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sexta-feira, 22 de novembro de 2024
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Residencia médica

Conselho Federal de Medicina luta contra cotas em residência médica

Prova do Enare para residência disponibilizou 30% das vagas para pessoas negras, com deficiência e de origem de comunidades tradicionais

Postado em 8 de novembro de 2024 por João Reynol
Vagas de residências em hospitais são disputadas após a graduação por serem cursos de especialização|Foto: Pedro Guerreiro/Agência Pará

Neste último domingo (3), o Conselho Federal de Medicina (CFM) entrou com uma ação civil pública em Brasília contra a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) por cotas étnicas raciais para vagas nas residências médicas da instituição. A Ebserh, que administra hospitais universitários federais como o Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC/UFG), disponibilizou cerca de 30% de suas vagas dos aprovados no Exame Nacional de Residência (Enare) para pessoas em situação de vulnerabilidade. A prova funciona de forma similar ao Enem e deve distribuir 4.854 vagas de residência médica para mais de 163 instituições, sendo 1.456 vagas para pessoas deste grupo.

 

De acordo com o entendimento do CFM, as cotas em residências médicas “podem favorecer uma ideia vantagens injustificáveis dentro da classe médica e também podem favorecer uma discrimação reversa desse grupo”. Além do CFM, a Associação Médica Brasileira (AMB) também se declarou contrária ao movimento de cotas em residências. De acordo com a associação, apenas os estudantes graduados que fizeram a prova de forma igualitária por terem completado o curso.

 

Alguns médicos da classe afirmam também que pode haver o risco da perda da qualidade da profissão, como afirma o deputado federal e neuropediatra cirurgião, Zacharias Calil (UB). De acordo com ele, que está em uma conferência no México nesta semana, as cotas seriam apenas para o ingresso no curso de medicina e não para a especialização, afinal, de acordo com ele, “após a conclusão do curso todos já são médicos com CRM”. Inclusive, ele lembra para a redação de um projeto de lei de autoria dele que tem este objetivo de barrar cotas para a especialização na medicina com o nº de 3584/2024 e conta com o apoio de conselhos da classe como do CFM.  

 

Apesar disso, a repercussão desse protesto por parte das instituições ocorreu de forma majoritariamente negativa, de acordo com a Ebserh, em nota, o grupo afirma discordância com a postura das classes de médicos em relação às políticas afirmativas do edital do Enare. Além disso, também lembram que essas mesmas políticas estão previstas em leis federais, como a lei de número 12.990/2014 que estabelece cotas de 20% para pessoas negras. Enquanto isso, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) afirmou que o acesso à residência em saúde ainda é desigual por parte da população preta, de povos originários e comunidades tradicionais.

 

Já para a presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Sistema Único de Saúde no Estado de Goiás (Sindsaúde-GO), Luzinéia Vieira, as cotas para residência podem beneficiar o acesso e a qualidade do SUS. De acordo com a titular do grupo de classe, grande parte dos graduados em medicina preferem ir para a iniciativa privada com uma maior oportunidade de renda e não se dirigem para o trabalho público. “Eu estive recentemente com os alunos do 1º ano do curso de medicina da UFG para falar sobre controle social. Quando eu perguntei para ele num auditório lotado, que pode caber umas 100 pessoas, quem tinha um anseio de trabalhar no Sistema Único de Saúde, apenas quatro pessoas levantaram as mãos”.

 

Além disso, Luzinéia comenta que um dos efeitos colaterais do maior acesso às especializações é o aumento da quantidade de médicos em regiões interioranas em que há uma desigualdade da população para com o acesso à saúde. Segundo a titular, apesar das capitais e regiões metropolitanas terem uma proporção razoável de médicos, essa pequena proporção em áreas remotas é prejudicial para a população local. 

 

Essa oferta da saúde para as pessoas em locais remotos ou interioranos seria também uma reparação para essas comunidades, como os quilombolas. “Nós temos um país de tamanho continental onde tem pessoas com mais dificuldade de acesso [à saúde]. E poucos médicos querem ir para essas regiões remotas seja pelo salário que for, então é importante dar oportunidade para que essas pessoas se qualifiquem para que elas possam permanecer próximo de onde elas foram criadas em sua origem”, afirma.

 

Importância das cotas para pessoas em situação de vulnerabilidade 

 

De acordo com a defesa das organizações hospitalares, as cotas de 30% foram impostas porque o Enare se define como um concurso público e está submisso à lei Nº 12.990/2014, ou lei dos concursos públicos. Segundo a lei federal, devem ser destinadas 20% das vagas para pessoas da etnia preta ou pardas e 10% para pessoas de comunidades tradicionais como as comunidades indígenas e quilombolas. Estas cotas estabelecidas tem o objetivo de diminuir a desigualdade social entre as etnias do Brasil.

 

De acordo com a advogada e vice-presidente do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial da subcomissão de Aparecida de Goiânia (CEPIR-AP), Amanda Passos, leis como esta são para reparar anos de exploração da escravidão no Brasil. Amanda afirma que após o fim da escravidão com a Lei Aurea não houve um ordenamento da população preta para melhores condições de vida como oportunidades de emprogo similares as pessoas branca. Por causa disso, ainda há uma desigualdade de oportunidade exponencial entre a população branca e preta. “Não tivemos paridade na condição da vida humana.”

 

Por causa dessa desigualdade, a especialista fala que até mesmo o desempenho entre pessoas de uma família preta e uma família branca evidencia essa disparidade. “O contexto de vida de uma pessoa preta de classe baixa é totalmente diferente de uma pessoa branca. Enquanto um pega um ônibus de uma hora a uma hora e meia, a pessoa branca pode ter pai, mãe com veículo ou até mesmo motorista. Enquanto um estuda e trabalha para sustentar, o outro vai para a aula ou cursinho  e tem o horário livre para estudar.” Essas diferenças então seriam para dar oportunidades justas às pessoas.

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