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segunda-feira, 17 de março de 2025
saúde mental

11 mil goianos são afastados do trabalho por crise na saúde mental

Transtorno de ansiedade se destaca como o diagnóstico mais frequente no estado, com 2.953 registros

Postado em 17 de março de 2025 por Micael Silva
Novas regulamentações estão sendo adotadas para garantir que as empresas implementem medidas eficazes na preservação da saúde mental de seus funcionários Foto:Marcelo Camargo | Agência Brasil
Novas regulamentações estão sendo adotadas para garantir que as empresas implementem medidas eficazes na preservação da saúde mental de seus funcionários Foto:Marcelo Camargo | Agência Brasil

O Brasil registrou um aumento alarmante nos afastamentos do trabalho por transtornos mentais e comportamentais. Em 2014, aproximadamente 203 mil trabalhadores precisaram se afastar por condições como transtornos de ansiedade, episódios depressivos e reações a estresse grave. Uma década depois, em 2024, esse número mais que dobrou, atingindo um recorde histórico de mais de 440 mil desligamentos.

De acordo com dados do Ministério da Previdência Social, o salto de casos entre 2023 e 2024 foi de quase 67%, evidenciando um agravamento significativo dos problemas de saúde mental entre os trabalhadores brasileiros.

Em Goiás, a situação também é preocupante. O estado contabilizou 11.119 casos em 2024, sendo os transtornos de ansiedade a principal causa, com 2.953 registros. Os episódios depressivos também tiveram impacto significativo, levando 2.750 trabalhadores a se ausentarem do mercado de trabalho. 

Em comparação com 2014, o estado seguiu a tendência nacional de aumento expressivo. Somente no último ano, 11.826 benefícios foram concedidos em Goiás devido a transtornos mentais e comportamentais.

Entre os diagnósticos mais frequentes registrados em 2024, destacam-se os transtornos de ansiedade, que somaram 2.953 afastamentos, seguidos pelo transtorno afetivo bipolar, com 2.795 registros, e pelos episódios depressivos, que resultaram em 2.750 desligamentos. 

O transtorno depressivo recorrente foi responsável por 1.047 desocupações, enquanto reações ao estresse grave e transtornos de adaptação totalizaram 365 casos. 

Outros diagnósticos incluem transtornos relacionados ao uso de múltiplas drogas e substâncias psicoativas, com 352 afastamentos, esquizofrenia, com 326 casos, transtornos mentais e comportamentais decorrentes do uso de álcool, com 313 abandonos, e outros transtornos mentais associados a lesões cerebrais ou doenças físicas, que somaram 130 concessões. O menor número de afastamentos no estado foi registrado para os transtornos específicos da personalidade, com um total de 88 casos em 2024.

O aumento expressivo de desligamentos por transtornos mentais reforça a necessidade de políticas públicas e medidas de apoio à saúde mental dos trabalhadores, além de ações preventivas dentro das empresas. O tema segue como um dos desafios para a sociedade e o sistema de saúde nos próximos anos.

A técnica de administração pública Jozinalda Leite da Silva, de 55 anos, conta que percebeu sua saúde sendo impactada pelo excesso de tarefas no ambiente de trabalho. Segundo ela, muitas das atividades exigidas não faziam parte de suas atribuições, o que resultou em uma sobrecarga crescente.

Os primeiros sinais de cansaço mental vieram quando precisou buscar ajuda profissional para tratar o problema. “Tive que recorrer a um médico e iniciar o uso de medicamentos controlados. Foi nesse momento que percebi que algo estava errado”, relata.

A pressão excessiva da chefia e a carga de trabalho desgastante foram determinantes para seu afastamento. “O volume de tarefas e a cobrança constante fizeram com que minha saúde fosse diretamente afetada”, afirma.

Após o tratamento, Jozinalda conseguiu recuperar sua qualidade de vida. “Hoje já não preciso mais de acompanhamento psicológico nem de medicamentos. Foi um processo difícil, mas consegui superar.”

Diante do agravamento da situação, novas regulamentações estão sendo adotadas para garantir que as empresas implementem medidas eficazes na preservação da saúde mental de seus funcionários. 

A partir de 28 de maio de 2025, entrará em vigor a alteração na Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), conforme estabelecido pela Portaria nº 1.449 do Ministério do Trabalho e Emprego. 

Com a mudança, fatores psicossociais como estresse, assédio e burnout deverão ser obrigatoriamente considerados no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) das empresas, reforçando a necessidade de um ambiente laboral mais saudável e seguro.

A psicóloga Karina Pimentel destaca que o aumento dos transtornos mentais nos últimos dez anos é resultado de um conjunto de fatores, entre eles a cultura da hiperconectividade. Segundo a profissional, a dificuldade em separar momentos de trabalho e lazer, aliada à pressão por alta performance e resultados em um mercado cada vez mais competitivo, tem agravado a situação. Além disso, a falta de segurança psicológica dentro das organizações contribui para o adoecimento dos colaboradores.

Ela alerta que muitas empresas tentam solucionar o problema com medidas superficiais, sem atacar a raiz da questão. “Não adianta investir em várias ações se não identificamos a causa. Muitas organizações estão dando o remédio errado e, assim, a questão não será resolvida. É preciso coragem para analisar o ambiente de trabalho e entender o que está afetando a saúde dos funcionários”, enfatiza. 

Para isso, Karina ressalta a importância do uso de ferramentas científicas, como diagnósticos psicossociais do trabalho e indicadores como turnover e pesquisas de clima organizacional, que ajudam a mapear os gatilhos que levam ao adoecimento.

 

Medidas eficazes reduzem afastamentos e aumentam a produtividade

A psicóloga reforça que investir na saúde mental traz benefícios concretos. “Um estudo global da Deloitte com a Oracle, realizado em 2023, mostrou que, para cada dólar investido em saúde mental, as empresas têm um retorno de três dólares. Mas mais do que o retorno financeiro, é essencial olhar para a saúde integral do colaborador, considerando aspectos físicos, emocionais, familiares e até financeiros”, explica.

Em relação a Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), Karina aponta que a medida se tornou essencial diante do crescente número de afastamentos por problemas psicológicos. No entanto, ela adverte que as ações das empresas devem ser genuínas. “Não adianta oferecer benefícios apenas para marketing se os números internos continuam alarmantes. É preciso identificar os pontos cegos e atuar neles de forma estratégica e eficaz”, afirma.

A pandemia, segundo a especialista, teve um impacto significativo na saúde mental, gerando altos níveis de estresse, insegurança e mudanças no modelo de trabalho. “Cada pessoa lidou com esse caos da forma que pôde. Alguns atravessaram essa fase de barco, outros em uma canoa frágil, e muitos estavam apenas segurando um graveto no meio do oceano. O fato é que saímos desse período transformados e, agora, é necessário compreender os reflexos desse impacto”, analisa.

Para os trabalhadores que buscam equilibrar a demanda profissional e a saúde mental, a psicóloga recomenda autoconhecimento e conscientização. “É fundamental entender os próprios limites, aprender a gerir o tempo, negociar prazos e estabelecer momentos de desconexão. Cuidar da saúde física, manter relações saudáveis e descansar também são essenciais para evitar o adoecimento”, orienta.

Por fim, Karina reforça que liderar hoje exige um olhar diferente sobre as pessoas dentro das organizações. “A gestão não pode ser a mesma de cinco anos atrás. Empresas que cuidam genuinamente do bem-estar dos colaboradores têm resultados sustentáveis no longo prazo. O ambiente de trabalho precisa favorecer essa integralidade, pois são as pessoas saudáveis que garantem o sucesso do negócio”, conclui.

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