O Hoje, O Melhor Conteúdo Online e Impresso, Notícias, Goiânia, Goiás Brasil e do Mundo - Skip to main content

segunda-feira, 14 de abril de 2025
Publicidade
Violência sem fim

Goiás registra dois casos de feminicídio em apenas uma semana

Somente no estado 56 mulheres morreram vítimas do crime em 2024

Postado em 7 de abril de 2025 por Renata Ferraz
Feminicídio
Foto: Freepik

Mais uma vez uma caso de feminicídio,e com uma mulher foi morta pelo companheiro em Goiás. Dessa vez, o caso aconteceu na cidade de Senador Canedo. A empresária Bruna Raimunda dos Santos, de 31 anos, foi assassinada no dia 31 de março, após ser baleada pelo ex-marido que invadiu sua casa, a matou e ainda tentou matar o atual namorado dela.

Segundo informações, Bruna estava separada e já em outro relacionamento. Outro caso recente é o da jovem Vanessa Soares, de 24 anos, que estava desaparecida desde o dia 21 de março. Seu corpo foi encontrado no dia 2 de abril, ou seja, 13 dias após o desaparecimento, tendo seu marido como o principal suspeito do crime.

Temos ‘Vanessas’, ‘Brunas’ ‘Daniellas’ e ‘Renatas’. Seria massacrante e até mesmo cansativo detalhar quantas mulheres perderam a vida todos os dias, meses e anos no país e quantas outras ainda irão ser vitímas do feminicídio. O cenário de combate à violência contra a mulher revela diversas dificuldades para a redução mais efetiva dos índices de feminicídio e agressões domésticas.

No estado, a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 registrou aumento de 34% nos atendimentos e de 26,9% nas denúncias em 2024, em comparação com o ano anterior. O balanço anual, divulgado pelo Ministério das Mulheres, aponta que a maioria dos atos violentos é cometida por esposos, companheiros e ex-companheiros.

Além disso, dados do DataJud, sistema do Conselho Nacional de Justiça, revelaram que o estado teve um aumento de 52% na quantidade de novos processos judiciais relacionados a feminicídio e de 22% de violência doméstica em 2024.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública de Goiás (SSP-GO), 56 mulheres foram vítimas de feminicídio em 2023, número que se repetiu em 2024. Mesmo com o aumento nas denúncias, o número de assassinatos não diminuiu, revelando que muitas vítimas ainda não conseguem acessar a proteção necessária a tempo.

Parte dessa dificuldade está na falta de informação e no descrédito das vítimas. Muitas mulheres ainda não sabem ou não acreditam na eficácia da lei para protegê-las. Esse descrédito tem raízes profundas, como explicou a advogada Ana Carolina Fleury, especialista em direitos de mulheres, mães e crianças.

“No Brasil, o feminicídio é caracterizado legalmente como o homicídio de uma mulher em razão do gênero, ou seja, quando o crime ocorre por violência doméstica e familiar ou por menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Basicamente, significa também o assassinato de mulheres em contextos marcados pela desigualdade de gênero e é crime hediondo, previsto no Código Penal no artigo 121-A.” Ela complementa: “É considerado feminicídio quando a mulher é morta em um crime motivado por ódio, desprezo ou discriminação à condição feminina”.

Sobre os desafios no combate à violência, a profissional destaca que são muitos, começando pela dificuldade de acesso às informações sobre como solicitar medidas protetivas e em quais tipos de violência elas se aplicam. Ela destaca que essas medidas podem ser requeridas em todos os casos de violência. 

Outro obstáculo apontado é o descrédito que muitas mulheres enfrentam ao relatarem os abusos, tanto por parte dos órgãos de proteção quanto do sistema de justiça, refletindo uma falta de capacitação dos servidores, especialmente no reconhecimento da palavra da vítima como prova.

Ana Carolina reforça que: “A Lei Maria da Penha é muito completa e tem reconhecimento internacional, mas precisa ser aplicada por completo. Não dá para aplicar os mesmos mecanismos para todos os casos, ignorar outras possibilidades e esperar mudanças efetivas”.

Sobre como solicitar uma medida protetiva, ela orienta: “A mulher pode solicitar diretamente na delegacia de polícia, na Defensoria Pública ou via advogadas especializadas. O pedido segue para análise do Judiciário, que por meio de uma decisão, concede ou não a protetiva”.

