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sexta-feira, 22 de novembro de 2024
Emergência Ambiental

A queda de braço pela lei de combate a incêndios em Goiás

Enquanto TJGO vê inconstitucionalidade no texto aprovado pela Assembleia Legislativa, relator da matéria argumenta que, por se tratar de Direito Ambiental, Estado também pode legislar. Iniciativa é do Governo de Goiás

Postado em 12 de setembro de 2024 por Francisco Costa
Enquanto TJGO vê inconstitucionalidade no texto aprovado pela Assembleia Legislativa, relator da matéria argumenta que, por se tratar de Direito Ambiental, Estado também pode legislar. Iniciativa é do Governo de Goiás | Foto: Reprodução

A Assembleia Legislativa aprovou e o governo goiano publicou no Diário Oficial a mais nova lei de combate a incêndio em Goiás. O texto da governadoria institui a Política Estadual de Combate aos Incêndios Criminosos em Goiás e a criação do respectivo tipo penal, o que, segundo especialistas, não é de competência do Estado. O relator da matéria no Parlamento, deputado estadual Amilton Filho (MDB), contudo, sai em defesa da iniciativa ao afirmar que, por se tratar de Direito Ambiental, a situação estaria contemplada.

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) declarou a inconstitucionalidade de três artigos da lei – os demais trechos, vale destacar, seguem valendo. O colegiado acatou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pelo Ministério Público de Goiás (MPGO), na última quarta-feira (11). 

Na ADI, a Procuradoria-Geral de Justiça de Goiás cita que, ao criar tipos penais e estipular punições de reclusão entre quatro e dez anos para crimes de incêndio em áreas florestais, “a lei estadual invadiu a competência legislativa da União, conforme disposto no artigo 22, inciso I, da Constituição Federal, que reserva à União o poder exclusivo de legislar sobre direito penal”. O Jornal O Hoje procurou a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) para saber se o órgão vai recorrer. 

Análise técnica

Professor e advogado constitucionalista, Clodoaldo Moreira explica que os artigos do projeto, do 1º ao 15, tratam de políticas públicas de segurança e meio ambiente, estando dentro da competência estadual. “No entanto, o art. 10, que suspende benefícios concedidos pelo Estado aos infratores, pode ser questionado quanto à proporcionalidade e ao devido processo legal.” Além disso, ele argumenta que o artigo 16 cria um novo tipo penal, o que é inconstitucional, pois a competência para legislar sobre direito penal é privativa da União (art. 22, I, CF/88).

Prevê o artigo: “Provocar incêndio em florestas, matas, demais formas de vegetação, pastagens, lavouras ou outras culturas, durante a vigência de situação de emergência ambiental ou calamidade decretada, expondo a perigo a vida, a integridade física, o patrimônio público ou privado, a ordem pública e a coletividade: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 7 (sete) anos, e multa.”

O artigo 17, por sua vez, prevê que o crime previsto no art. 16 é inafiançável. Clodoaldo explica que a lei estadual também invade a competência da União para legislar sobre direito processual penal mais uma vez.  

Parágrafo único

Clodoaldo ainda cita outro erro, quando o artigo 16, em seu parágrafo único, prevê reclusão de dez anos. A situação ocorre em caso de morte resultante do incêndio e outras situações, como lesão corporal grave e mais.

“Tecnicamente esse dispositivo também é inconstitucional pelos seguintes fundamentos: rigidez da pena, que impede adequação às particularidades do caso; violação do sistema trifásico de aplicação da pena; possível desproporcionalidade na punição; e ofensa ao princípio da culpabilidade.”

Segundo ele, lembrando que a competência é da União, seria preciso estabelecer uma faixa de pena com mínimo e máxima, permitindo ao juiz aplicar a dosimetria adequada. “O Supremo Tribunal Federal já considerou inconstitucional lei semelhante que fixava pena em patamar único (ADI 4.414)”, argumentou.

“Novo tipo penal”

Ao detalhar, o constitucionalista diz que “o principal problema está no fato de que a lei estadual está criando um novo tipo penal no artigo 16 e estabelecendo regras processuais penais no artigo 17. Isso é uma clara invasão da competência legislativa da União, que tem competência privativa para legislar sobre direito penal e processual penal, conforme o artigo 22, inciso I, da Constituição Federal”.

Conforme Clodoaldo, o restante da lei, que trata principalmente de políticas públicas de segurança e meio ambiente, está, em geral, dentro da competência estadual. No entanto, algumas disposições específicas, como o artigo 10, que suspende benefícios concedidos pelo Estado aos infratores, podem ser questionadas quanto à proporcionalidade e ao respeito ao devido processo legal.

Questionado sobre as consequências, ele afirma que a inconstitucionalidade de uma lei pode levar à sua invalidação total ou parcial. “No caso específico, os artigos 16 e 17 são claramente inconstitucionais e não poderiam ser aplicados. Isso deixaria um vácuo na intenção original da lei de combater incêndios criminosos de forma mais rigorosa”, argumenta.

Defesa da lei

O deputado Amilton Filho (MDB) foi o relator do projeto aprovado na Assembleia e sancionado pelo governo de Goiás. Na defesa, ele argumenta que a Constituição Federal prevê que legislar sobre direito ambiental cabe de forma concorrente à União e aos Estados. 

“E nós entendemos que essa parte da pena está dentro da norma do direito ambiental, neste caso. Então, não haveria problema”, pontua. Amilton ainda endossa o projeto ao dizer que Goiás é um dos Estados com mais registros de queimadas no País. “Algo causa dano não só ao meio ambiente, mas também a saúde. Por isso, essa lei não é apenas legal e constitucional, mas oportuna”, diz ao reforçar a necessidade de frear as ocorrências de incêndios.

O Jornal O Hoje também procurou a Casa Civil para comentar sobre a constitucionalidade da lei. Até o fechamento não houve retorno.

400 incêndios

Somente no final de semana do dia 6 a 8 de setembro, Goiás registrou mais 400 de ocorrências de incêndios, conforme o Corpo de Bombeiros. A maioria ocorreu em áreas urbanas, o que foi o recorde do ano. Nas áreas rurais, os municípios com maior número de focos no período foram Mineiros, Portelândia e a Região da Chapada dos Veadeiros.

Ação

No caso de situações de inconstitucionalidade, é possível propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) perante o Supremo Tribunal Federal. Podem propor: o Procurador-Geral da República e do Estado, o Conselho Federal da OAB, partidos políticos com representação no Congresso Nacional, entre outros.

O Estado também pode reconhecer o erro e propor uma revisão da lei, conforme o constitucionalista Clodoaldo Moreira. Nesse caso, removendo os artigos inconstitucionais e adaptando outros pontos questionáveis. Para ele, “isso evitaria um possível constrangimento judicial e demonstraria responsabilidade legislativa”.

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