A relação da humanidade com o álcool
Estudo do historiador Mark Hailwood explora a evolução do consumo de bebidas alcoólicas e suas implicações culturais, religiosas e medicinais ao longo da história
O consumo de bebidas alcoólicas ao longo da história tem sido um fenômeno complexo, conforme destaca o historiador Mark Hailwood, professor da Universidade de Bristol, no Reino Unido. Para Hailwood, a relação da humanidade com o álcool vai muito além da simples socialização, abrangendo aspectos culturais, religiosos, medicinais e até alimentares.
Historicamente, o álcool desempenhou papéis diversos nas sociedades. Hailwood cita como exemplo os rituais religiosos, onde as bebidas alcoólicas são usadas como parte de práticas espirituais e cerimônias sagradas. O vinho no cristianismo é uma dessas manifestações, mas o historiador ressalta que outras religiões e culturas também utilizam substâncias intoxicantes para alcançar estados alterados de consciência e experiências espirituais.
Além do aspecto religioso, o álcool já foi amplamente utilizado em tratamentos médicos. Nos séculos 16 e 17, coquetéis eram frequentemente prescritos para tratar diversas doenças. Acreditava-se que bebidas como o gim tinham propriedades medicinais, sendo apelidadas de ‘aqua vitae’ ou ‘água da vida’. Essa função medicinal reflete uma época em que as opções terapêuticas eram limitadas, e o álcool oferecia uma forma de aliviar sintomas e proporcionar conforto aos doentes.
O álcool também teve um papel essencial como fonte de calorias e nutrientes em tempos passados. Antes da popularização do café e do chá no Hemisfério Norte e no Ocidente, cervejas eram frequentemente consumidas já no café da manhã, como uma forma de obter energia para enfrentar o dia. “No passado, as bebidas alcoólicas como a cerveja eram encaradas como um alimento ou uma forma de obter as calorias necessárias para trabalhar”, explica Hailwood. Ele acrescenta que, para muitos, a cerveja era uma alternativa mais palatável do que a água, que frequentemente estava contaminada em regiões sem saneamento básico.
Entretanto, Hailwood ressalta que a relação da humanidade com o álcool nunca foi linear. Diversos períodos históricos foram marcados por ondas de moralismo e proibicionismo, como a Lei Seca nos Estados Unidos, que impôs restrições severas ao consumo de bebidas alcoólicas no início do século 20. A dualidade em torno do álcool, entre seu papel cultural e a necessidade de controlar seu consumo, é algo que, segundo Hailwood, sempre esteve presente. “Por um lado, as bebidas são parte integral de muitas culturas e sociedades, que buscam formas de controlar o consumo delas. Por outro, esse mercado sempre foi uma fonte importante de lucros e arrecadação de impostos”, observa o historiador.
Nos dias atuais, ele nota uma mudança significativa nos hábitos de consumo, especialmente entre os jovens. Pesquisas mostram uma queda acentuada no consumo de álcool em diversos países. Um levantamento do Centro de Pesquisa em Políticas sobre Álcool da Universidade La Trobe, na Austrália, publicado em 2020, identificou uma tendência de redução do consumo entre adolescentes em 39 países. Na Noruega, Suécia e Lituânia, por exemplo, a diminuição ultrapassa os 50% nas últimas duas décadas. Na Islândia, a queda chega a 80%. Hailwood acredita que essa mudança está relacionada a uma maior preocupação com a saúde e à crescente disponibilidade de alternativas ao álcool para lazer e relaxamento.
Apesar dessa tendência de redução, o historiador alerta que o consumo de álcool tem passado por ciclos ao longo da história, com altos e baixos. As próximas gerações, segundo Hailwood, podem adotar um estilo de vida mais hedonista e retomar um consumo mais frequente de álcool, o que não seria surpreendente, dada a longa e complexa relação da humanidade com as bebidas alcoólicas. Encarar o álcool apenas como uma opção de lazer e socialização é, segundo ele, um fenômeno relativamente recente, e o futuro pode trazer novas transformações nessa dinâmica.