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sexta-feira, 8 de novembro de 2024
Crônica

Silêncio do dia seguinte à tragédia do voo 2283 do bimotor ATR-72

Tragédia que chocou o Brasil deixou um rasgo no coração de familiares, amigos e testemunhas

Postado em 10 de agosto de 2024 por Yago Sales
2283
Aeronave destruída. Foto: Secretaria de Segurança Pública de São Paulo

Esta é uma crônica-reportagem. Conteúdo sensível. 

Um voo: 2283. Uma escala: Cascavel, Paraná, até Guarulhos, São Paulo. Às 11h46, sexta-feira, dia 9, 58 passageiros entram na aeronave acompanhados da tripulação com quatro funcionários. Quase uma hora e meia depois, às 13h20, o inimaginável. O roteiro trágico terminou em Vinhedo, com a queda da aeronave: 62 pessoas morreram. 

Um avião, meu Deus do céu, vai cair, meu Deus, misericórdia, vai cair, vai cair. Zumbido. A aeronave rodopiando a quatro mil metros de altura a 440 km/h. O avião é vulnerável, gemendo, tentando encontrar estabilidade. Olha lá, vai cair. Corre. Não deixa cair, Jesus, não deixa. 

Inimaginável o rosto sorridente das fotografias do comandante da aeronave Danilo Santos Romano, de 35 anos, contorcido de horror. Sem controle. Com o medo ligado ao copiloto Humberto Campos Alencar e Silva, 61, o jeito é tentar se comunicar à torre de controle. Silêncio. Lá atrás, sem saber o que fazer, se em pé ou sentadas, pedindo calma, rezando, ou gritando, ou em silêncio, as comissárias de bordo Debora Soper Avila, 28, e Rubia Silva de Lima, 41. 

Um trambolho de 27 metros de comprimento e treze mil quilos, carregando 61 vidas presas às poltronas, ouvindo o barulho do sistema pipipipipi, luzes vermelhas, ou desligadas, descendo, em queda livre. O celular apontado pelo morador perde o avião do foco. Meu Deus, caiu, caiu, corre, caiu. O fogo. A explosão. O borrão preto ilustra o cenário de destruição, caos, estalos e gritos ao longe. 

O cheiro de querosene. Corre, tem gente viva. Não tem.

Nenhum grito no meio do bimotor ATR-72. Nenhum grito. Um silêncio entrecortado pela interrogação rasgando o peito dos vizinhos atônitos. Rasgando o peito do prefeito. Do governador. Do presidente. Do pai, da mãe, do irmão, do filho. Do paciente. Do aluno. Do colega de sala de aula, da empresa. Do sócio.  

Sábado, dia 10 de agosto. Amanhece um Brasil mais triste. Acinzentado. A bandeira verde e amarela a meio mastro. Técnicos passaram a noite montando o que restou dos fragmentos de uma viagem interrompida. Corpos encontrados, caixa preta no caminhão do Cenipa. A imprensa de longe, documentando.  

Sábado às vésperas do Dia dos Pais sem a filha, sem o filho.

Sem o pai. 

Arianne Albuquerque Estevan Risso e Mariana Comiran Belim não vão mais voltar a dizer, aos pacientes no Hospital do Câncer de Cascavel, que tudo passa. O tratamento logo passa. Vem, vamos, levanta, quero aferir essa temperatura. Vamos. A vida continua. O que é um câncer, afinal, venha, vamos. Silêncio no hospital. 

Silêncio no pódio. Quem vai admirar as medalhas de Daniela Schulz Fodra, a fisiculturista abrilhantada pelo esporte e apaixonada pelo  marido Hiales Carpine Fodra? Silêncio na viatura da Polícia Rodoviária Federal, onde Hiales era considerado um exímio policial. 

Leia mais: Divulgada lista de vítimas de queda de avião em Vinhedo

Quando se casaram foi uma barulheira. Prometeram viver juntos, ter filhos. E tiveram três. Nélvio José Hubner e Gracinda Marina Castelo da Silva. Agora sobrou o abismo no coração dos jovens. Silêncio também na prefeitura de Toledo, no Paraná, onde Nélvio era a voz jurídica. Procurador do município, sabia tudo. Quando voltar de férias, alunos de Engenharia Química da Universidade Tecnológica Federal do Paraná não vão ter aulas de Gracinda. 

E que silêncio invasivo. A mesma unidade educacional perdeu outras nove pessoas ligadas a ela. Raquel Ribeiro Moreira, professora da área de Letras, e seu esposo Adriano Daluca Bueno. Deonir Secco, esposo da professora Araceli Ciotti de Marins; Maria Auxiliadora Vaz de Arruda e José Cloves de Arruda, pais da professora Priscila Vaz de Arruda; Simone Mirian Rizental, tia do professor Fabio Rizental Coutinho; e Hadassa Maria da Silva, ex-aluna do curso técnico em Mecânica do Campus Cornélio Procópio. Ela trabalhava em uma empresa da cidade. 

A jovem Hadassa estava com o namorado Leonardo Henrique da Silva. Ele cursava educação física no Centro Universitário da Fundação Assis Gurgacz. 

Eterno Dia dos Pais

Silêncio na casa da mamãe da Liz Ibba, uma meninazinha de apenas 3 anos. A barulhenta e sorridente menina ia toda feliz com o papai, o programador Rafael Fernando dos Santos, de 41 anos, para passar o Dia dos Pais com ele em Santa Catarina. A mãe da menina, a jornalista e pianista Adriana Ibba, com quem Rafael dividia a guarda, escreveu sobre a tragédia: “Dia frio e sem sorriso”. 

Quais palavras dá pra usar ao tentar descrever como foi para a jornalista Adriana olhar para a espessa camada de espumas, parecidas com as nuvens que devem ter feito os olhos de Liz brilharem lá no céu, ao redor do avião? As espumas nada tinham a ver com as espumas do banho de casa. São cenas que evocam à memória de mãe. De mãe e seu luto. Como está a Lis, manda uma foto dela, manda, ela está com frio, com medo? A menina aparece, mostrando as unhas pintadas, sorriso cerrado. Era o último olhar.

A interrogação é como uma estaca. Uma estaca pontiaguda, que adentra o coração da mãe que, como qualquer outra mãe, procura a filha nas fotografias, nos escombros de uma tragédia.

Rafael buscou a filha Liz para o Dia dos Pais

 

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