A luta pelo 13º salário no Brasil: uma conquista da mobilização dos trabalhadores
Após mais de uma década de greves e disputas no Congresso, o benefício foi sancionado em 1962, representando um marco na história dos direitos trabalhistas no país
A conquista do 13º salário no Brasil foi resultado de uma grande mobilização dos trabalhadores que durou mais de uma década, envolvendo greves, pressão sindical e disputas no Congresso Nacional. Essa trajetória é um exemplo de como os direitos trabalhistas foram obtidos por meio da luta coletiva, em um contexto de forte repressão política e de resistências por parte do empresariado.
A primeira tentativa de instituir uma gratificação natalina no Brasil ocorreu em 1951, quando o deputado Muniz Falcão (PSP-AL) apresentou um projeto sobre o tema. No entanto, a proposta foi considerada inconstitucional pela Comissão de Constituição da Câmara, que alegou que a Constituição Federal não permitia “a interferência do Estado nos encargos financeiros de particulares”. A iniciativa ficou paralisada, e a discussão em torno do benefício passou a ganhar força no chão de fábrica, impulsionada por sindicatos de diversas categorias.
Em 1959, o deputado Aarão Steinbruch (PTB-RJ) apresentou um novo projeto, refletindo a crescente pressão dos trabalhadores organizados. A partir de 1960, a mobilização tomou forma, com os sindicatos de metalúrgicos e têxteis de São Paulo liderando o movimento em defesa do abono de Natal. “A gratificação natalina era pauta constante nas listas de reivindicações dos dissídios coletivos e nas assembleias sindicais”, aponta a historiadora Larissa Corrêa, ao destacar que os trabalhadores sabiam que a aprovação do benefício não viria de uma negociação pacífica com os empregadores ou da Justiça do Trabalho.
A luta alcançou seu ápice em 13 de dezembro de 1961, quando os trabalhadores deflagraram uma greve em São Paulo. A paralisação foi marcada por forte repressão: cerca de 1.300 grevistas foram presos, 50 líderes sindicais detidos, e o Sindicato dos Metalúrgicos foi cercado e mantido incomunicável pela polícia. O governo, por sua vez, declarou o movimento ilegal. Mesmo assim, o movimento sindical manteve a pressão, forçando o empresariado a se posicionar. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) recomendou que seus membros pagassem voluntariamente o abono natalino, mas opôs-se à aprovação do projeto de lei, acusando o governo de demagogia.
O projeto foi aprovado em segunda votação na Câmara dos Deputados em 24 de abril de 1962 e no Senado em 27 de junho daquele ano. Mas a sanção presidencial ainda não havia ocorrido, e a mobilização dos trabalhadores continuou. No dia 5 de julho de 1962, uma greve geral, convocada por sindicatos de diversas categorias, intensificou a pressão sobre o governo. Em meio ao clima de tensão política, com a renúncia do primeiro-ministro Tancredo Neves e a indicação de Auro de Moura Andrade, conservador, para o cargo, o movimento sindical usou a greve como instrumento de barganha.
No Rio de Janeiro, a greve teve sérios desdobramentos. A paralisação dos trens e a crise econômica levaram à eclosão de uma onda de saques na Baixada Fluminense, resultando em 42 mortos, 700 feridos e mais de 2 mil estabelecimentos saqueados. Enquanto isso, uma comissão de líderes sindicais foi a Brasília para se reunir com o presidente João Goulart, que, em meio à crescente pressão, comprometeu-se a sancionar a lei.
Finalmente, em 13 de julho de 1962, Goulart sancionou a Lei 4.090, que instituía o 13º salário para os trabalhadores do setor privado urbano. Posteriormente, em 1963, ele estendeu o benefício aos aposentados, e em 1965, durante a ditadura militar, uma nova lei regulamentou o pagamento do 13º em duas parcelas, entre fevereiro e dezembro.
A Constituição de 1988 consolidou o direito, garantindo o 13º salário a todos os trabalhadores urbanos e rurais, e a Emenda Constitucional 19 estendeu o benefício aos servidores públicos.
Segundo Larissa Corrêa, o processo de conquista parece distante das realidades atuais de precarização do trabalho, especialmente após a reforma trabalhista de 2017. No entanto, é simbólico tenha permanecido intacto, mesmo em um cenário de flexibilização de direitos. “Isso diz muito sobre o patrimônio das leis trabalhistas e o que elas representam até hoje”, avalia a historiadora.
Para o professor Pereira Neto, a principal lição da luta é que as leis trabalhistas “não nascem no Congresso”. Ele explica que existe uma percepção equivocada de que as conquistas trabalhistas são favores concedidos pelo Estado ou pelas elites. “O que a luta pelo 13º mostra é que esses direitos são construídos pela sociedade e legitimados ao longo do tempo. Antes de se transformar em lei, o 13º salário já era uma demanda reconhecida pela experiência dos trabalhadores”.
Miguel Torres, atual presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e Mogi das Cruzes, reforça essa ideia. Ele afirma que a conquista do 13º salário continua sendo uma referência para as lutas sindicais até hoje. “Essa vitória mostra que, com organização e mobilização, a possibilidade de sucesso é muito maior. A luta fez a lei em 1962, e ela continua em vigor até hoje”.