Senado se une a governadores para derrubar decreto de Lula sobre uso da força policial
Senadores e governadores alegam interferência na autonomia estadual e riscos de aumento da criminalidade, no entanto, a medida é defendida pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública por alinhar o Brasil a tratados internacionais
Uma articulação que reúne governadores e senadores está ganhando força para contestar o decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que regulamenta o uso da força policial. Publicado na última terça-feira (24), vésperas de Natal, o decreto autoriza o uso de arma de fogo como “último recurso” pelas forças de segurança pública, determinando, por exemplo, que armas de fogo não sejam utilizadas contra pessoas desarmadas em fuga ou veículos que desrespeitem bloqueios policiais, salvo em situações de risco. Embora o governo federal defenda que a medida regula normas já existentes e está alinhada a tratados internacionais, lideranças estaduais e parlamentares apontam riscos à autonomia e à segurança pública.
No Senado, o projeto do senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR) tem ganhado destaque. Ele propôs a suspensão dos efeitos do decreto presidencial, argumentando que a iniciativa extrapola a competência do Executivo e fragiliza o pacto federativo. “O governo federal não pode regulamentar sozinho, de forma unilateral, o sistema de Segurança Pública do País. Ele precisa ouvir o Congresso Nacional”, afirmou o senador à Folha de S.Paulo. Segundo Mecias, o decreto cria um “precedente perigoso de insegurança jurídica” e pode interferir no planejamento estratégico das polícias estaduais, aumentando a criminalidade.
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A medida proposta pelo governo federal também sofreu críticas por condicionar o repasse de verbas do Fundo Nacional de Segurança Pública e do Fundo Penitenciário Nacional à adesão dos estados às novas diretrizes. Para Mecias, isso transforma os fundos em “instrumentos de pressão política”, enfraquecendo as gestões estaduais.
Além da mobilização no Senado, governadores como Ronaldo Caiado (União Brasil-GO), Ibaneis Rocha (MDB-DF) e Cláudio Castro (PL-RJ) já se posicionaram contrários à medida. Caiado, um dos líderes mais enfáticos na oposição ao decreto, apresentou uma contraproposta que visa ampliar a autonomia dos estados para legislar sobre questões penais, como crimes ambientais, contra o patrimônio e contra a dignidade sexual. Ele também criticou o contingenciamento de recursos para estados que decidirem não seguir as diretrizes federais.
“Retrocesso ímpar”
Caiado argumenta que a PEC do governo federal que amplia os poderes das forças de segurança federais é um “retrocesso ímpar” e que os recentes episódios de criminalidade violenta, como o atentado terrorista em Brasília e a execução de um delator do PCC no aeroporto de Guarulhos, revelam a incapacidade da União em gerenciar a segurança pública. Em Goiás, por outro lado, ele destaca resultados alcançados entre 2018 e 2024, como a redução de 56% nos homicídios e de 88% nos casos de latrocínio. No primeiro semestre de 2024, foram apreendidas mais de 12 toneladas de drogas, cumpridos quase 5 mil mandados de prisão e desarticulados 124 grupos criminosos no estado.
Fórum defende o decreto
Em contraponto, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entidade que reúne especialistas e pesquisadores, defendeu o decreto federal. Segundo a instituição, as normas editadas estão em conformidade com tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei e a Convenção contra a Tortura. Além disso, considera que as diretrizes fortalecem o controle sobre o uso da força policial e promovem maior proteção aos direitos humanos.
O decreto também inova ao criar o Comitê Nacional de Monitoramento do Uso da Força, que produzirá dados sobre mortes de policiais e por policiais, áreas ainda sem estatísticas oficiais confiáveis no Brasil.