Em relação ao que é necessário para combater o feminicídio de forma efetiva, a advogada destaca: “Exige mudanças profundas no sistema de justiça estruturais, institucionais e culturais. Dentre elas, cito a capacitação obrigatória e contínua de operadores do Direito, agilidade na concessão de medidas protetivas, atuação conjunta entre Judiciário, hospitais, apoio psicológico e assistência social, além de moradia e renda alternativa. Também é preciso produzir pesquisas detalhadas sobre a violência e tornar essas informações públicas, além de promover educação de gênero em toda a sociedade”.

Fleury finaliza destacando: “O maior mecanismo de proteção da mulher é o conhecimento. Para se proteger, é necessário saber seus direitos de acordo com o caso concreto. Existem casas abrigo, centros de referência como o CREAS, políticas públicas de auxílio e renda emergencial (a depender do estado), aplicativo SOS Mulher (SP), botão do pânico, o Ligue 180 e outros mecanismos”.

No cenário nacional, os dados também são alarmantes. De acordo com o Relatório Anual Socioeconômico da Mulher (RASEAM) 2025, lançado pelo Ministério das Mulheres, em 2024 foram registrados 1.450 feminicídios e 2.485 homicídios dolosos de mulheres e lesões corporais seguidas de morte. Os dados representam uma leve queda de 5,07% em relação a 2023.

Em relação ao estupro, o Brasil registrou 71.892 casos em 2024, uma média de 196 por dia. Apesar do número elevado, houve uma queda de 1,44% em relação a 2023. A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, aponta que a queda nos números é reflexo das políticas públicas, da mobilização nacional pelo feminicídio zero, de debates e da mudança de comportamento sobre como e quando intervir nos casos de violência.

Outro dado importante revela que 60,4% dos casos de violência contra mulheres adultas (20 a 59 anos) ocorreram com mulheres pretas e pardas, mostrando uma sobreposição de vulnerabilidades. Em 76,6% dos registros, o agressor é do sexo masculino, e 71,6% das agressões ocorreram dentro da residência da vítima.

O que está sendo feito para mudar essa realidade

Apesar dos avanços em algumas frentes, o caminho ainda é longo. O Tribunal de Justiça de Goiás anunciou recentemente a criação do Observatório de Feminicídio e Violência Doméstica Contra a Mulher, que visa dar mais agilidade aos processos relacionados à violência de gênero.

Já no âmbito legislativo, a deputada goiana Silvye Alves propôs um projeto de lei com o mesmo teor de uma proposta que tramita em Mato Grosso do Sul, que pode alcançar nível nacional e promete aprimorar o atendimento e proteção às vítimas.

Outra iniciativa importante foi sancionada em abril de 2024: a nova Lei 14.994/2024, parte do chamado Pacote Antifeminicídio. Sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a nova legislação aumenta a pena para feminicídio de 20 a 40 anos, retirando o crime da classificação de homicídio qualificado (cuja pena era de 12 a 30 anos) e equiparando-o aos crimes hediondos.

Além disso, a progressão de regime só poderá ocorrer após 55% do cumprimento da pena, e o condenado perde o poder familiar sobre os filhos, o direito a cargo público e à visita íntima. A nova lei também prevê o aumento da pena para lesão corporal contra mulheres, que passa a ser de dois a cinco anos, e não mais de três a seis meses, o que poderá garantir a prisão dos agressores em casos que anteriormente não resultavam em detenção.

A nova legislação também prevê tramitação prioritária para processos que envolvam feminicídio, bem como a possibilidade de transferência do criminoso para outro estado em caso de ameaça à vítima. Um dos destaques, que apesar das falhas na educação familiar e institucional, a punição pode ser um instrumento de transformação, evitando que agressões evoluam para assassinatos.

A nova lei também garante que os processos de crime hediondo ou violência contra a mulher tenham prioridade em todas as instâncias judiciais, sem depender do pagamento de custas, taxas ou despesas — ou seja, com gratuidade plena. Enquanto isso, a luta segue. É preciso ouvir as vozes das mulheres, aplicar com rigor as leis já existentes, investir em políticas públicas efetivas.

Leia mais: Adolescente é dopado, estuprado e tem vídeo divulgado em Goiás

Você tem WhatsApp ou Telegram? É só entrar em um dos canais de comunicação do O Hoje para receber, em primeira mão, nossas principais notícias e reportagens. Basta clicar aqui e escolher.
Veja também