a ajuda de amigos como Jhey Matos (figurino), Astra Barbosah (maquiagem) e Nix (direção de arte), ela conseguiu dar vida à sua visão. “Na hora de filmar, entendemos que o filme precisava de uma direção, precisava de quem compreendesse as etapas, fizesse a montagem,” complementa.
O filme também aborda a violência familiar e a transgressão dessa violência. Durante as gravações, Stella decidiu incluir áudios de sua mãe, que expressavam uma relação de conflito e rejeição. “Eu decidi que esses áudios iriam pro filme. O filme também é uma denúncia à violência que a gente sofre dentro das famílias,” declara. Essa inclusão trouxe uma camada adicional de realidade e emoção ao filme.
A repercussão e futuro
Durante a exibição do filme, no dia 9 de julho, Stella vivenciou um momento marcante que ilustra o potencial da obra. Uma senhora idosa, que provavelmente teve pouco contato com pessoas trans, chegou até ela emocionada, dizendo que o filme a havia atravessado de forma profunda e que ela iria lembrar daquela experiência para sempre.
“Para mim isso vale muito, eu acho que o filme não tem obrigação de executar isso, mas ele cumpre um papel social. Tocar no coração das pessoas”, finaliza.
A estreia que aconteceu foi um sucesso, emocionando o público e destacando-se pela sua profundidade e beleza estética. O filme não é apenas uma denúncia da violência sofrida pelas pessoas LGBTQIA+, mas também uma celebração da beleza, potência e resiliência dessas comunidades.
Para aqueles que perderam a estreia, as próximas sessões serão anunciadas no Instagram oficial do filme (@ocontodabixafilme @outcyber__).