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quarta-feira, 28 de agosto de 2024
arte contemporânea

A harmonia entre o presente e o eterno

Exposição ‘Ichi-go Ichi-e: entre a tela e a espada’, realiza um diálogo entre a arte contemporânea e as artes tradicionais dos samurais japoneses

Postado em 28 de agosto de 2024 por Luana Avelar
O termo ‘Ichi-go Ichi-e’ é um conceito japonês, que pode ser traduzido como ‘um encontro, uma oportunidade’. | Foto: Divulgação

Com o objetivo de fazer um convite para viver plenamente no presente, apreciar a beleza e a singularidade de cada encontro, a exposição ‘Ichi-go Ichi-e: entre a tela e a espada’, que realiza um diálogo entre a arte contemporânea e as artes tradicionais dos samurais japoneses, acontece até o dia 30 de setembro, de quarta a domingo, das 10h às 18h, na Escola Aizu Honbu Gakko de Goiânia, com entrada gratuita.

O termo ‘Ichi-go Ichi-e’ é um conceito japonês, que pode ser traduzido como ‘um encontro, uma oportunidade’. Cada encontro é único e irrepetível, devendo ser valorizado e apreciado como tal. Em um mundo onde, frequentemente, as pessoas estão distraídas por inúmeras tarefas e pensamentos, ‘Ichi-go Ichi-e’ serve como um lembrete para desacelerar e estar no aqui e agora.

Esse conceito que guia a pesquisa dos artistas, surgiu em uma reflexão sobre suas experimentações, onde logo perceberam que ao lançar um corte sobre a tela, não havia volta, não havia correção, era um deixar ser e fruir, estar ali e naquele momento único em que a tela e a espada se encontravam. 

Tendo como referência a série Concepto Spazialle de Lucio Fontana, a pintura caligráfica de Fabienne Verdier e a action painting de Kazuo Shiraga, a mostra composta por 19 obras. Conta com direção artística e produção executiva de Rafael Abdala e a colaboração criativa de Bruno Alcântara, e apresenta um conjunto de técnicas singulares, mas que exploram os lindos conceitos da ‘arte zen’, das técnicas e filosofias  dos samurais e o rico vocabulário pictórico dos artistas. 

“Todas exploram o abstracionismo zen, com imagens que por vezes duvidamos serem acidentais ou plenamente controladas. É essa reverência aos materiais e ao corte que se tornam prementes em cada trabalho. Como em um jardim zen, a expografia nos apresenta uma grande paisagem. Mas no olhar de um mestre zen sobre o jardim, cada coisa é nada mais ou menos que ela mesma, cuja observação deve ser feita no estado e tempo presente. Quando você tenta significar demais a posição de uma pedra no jardim zen, você deixa de observar a pedra pelo que ela é”, diz Rafael.

As telas, criadas através de cortes com a nihonto, incorporam a ideia de que cada golpe é irrepetível, resultado de uma combinação única de força, ângulo, velocidade e intenção. Essa abordagem se alinha com o conceito de ‘wabi-sabi’, que valoriza a beleza na imperfeição e na transitoriedade.

A espada, usada para cortar ou marcar a tela, resulta em uma obra que encapsula a essência do momento em que foi criada.  “A partir da perspectiva das artes visuais, conseguimos ressignificar o uso da espada, especialmente a espada do Aizu Muso Ryu. Esse estilo, tradicionalmente associado à marcialidade, é reinterpretado, transformando a espada em um instrumento de criação. Meu mestre, Kenjiro Lamarso, certa vez me disse que ficava emocionado com o projeto, pois estávamos transformando a espada, que historicamente é um símbolo de execução e morte, em um meio de expressão artística”, explica Abdala.

Criação e produção

“Em 2020, quando levei ao Sensei Kenjiro Misawa, meu interesse em iniciar uma pesquisa artística que conjugasse a pintura a espada, ele começou a me orientar sobre técnicas e instrumentos. Mas foi o Bruno Alcântara (Hogosha), que mergulhou no processo dessa pesquisa e criação comigo. Junto ao Bruno, criamos uma série de obras e exercícios de composição, envolvendo acrílica sobre tela e papel. Muitas vezes com massas pictóricas compostas com terra, cinzas, pó de mármore, tinta xadrez (que dá um lindo efeito metalizado ao papel), entre outros”, continua Rafael. 

Os cortes foram feitos nos rigores técnicos de um corte a partir de um saque de espada (movimentos do Iaijutsu) ou cortes de execução (nagashi kiri ou jumonji kiri). Em algumas obras o corte foi realizado antes da composição pictórica de cores e tintas. Em outras o corte é o estágio final da composição, sendo o último movimento realizado. 

Sobre a força pictórica das peças, vale observar que as técnicas de pintura utilizadas, muitas inspiradas na estética japonesa, trazem consigo essa mesma reverência aos materiais e suas formas únicas. Pelo mero derramamento, a mera gravidade ou gesto do lançamento da tinta, telas e papéis carregam cortes e gestos únicos de pintura. 

Construção das obras

A grande parte das telas não possuem títulos, devido à visão dos criadores de que esta primeira exposição tem mais o intuito de apresentar o conjunto de pensamentos envolvidos na construção das obras, do que destacar cada peça individualmente. 

Nesse esvaziamento conceitual, a intenção é proporcionar uma fruição que evidencia o material e a técnica. Às vezes, o conceito ou título pode interferir, canalizando a reflexão ou até esvaziando essa experiência. Cada obra pode ser introjetada como uma tela imersiva e abstrata. Criada através de um processo que simboliza a harmonia entre corte e pintura, espaço e percepção.

No entanto, algumas obras possuem título, como a primeira peça que se vê na exposição: ‘A Patsuka’. Para os artistas, esta obra funciona como uma epígrafe da exposição, a composição consiste em duas chapas de papel de alta gramatura, cada uma representando um dos artistas. Essas chapas foram cortadas e montadas juntas, simbolizando o encontro entre esses dois grandes criadores.

 

SERVIÇO

Exposição ‘Ichi-go Ichi-e: Entre a tela e a espada’

Quando: até 30 de setembro 

Onde: Av. C-12 esquina com C-53, Nº 56, Setor Sudoeste – Goiânia

Horário: 10h

Entrada gratuita

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