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quinta-feira, 17 de outubro de 2024
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Procedimento

Além das cicatrizes: mulher ressurge após ter 60% do corpo queimado

Edilaene Maria Pereira, hoje com 36 anos, tem uma vida marcada por um acidente com óleo quente de uma lamparina, que causou queimaduras extensas em seu corpo.

Postado em 17 de outubro de 2024 por Ronilma Pinheiro
Após anos de tratamento, Edilaene alcançou resultados significativos considera o dia do seu casamento como um final feliz da sua história. Foto: Arquivo pessoal

Natural de Abadia dos Dourados, Minas Gerais, e atualmente moradora de Aparecida de Goiânia, Edilaene Maria Pereira, hoje com 36 anos, tem uma vida marcada por uma tragédia que ocorreu quando tinha apenas dois anos. Um acidente com óleo quente de uma lamparina – objeto usado no interior quando não há luz elétrica -, que causou queimaduras extensas em seu corpo, afetando em torno de 60% da pele.

Desde aquela infância marcada pela dor, Edilaene trilhou um caminho repleto de desafios. As queimaduras não apenas impactaram sua saúde física, mas também a moldaram emocionalmente. A falta de autoestima e a luta pela aceitação tornaram-se constantes em sua vida, especialmente durante a adolescência, um período já difícil por si só. “Senti como se a minha aparência me isolasse do mundo. A aceitação era um grande medo”, confessa.

O processo de reconstrução da pele começou na adolescência, aos 16 anos, quando Edilaene conheceu Paulo Renato, um cirurgião plástico que atualmente trabalha no Hospital Albert Einstein de Goiânia, cuja sensibilidade e dedicação se tornaram fundamentais em sua jornada. “Ele não era apenas um médico, mas um verdadeiro acolhedor. O doutor Paulo se tornou um anjo na minha vida”, diz. A relação entre eles transcende a consulta médica; ele foi um mentor e uma figura paterna, sempre encorajando Edilaene em seus momentos mais difíceis, segundo ela.

A técnica de expansão de pele utilizada pelo especialista exigia paciência e um acompanhamento contínuo, que se estendeu por 12 anos. “Era um tratamento longo e desgastante. Eu ia ao consultório semanalmente para os procedimentos. Às vezes, eu pensava em desistir, mas ele sempre me lembrava do porque eu estava fazendo aquilo”, relata. A cada visita, Edilaene saía com a autoestima um pouco mais elevada, mesmo diante da dor e do desconforto do procedimento.

Os desafios não eram apenas físicos; a luta emocional também foi intensa. Durante o tratamento, a mulher lidou com o estigma social que acompanhava sua condição. “As pessoas olhavam torto na rua, e isso me deixava muito triste. Eu me sentia deformada e, mesmo com todo o apoio médico, era difícil lidar com a percepção dos outros”, lembra. No entanto, Paulo Renato sempre a incentivou a não perder a fé em si mesma e em um futuro melhor. “Ele me dizia que eu teria uma vida plena, que um dia teria uma família”, afirma, emocionada.

O médico também foi essencial no incentivo à educação da mulher que atualmente trabalha como contadora. Ele a motivou a concluir seus estudos e se formar em contabilidade. “Ele acreditou em mim quando eu mal conseguia acreditar em mim mesma. Isso me deu forças para seguir em frente”, destaca.

Após anos de tratamento, Edilaene alcançou resultados significativos: do cerca de 60% de queimaduras, restaram apenas 10%. Além da reconstituição da pele, a cirurgia da mama foi um marco que não apenas restaurou sua saúde, mas também lhe deu uma nova identidade. “Eu me senti renascendo. Minha autoestima e minha imagem mudaram completamente. Finalmente, eu podia me olhar no espelho e me sentir bonita”, conta.

Paulo Renato, que também é professor na Universidade Federal de Goiás (UFG), dedicou-se a realizar uma série de cirurgias reconstrutivas, sem cobrar pelos procedimentos, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida da paciente.

Edilaene chegou a ser atendida no Hospital das Clínicas (HC), mas devido à burocracia e à dificuldade de acesso aos procedimentos, enfrentou obstáculos para continuar seu tratamento. “Ela estava chorando, com dificuldade de concluir o tratamento. Eu tenho uma cota pequena de pacientes em que não cobro nada, como se fosse meu dízimo. São cirurgias reconstrutoras, não estéticas. Ajudamos o paciente sem cobrar pela minha parte”, explica o médico.

O processo envolveu inúmeras cirurgias, todas necessárias devido à gravidade das queimaduras que atingiram diversas partes do corpo da paciente, incluindo a axila, o braço, o pescoço e a região das mamas. O tratamento foi longo e cuidadoso. O médico utilizou expansores de pele, uma técnica que consiste em inserir balões de silicone sob a pele, que são progressivamente insuflados com soro fisiológico para esticar a área e criar nova pele saudável.

“O expansor é como um balão de silicone que colocamos embaixo da pele e insuflamos semanalmente com soro fisiológivo, criando pele para cobrir a área queimada. Foi um processo que levou dois a três meses a cada cirurgia, e repetimos várias vezes”, detalha o cirurgião.

Procedimento utilizou expansores de pele e técnicas plásticas

O pescoço da paciente, por exemplo, estava preso devido às queimaduras. Foram colocados expansores de ambos os lados dessa região para liberar a pele. O procedimento também foi realizado na área do tórax, onde uma queimadura severa atingiu as mamas. A pele foi expandida a partir do abdômen, permitindo a reconstrução da mama e posterior colocação de próteses. Para recriar os mamilos, que haviam sido destruídos, o cirurgião recorreu à técnica de tatuagem, proporcionando um resultado estético satisfatório.

Paulo Renato ainda destacou o apoio de sua equipe e da família da paciente durante o tratamento. Ele conseguiu negociar descontos com o hospital e persuadir outros profissionais, como anestesistas e assistentes, a cobrarem apenas taxas reduzidas. “Foi um processo longo e custoso, mas com resultados muito satisfatórios. Tivemos um impacto importante na vida dela, e isso é o que mais importa”, afirma.

Assim como Edilene, milhares de pessoas precisam ser submetidas  a procedimento de reconstrução devido a problemas de saúde. O Brasil realizou, em média, 1,5 milhão de cirurgias plásticas por ano, ocupando a segunda colocação, atrás apenas dos Estados Unidos. Dados do último levantamento feito pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) em 2018, mostram que além das cirurgias estéticas, o número é alavancado também pelas plásticas reparadoras, aquelas que visam corrigir malformações congênitas ou adquiridas ao longo dos anos.

O Albert Einstein em Goiânia já realizou mais de 1.900 plásticas desde o início das operações, em junho de 2021. Esse número representa 47,14% dos procedimentos da unidade, variando entre cirurgias estéticas e reparadoras.

Em casos de reconstrução, como os que envolvem pacientes que enfrentaram câncer de mama, a eficácia da cirurgia depende de muitos fatores, segundo o médico. “O grau de comprometimento do tecido, o tipo de cirurgia realizada e a resposta do paciente ao tratamento são determinantes para o sucesso da reconstrução”, detalha.

 

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