Diagnóstico social
Estigma e exclusão formam o novo mapa da epidemia de HIV no Brasil, onde o maior obstáculo ao tratamento ainda é o preconceito

A maioria das dores não aparece no prontuário. Para 52,9% das pessoas que vivem com HIV no Brasil, o diagnóstico é apenas a primeira barreira. Depois dele, vêm o preconceito, a exclusão, o constrangimento. A vida com HIV segue cercada por silêncios e estigmas.
É o que mostra o Índice de Estigma em Relação às Pessoas Vivendo com HIV 2025, divulgado por um consórcio de organizações civis. A pesquisa ouviu 1.275 pessoas em sete capitais brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Porto Alegre, Manaus e Brasília. Entre os entrevistados, 38,8% disseram ter sido alvo de comentários depreciativos ou fofocas, e 6,6% relataram que sua condição foi exposta sem consentimento.
O preconceito se estende ao atendimento médico. Em serviços voltados ao HIV, 11,5% afirmaram ter sofrido discriminação, como uso excessivo de luvas ou recusa de contato físico. Fora desses serviços, 13,1% também sentiram que eram tratados de forma diferente.
Esse tratamento desigual afasta. Quase um quarto dos participantes disse que evitou fazer o teste por medo da reação alheia. Outros 8,5% deixaram de buscar atendimento após episódios de preconceito.
A saúde mental é um dos alvos mais atingidos. Depois do diagnóstico, 29,1% passaram a apresentar sintomas de depressão. A ansiedade aparece em 41% dos relatos.
Entre travestis e pessoas trans, os índices são ainda mais alarmantes. 86,7% relataram discriminação por identidade de gênero. O assédio sexual atingiu 67,7% delas. Entre os profissionais do sexo, o assédio foi mencionado por 73% dos participantes, e 81,1% disseram ter vivenciado alguma forma de estigma.
A edição mais recente do levantamento inclui, pela primeira vez, o impacto das mudanças climáticas. Cerca de 23% das pessoas relataram dificuldade em acessar medicamentos antirretrovirais devido a eventos extremos como enchentes, secas e ondas de calor.
Apesar das dificuldades, o Brasil atingiu dois dos três objetivos estabelecidos internacionalmente para o enfrentamento da epidemia. Em 2020, alcançou a meta de que 95% das pessoas com HIV saibam de sua condição. Em 2024, chegou ao índice de 95% de supressão da carga viral entre os que fazem tratamento. Mas ainda não alcançou a segunda meta: garantir que 95% das pessoas diagnosticadas estejam em tratamento.
O relatório associa essa falha à permanência do estigma e da discriminação. Segundo o texto, sem enfrentá-los, a meta seguirá inalcançável. O estudo foi conduzido por organizações como o Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas, a Rede Nacional de Jovens Vivendo com HIV, a Articulação Nacional de Aids e outras redes civis, com apoio da Fiocruz, Unaids, CDC e o Ministério da Saúde.