A queda de braço pela lei de combate a incêndios em Goiás
Enquanto TJGO vê inconstitucionalidade no texto aprovado pela Assembleia Legislativa, relator da matéria argumenta que, por se tratar de Direito Ambiental, Estado também pode legislar. Iniciativa é do Governo de Goiás
A Assembleia Legislativa aprovou e o governo goiano publicou no Diário Oficial a mais nova lei de combate a incêndio em Goiás. O texto da governadoria institui a Política Estadual de Combate aos Incêndios Criminosos em Goiás e a criação do respectivo tipo penal, o que, segundo especialistas, não é de competência do Estado. O relator da matéria no Parlamento, deputado estadual Amilton Filho (MDB), contudo, sai em defesa da iniciativa ao afirmar que, por se tratar de Direito Ambiental, a situação estaria contemplada.
O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) declarou a inconstitucionalidade de três artigos da lei – os demais trechos, vale destacar, seguem valendo. O colegiado acatou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pelo Ministério Público de Goiás (MPGO), na última quarta-feira (11).
Na ADI, a Procuradoria-Geral de Justiça de Goiás cita que, ao criar tipos penais e estipular punições de reclusão entre quatro e dez anos para crimes de incêndio em áreas florestais, “a lei estadual invadiu a competência legislativa da União, conforme disposto no artigo 22, inciso I, da Constituição Federal, que reserva à União o poder exclusivo de legislar sobre direito penal”. O Jornal O Hoje procurou a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) para saber se o órgão vai recorrer.
Análise técnica
Professor e advogado constitucionalista, Clodoaldo Moreira explica que os artigos do projeto, do 1º ao 15, tratam de políticas públicas de segurança e meio ambiente, estando dentro da competência estadual. “No entanto, o art. 10, que suspende benefícios concedidos pelo Estado aos infratores, pode ser questionado quanto à proporcionalidade e ao devido processo legal.” Além disso, ele argumenta que o artigo 16 cria um novo tipo penal, o que é inconstitucional, pois a competência para legislar sobre direito penal é privativa da União (art. 22, I, CF/88).
Prevê o artigo: “Provocar incêndio em florestas, matas, demais formas de vegetação, pastagens, lavouras ou outras culturas, durante a vigência de situação de emergência ambiental ou calamidade decretada, expondo a perigo a vida, a integridade física, o patrimônio público ou privado, a ordem pública e a coletividade: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 7 (sete) anos, e multa.”
O artigo 17, por sua vez, prevê que o crime previsto no art. 16 é inafiançável. Clodoaldo explica que a lei estadual também invade a competência da União para legislar sobre direito processual penal mais uma vez.
Parágrafo único
Clodoaldo ainda cita outro erro, quando o artigo 16, em seu parágrafo único, prevê reclusão de dez anos. A situação ocorre em caso de morte resultante do incêndio e outras situações, como lesão corporal grave e mais.
“Tecnicamente esse dispositivo também é inconstitucional pelos seguintes fundamentos: rigidez da pena, que impede adequação às particularidades do caso; violação do sistema trifásico de aplicação da pena; possível desproporcionalidade na punição; e ofensa ao princípio da culpabilidade.”
Segundo ele, lembrando que a competência é da União, seria preciso estabelecer uma faixa de pena com mínimo e máxima, permitindo ao juiz aplicar a dosimetria adequada. “O Supremo Tribunal Federal já considerou inconstitucional lei semelhante que fixava pena em patamar único (ADI 4.414)”, argumentou.
“Novo tipo penal”
Ao detalhar, o constitucionalista diz que “o principal problema está no fato de que a lei estadual está criando um novo tipo penal no artigo 16 e estabelecendo regras processuais penais no artigo 17. Isso é uma clara invasão da competência legislativa da União, que tem competência privativa para legislar sobre direito penal e processual penal, conforme o artigo 22, inciso I, da Constituição Federal”.
Conforme Clodoaldo, o restante da lei, que trata principalmente de políticas públicas de segurança e meio ambiente, está, em geral, dentro da competência estadual. No entanto, algumas disposições específicas, como o artigo 10, que suspende benefícios concedidos pelo Estado aos infratores, podem ser questionadas quanto à proporcionalidade e ao respeito ao devido processo legal.
Questionado sobre as consequências, ele afirma que a inconstitucionalidade de uma lei pode levar à sua invalidação total ou parcial. “No caso específico, os artigos 16 e 17 são claramente inconstitucionais e não poderiam ser aplicados. Isso deixaria um vácuo na intenção original da lei de combater incêndios criminosos de forma mais rigorosa”, argumenta.
Defesa da lei
O deputado Amilton Filho (MDB) foi o relator do projeto aprovado na Assembleia e sancionado pelo governo de Goiás. Na defesa, ele argumenta que a Constituição Federal prevê que legislar sobre direito ambiental cabe de forma concorrente à União e aos Estados.
“E nós entendemos que essa parte da pena está dentro da norma do direito ambiental, neste caso. Então, não haveria problema”, pontua. Amilton ainda endossa o projeto ao dizer que Goiás é um dos Estados com mais registros de queimadas no País. “Algo causa dano não só ao meio ambiente, mas também a saúde. Por isso, essa lei não é apenas legal e constitucional, mas oportuna”, diz ao reforçar a necessidade de frear as ocorrências de incêndios.
O Jornal O Hoje também procurou a Casa Civil para comentar sobre a constitucionalidade da lei. Até o fechamento não houve retorno.
400 incêndios
Somente no final de semana do dia 6 a 8 de setembro, Goiás registrou mais 400 de ocorrências de incêndios, conforme o Corpo de Bombeiros. A maioria ocorreu em áreas urbanas, o que foi o recorde do ano. Nas áreas rurais, os municípios com maior número de focos no período foram Mineiros, Portelândia e a Região da Chapada dos Veadeiros.
Ação
No caso de situações de inconstitucionalidade, é possível propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) perante o Supremo Tribunal Federal. Podem propor: o Procurador-Geral da República e do Estado, o Conselho Federal da OAB, partidos políticos com representação no Congresso Nacional, entre outros.
O Estado também pode reconhecer o erro e propor uma revisão da lei, conforme o constitucionalista Clodoaldo Moreira. Nesse caso, removendo os artigos inconstitucionais e adaptando outros pontos questionáveis. Para ele, “isso evitaria um possível constrangimento judicial e demonstraria responsabilidade legislativa”.